Entre
os obstáculos, os mais comuns são os gradeamentos, os vasos de plantas de
grandes dimensões, blocos de cimento ou contentores do lixo
Um
pouco por toda a cidade de Lisboa estão a ser colocados obstáculos à entrada de
alguns edifícios, de forma a "impedir que os sem-abrigo pernoitem no
local", disse à Lusa o coordenador do projecto 'Um Sem-Abrigo Um Amigo'.
Pelas
ruas de Lisboa há mais de oito anos, Duarte Paiva, coordenador da Associação
Conversa Amiga, apoia e acompanha o percurso das pessoas sem-abrigo. De acordo
com o responsável, a colocação de obstáculos à entrada dos edifícios não é
nova, mas tem aumentado: "Estão a multiplicar-se cada vez mais pela
cidade".
Entre
os obstáculos, "os mais comuns são a colocação de gradeamentos, a
colocação de vasos de plantas de grandes dimensões, blocos de cimento,
contentores do lixo, tudo aquilo que possa impedir uma pessoa de pernoitar
lá", disse.
O
vereador dos Direitos Sociais da Câmara de Lisboa, João Afonso, reconheceu, em
declarações à Lusa, que o que tem sido feito pelos proprietários dos edifícios
"não é legítimo, porque estão a pôr objectos intrusivos, alguns deles até
podem ser perigosos ou podem estar em saídas de emergência, podem estar junto à
via pública e portanto uma pessoa pode cair para cima daquelas coisas e também
se magoar".
Para
o vereador, é necessário "informar os donos dos edifícios sobre o que
podem e não podem fazer, informar sobre as condições das pessoas sem-abrigo,
tentar sensibilizá-los para o problema e, obviamente, em primeiro lugar, tentar
resolver a situação das pessoas sem-abrigo".
Sobre
a aplicação de coimas aos proprietários dos edifícios, João Afonso referiu que
"é uma alteração à fachada, é uma alteração indevida da via pública",
pelo que "é natural que seja possível autuar".
O
principal objectivo da Câmara de Lisboa é "resolver o problema da pessoa
sem-abrigo e resolver o problema dos munícipes ou das empresas que atuam dessa
forma porque acham que é a solução que têm à mão, quando não é",
acrescentou o vereador.
No
seu entender, as razões que têm levado à colocação de barreiras nos edifícios
prendem-se com "o problema de higiene urbana e de sensação de
insegurança" por parte dos moradores e comerciantes.
"O
que nós tentamos fazer é que eles percebam que não é ao pôr obstáculos,
objectos contundentes ou o que quer que seja que se resolve a situação. Não se
podem enxotar as pessoas", disse João Afonso.
Habituado
a confrontar com a realidade das pessoas sem-abrigo, Duarte Paiva contou que
esta situação acontece "um pouco por toda a cidade", mas é na
freguesia de Arroios onde se identificam mais obstáculos.
A
dormir na escadaria da igreja de Arroios juntamente com cinco pessoas na mesma
condição, Elizabete Gomes, de 62 anos, contou que teve de sair do edifício onde
habitualmente pernoitava por terem sido colocadas grades.
"Há
pessoas que não são limpas, deixam tudo sujo e as pessoas reclamam e depois
põem estes obstáculos, põem grades", referiu.
Segundo
Duarte Paiva, o facto de os sem-abrigo estarem a ser impedidos de pernoitar em
alguns edifícios que outrora eram o local habitual dificulta o apoio das
associações, uma vez que "começa a ser difícil localizá-los".
O
responsável lamentou que ainda perdurem mitos e preconceitos em relação às
pessoas que estão nesta condição - que são alcoólicos, não querem trabalhar e
querem estar na rua: "Não é verdade. Sobretudo nestes dois últimos anos o
perfil da pessoa que está na condição de sem-abrigo mudou muito, pessoas muito
mais jovens, pessoas que perderam o seu emprego e que estão na rua".
A
Lusa questionou o gabinete do vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, sobre o
licenciamento deste tipo de alteração á fachada dos edifícios e sobre a
possibilidade de aplicação de coimas, mas ainda não obteve resposta.
Lusa,
em Público – foto Rui Gaudêncio
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