terça-feira, 22 de julho de 2014

Massacre: Quase 600 mortos depois, multiplicam-se apelos a um cessar-fogo em Gaza



SOFIA LORENA - Público

Dois civis israelitas, 25 soldados do Exército de Israel e 572 palestinianos foram mortos desde dia 8. Movimentações internacionais aceleram e podem, finalmente, estar no caminho certo.

Quando a noite caiu na Faixa de Gaza a única certeza dos habitantes é que poderiam morrer antes do amanhecer. O mesmo sabiam os combatentes do Hamas e os militares israelitas que entraram na madrugada de sexta-feira no pequeno enclave palestiniano, às ordens do Governo de Benjamin Netanyahu.

Um cessar-fogo começa finalmente a surgir como possível, mas vai demorar pelo menos mais alguns dias a negociar. Entretanto, morre-se.

Pelo menos 572 palestinianos foram mortos na Faixa de Gaza desde dia 8 de Julho, quando Israel lançou uma operação (inicialmente com ataques – a partir do seu território e de navios – e bombardeamentos) destinada a impedir o lançamento de rockets. Segundo a ONU, mais de 72% destas vítimas são civis (o maior grupo são crianças). Os feridos eram já ao final do dia de segunda-feira 3350. Do lado israelita, 25 soldados foram mortos (todos desde sexta-feira) e dois civis morreram vítimas de rockets palestinianos.

“Desejaríamos que os israelitas tomassem medidas ainda mais importantes para assegurar a protecção dos civis”, disse o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, reafirmando o direito de Israel a “defender os seus cidadãos” e considerando inaceitável que o Hamas continue a disparar rockets na direcção de civis israelitas”. O que disse Earnest é o que tem dito Barack Obama, juntando o pedido aos israelitas para se esforçarem mais na tentativa de evitar matar civis.

Cada dia tem sido pior do que o anterior. Na sexta-feira, morreram mais de 60 palestinianos, sábado quase 90, domingo 120, incluindo 70 num só bairro, Shajaya, subúrbio da Cidade de Gaza, descrito por Israel como “uma fábrica de bombas”. Segunda-feira, enquanto mais de 100 palestinianos morriam (28 de uma só família), começaram a multiplicar-se os apelos a um cessar-fogo. Obama fez um. O Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se para aprovar uma declaração onde pede o fim imediato das hostilidades. Ban Ki-moon, secretário-geral da organização, foi mais longe na linguagem e descreveu o ataque israelita a Shajaya como “uma acção atroz”.

Ban falava ainda no Qatar, primeira paragem de um pequeno périplo no Médio Oriente. Ao contrário dos outros líderes que têm ido à região, o líder da ONU preferiu iniciar em Doha a sua viagem, seguindo só depois para o Cairo e Israel. O mundo ocidental continua a insistir na mediação egípcia, mas é no Qatar, onde vive exilado o líder do Hamas, Khaled Meshaal, que algo pode ser conseguido junto do movimento, que é classificado como organização terrorista por Israel, EUA e a União Europeia.

Segunda-feira foi o dia em que finalmente o líder da Autoridade Palestiniana,Mahmoud Abbas, se encontrou com Meshaal. No fim, pediram o fim “da agressão israelita” e pareceram ter afinado agulhas. Agora, já não é só o Hamas que exige o fim do bloqueio a Gaza (da Faixa não se pode sair nem para Israel, onde o impedem checkpoints e uma vedação fortificada, nem para o Egipto nem para o mar, patrulhado por Israel), com a abertura do posto fronteiriço de Rafah (Egipto) ou a libertação de prisioneiros detidos por Israel.

“Isto não são condições mas compromissos que Israel deve honrar”, afirmou depois do encontro Saeb Erakat, o homem que costuma negociar em nome da Fatah, de Abbas as tentativas internacionais para obter a paz. Esta guerra, que Israel começou por chamar “operação” e agora descreve como “campanha”, “é uma guerra dirigida, não contra Gaza, mas contra o conjunto do povo palestiniano, da sua reconciliação e do projecto de dois Estados”, um palestiniano, um israelita, disse ainda Erakat.

Apoio internacional “muito forte”

Recorde-se que o actual conflito acontece menos de três meses depois de as duas facções da Palestina terem chegado a um consenso para formar um governo de unidade que deveria ter assumido a gestão da Cisjordânia e de Gaza. Ao mesmo tempo, segue-se a um esforço liderado pelo secretário de Estado de Obama, John Kerry, para negociar um acordo de paz (Israel recusou continuar nas negociações após a reconciliação da Fatah, que governa a Cisjordânia ocupada, com o Hamas, eleito nas legislativas de 2006 na Faixa de Gaza).

Depois do Qatar, Abbas enviou representantes seus para o Cairo, a tempo de lá chegarem para discutir com Ban e com Kerry, que aterrou na capital egípcia segunda-feira à noite. O Governo de Netanyahu diz que as suas forças “estão a avançar no terreno de acordo com os planos” e que “a operação vai continuar a ser alargada até estarem alcançados os seus objectivos – restaurar a calma para os cidadãos israelitas durante um longo período”.

Domingo, o primeiro-ministro israelita congratulara-se pelo “apoio internacional muito forte” que a sua ofensiva estava a receber. Depois da carnificina de domingo, o tom internacional mudou um pouco. E é possível que Netanyahu esteja disposto a pôr fim às operações militares até sexta-feira, a última deste Ramadão (o mês sagrado do jejum para os muçulmanos praticantes), podendo declarar vitória e apresentar aos israelitas a destruição de dezenas de túneis e de rampas de lançamento de rockets.

Certo é que nos próximos dois dias vão existir conversas significativas entre o Cairo e Jerusalém. Depois de Ban passar pelo Qatar e de Abbas falar com Meshaal, o governo egípcio afirmou estar disposto a incluir algumas das condições do Hamas numa proposta que apresentou há uma semana e que avançava apenas com um cessar-fogo (e que anunciara, sábado, já não estar em cima da mesa).

Quase metade de Gaza é “zona a evitar”

Entretanto, morre-se. Esta segunda-feira, Israel atingiu pela terceira vez um hospital na Cidade de Gaza. Trata-se do Al-Aqsa, um hospital público que já existia quando o Hamas chegou ao poder em Gaza. Fica no bairro de Deir al-Balah, até agora considerado mais seguro do que outras zonas e, por isso mesmo, um lugar para onde muitos tinham fugido.

Pelo menos cinco pessoas morreram e 70 ficaram feridas neste ataque. A Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras estavam a tentar retirar do Al-Aqsa pacientes e feridos – nenhum hospital de Gaza tem neste momento condições para receber mais gente ou tratar pessoas com condições mínimas (para além da água e da electricidade, já falta um pouco de tudo). Mark Regev, porta-voz de Netanyahu ouvido pela Al-Jazira, afirmou não ter dúvidas que “o Hamas usa hospitais”, explicando não estar “ao corrente desta situação específica”.

Certo é que por mais que Israel insista que informa sempre as populações antes de cada ataque, os habitantes da pequena Faixa (1,8 milhões) sentem não ter para onde ir. A ONU diz que há mais de 100 mil deslocados e abriga 85 mil nas suas instalações, mas avisa que está a ficar sem stocks (comida, água, colchões, cobertores…), acrescentando que nem as morgues têm espaço. Quando alguém pergunta a um habitante sobre os avisos israelitas, ouve sempre como resposta a pergunta “Fugir para onde?”, escreve a correspondente da BBC, Lyse Doucet, no site da emissora. Segundo a ONU, 43% de Gaza está já “afectada pelos avisos de evacuação” ou foi declara “zona a evitar”.

Na foto: Médicos palestinianos acodem a um rapaz ferido num bombardeamento israelita - REUTERS/IBRAHEEM ABU MUSTAFA

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