SOFIA LORENA - Público
Dois
civis israelitas, 25 soldados do Exército de Israel e 572 palestinianos foram
mortos desde dia 8. Movimentações internacionais aceleram e podem, finalmente,
estar no caminho certo.
Quando
a noite caiu na Faixa de Gaza a única certeza dos habitantes é que poderiam
morrer antes do amanhecer. O mesmo sabiam os combatentes do Hamas e os
militares israelitas que entraram na madrugada de sexta-feira no pequeno
enclave palestiniano, às ordens do Governo de Benjamin Netanyahu.
Um
cessar-fogo começa finalmente a surgir como possível, mas vai demorar pelo
menos mais alguns dias a negociar. Entretanto, morre-se.
Pelo
menos 572 palestinianos foram mortos na Faixa de Gaza desde dia 8 de Julho,
quando Israel lançou uma operação (inicialmente com ataques – a partir do seu
território e de navios – e bombardeamentos) destinada a impedir o lançamento de
rockets. Segundo a ONU, mais de 72% destas vítimas são civis (o
maior grupo são crianças). Os feridos eram já ao final do dia de
segunda-feira 3350. Do lado israelita, 25 soldados foram mortos (todos desde
sexta-feira) e dois civis morreram vítimas de rockets palestinianos.
“Desejaríamos
que os israelitas tomassem medidas ainda mais importantes para assegurar a
protecção dos civis”, disse o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest,
reafirmando o direito de Israel a “defender os seus cidadãos” e considerando
inaceitável que o Hamas continue a disparar rockets na direcção de
civis israelitas”. O que disse Earnest é o que tem dito Barack Obama, juntando
o pedido aos israelitas para se esforçarem mais na tentativa de evitar matar
civis.
Cada
dia tem sido pior do que o anterior. Na sexta-feira, morreram mais de 60
palestinianos, sábado quase 90, domingo 120, incluindo 70 num só bairro,
Shajaya, subúrbio da Cidade de Gaza, descrito por Israel como “uma fábrica
de bombas”. Segunda-feira, enquanto mais de 100 palestinianos morriam (28 de
uma só família), começaram a multiplicar-se os apelos a um cessar-fogo. Obama
fez um. O Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se para aprovar uma
declaração onde pede o fim imediato das hostilidades. Ban Ki-moon,
secretário-geral da organização, foi mais longe na linguagem e descreveu
o ataque israelita a Shajaya como “uma acção atroz”.
Ban
falava ainda no Qatar, primeira paragem de um pequeno périplo no Médio Oriente.
Ao contrário dos outros líderes que têm ido à região, o líder da ONU preferiu
iniciar em Doha a sua viagem, seguindo só depois para o Cairo e Israel. O mundo
ocidental continua a insistir na mediação egípcia, mas é no Qatar, onde vive
exilado o líder do Hamas, Khaled Meshaal, que algo pode ser conseguido junto do
movimento, que é classificado como organização terrorista por Israel, EUA
e a União Europeia.
Segunda-feira
foi o dia em que finalmente o líder da Autoridade Palestiniana,Mahmoud
Abbas, se encontrou com Meshaal. No fim, pediram o fim “da agressão
israelita” e pareceram ter afinado agulhas. Agora, já não é só o Hamas que
exige o fim do bloqueio a Gaza (da Faixa não se pode sair nem para Israel, onde
o impedem checkpoints e uma vedação fortificada, nem para o Egipto nem para o
mar, patrulhado por Israel), com a abertura do posto fronteiriço de Rafah
(Egipto) ou a libertação de prisioneiros detidos por Israel.
“Isto
não são condições mas compromissos que Israel deve honrar”, afirmou depois do
encontro Saeb Erakat, o homem que costuma negociar em nome da Fatah, de
Abbas as tentativas internacionais para obter a paz. Esta guerra, que
Israel começou por chamar “operação” e agora descreve como “campanha”, “é uma
guerra dirigida, não contra Gaza, mas contra o conjunto do povo palestiniano,
da sua reconciliação e do projecto de dois Estados”, um palestiniano, um
israelita, disse ainda Erakat.
Apoio
internacional “muito forte”
Recorde-se que o actual conflito acontece menos de três meses depois de as duas facções da Palestina terem chegado a um consenso para formar um governo de unidade que deveria ter assumido a gestão da Cisjordânia e de Gaza. Ao mesmo tempo, segue-se a um esforço liderado pelo secretário de Estado de Obama, John Kerry, para negociar um acordo de paz (Israel recusou continuar nas negociações após a reconciliação da Fatah, que governa a Cisjordânia ocupada, com o Hamas, eleito nas legislativas de 2006 na Faixa de Gaza).
Depois
do Qatar, Abbas enviou representantes seus para o Cairo, a tempo de lá chegarem
para discutir com Ban e com Kerry, que aterrou na capital egípcia segunda-feira
à noite. O Governo de Netanyahu diz que as suas forças “estão a avançar no
terreno de acordo com os planos” e que “a operação vai continuar a ser alargada
até estarem alcançados os seus objectivos – restaurar a calma para os cidadãos
israelitas durante um longo período”.
Domingo,
o primeiro-ministro israelita congratulara-se pelo “apoio internacional muito
forte” que a sua ofensiva estava a receber. Depois da carnificina de domingo, o
tom internacional mudou um pouco. E é possível que Netanyahu esteja disposto a
pôr fim às operações militares até sexta-feira, a última deste Ramadão (o mês
sagrado do jejum para os muçulmanos praticantes), podendo declarar vitória e
apresentar aos israelitas a destruição de dezenas de túneis e de rampas de
lançamento de rockets.
Certo
é que nos próximos dois dias vão existir conversas significativas entre o Cairo
e Jerusalém. Depois de Ban passar pelo Qatar e de Abbas falar com Meshaal, o
governo egípcio afirmou estar disposto a incluir algumas das condições do Hamas
numa proposta que apresentou há uma semana e que avançava apenas com um
cessar-fogo (e que anunciara, sábado, já não estar em cima da mesa).
Quase
metade de Gaza é “zona a evitar”
Entretanto, morre-se. Esta segunda-feira, Israel atingiu pela terceira vez um hospital na Cidade de Gaza. Trata-se do Al-Aqsa, um hospital público que já existia quando o Hamas chegou ao poder
Pelo
menos cinco pessoas morreram e 70 ficaram feridas neste ataque. A Cruz Vermelha
e os Médicos Sem Fronteiras estavam a tentar retirar do Al-Aqsa pacientes e
feridos – nenhum hospital de Gaza tem neste momento condições para receber mais
gente ou tratar pessoas com condições mínimas (para além da água e da
electricidade, já falta um pouco de tudo). Mark Regev, porta-voz de Netanyahu
ouvido pela Al-Jazira, afirmou não ter dúvidas que “o Hamas usa hospitais”,
explicando não estar “ao corrente desta situação específica”.
Certo
é que por mais que Israel insista que informa sempre as populações antes de
cada ataque, os habitantes da pequena Faixa (1,8 milhões) sentem não ter para
onde ir. A ONU diz que há mais de 100 mil deslocados e abriga 85 mil nas suas
instalações, mas avisa que está a ficar sem stocks (comida, água,
colchões, cobertores…), acrescentando que nem as morgues têm espaço. Quando
alguém pergunta a um habitante sobre os avisos israelitas, ouve sempre como
resposta a pergunta “Fugir para onde?”, escreve a correspondente da BBC, Lyse
Doucet, no site da emissora. Segundo a ONU, 43% de Gaza está já “afectada pelos
avisos de evacuação” ou foi declara “zona a evitar”.
Na
foto: Médicos palestinianos acodem a um rapaz ferido num bombardeamento
israelita - REUTERS/IBRAHEEM ABU MUSTAFA
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