quarta-feira, 9 de julho de 2014

PRISÃO DE MUCHANGA CONTINUA A GERAR POLÉMICA EM MOÇAMBIQUE




Autoridades confirmam detenção de porta-voz da RENAMO mas negam que a mesma tenha ocorrido no recinto da Presidência da República e não se pronunciam publicamente sobre o conteúdo da acusação.

Em Moçambique, o Governo e a Polícia confirmaram a detenção, esta segunda feira (7.07) do membro do Conselho de Estado e porta-voz do líder do maior partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), António Muchanga. No entanto, 24 horas após a detenção, as autoridades ainda não fizeram qualquer pronunciamento público em relação ao conteúdo da indiciação que pesa sobre o detido.

Tanto o porta-voz do Governo, Alberto Nkutumula, como o Comando-Geral da Polícia afirmaram que a detenção teve lugar na avenida Julius Nyerere, próximo do Cinema Xenon. "Houve uma solicitação da Procuradoria Geral da República para que fosse retirada a imunidade de um membro do Conselho de Estado por forma a que, de acordo com a lei, fosse ouvido em perguntas" afirmou Alberto Nkutumula, acrescentando que o Conselho de Estado "deliberou que devia cooperar com a Justiça, daí ter retirado a imunidade". "O conteúdo da acusação", explica ainda o porta-voz do Governo, "não constava do documento".

Fontes da RENAMO, nomeadamente o membro do Conselho de Estado Manuel Lole e o chefe da delegação da RENAMO nas negociações com o Governo, Saimone Macuiane, tinham afirmado que a detenção ocorreu no recinto da Presidência da República, quando Muchanga saía de uma sessão do Conselho de Estado. Macuiane considera que esta detenção constitui um recuo após 63 rondas negociais visando encontrar uma solução para a crise político-militar no país.

"Se ele foi ao Conselho de Estado em representação do nosso partido, penso que merecia algum tratamento neste órgão, independentemente de qualquer outro assunto que pudesse vir a ser tratado", afirma o chefe da delegação da RENAMO.

Detenção peca por tardia, diz FRELIMO

De acordo com a agência Lusa, o porta-voz da RENAMO continuava detido na manhã desta terça-feira (8.07), numa esquadra da Polícia da República de Moçambique (PRM) na zona do porto de Maputo. A agência noticiosa revela ainda que a advogada do porta-voz do presidente da RENAMO afirmou que está a ser impedida de visitar o seu constituinte. "Dizem [agentes da esquadra] que têm ordens do chefe para não me deixarem entrar. Estamos a fazer uma carta de protesto à Procuradoria-Geral da República (PGR). Qualquer que seja o tipo de crime, ele tem direito a um advogado, que é um direito constitucional", afirmou em declarações aos jornalistas Alice Mabota, que é também presidente da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique.

24 horas após a detenção, as autoridades ainda não fizeram qualquer pronunciamento público em relação ao conteúdo da indiciação que pesa sobre António Muchanga. Especula-se que a mesma esteja relacionada com repetidos pronunciamentos feitos por Muchanga descritos como sendo de "incitamento à violência".

O jurista António Boene lembra que "os membros do Conselho de Estado, apesar de gozarem de imunidade, não gozam de impunidade, o que significa que qualquer um deles, aos olhos da lei, pode ser detido". O jurista sublinha ainda que "as ameaças proferidas por António Muchanga concretizaram-se", afirmando que "não se entendia por que razão alguém que fazia pronunciamentos incendiários continuasse ainda a fazê-lo".

Para o porta-voz da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Damião José, esta decisão, seguida da ordem de prisão, "abre caminho para que a administração de justiça desenvolva o seu trabalho sem limitações" e dá a "nobre oportunidade" a António Muchanga de se explicar pela "incitação à violência, morte de civis e destruição de bens privados". Esta terça-feira, em conferência de imprensa, o porta-voz do partido do Presidente Armando Guebuza congratulou-se com a "sábia, pertinente e oportuna" decisão de levantamento de imunidade do porta-voz da RENAMO, considerando que a sua detenção apenas peca por tardia.

"A sábia decisão do Conselho de Estado e pronta resposta da administração de justiça peca apenas por chegar tarde, porque há já bastante tempo que o povo perguntava se António Muchanga era intocável e estava acima da lei", declarou, em Maputo, Damião José.

Novo obstáculo nas negociações para o fim da crise

O analista político Calton Cadeado observa que a detenção de António Muchanga veio ofuscar aquela que era a principal expectativa do conteúdo da discussão que motivou a reunião do Conselho de Estado, nomeadamente o cessar das hostilidades e o impacto nas negociações. Calton Cadeado admite que este facto poderá traduzir-se na perda de confiança entre as partes, ainda que "a confiança já estivesse reduzida". "Isto pode criar a sensação de que qualquer reunião que for criada agora para colocar frente a frente o chefe de Estado e Afonso Dhlakama vai ser realizada na mesma medida", afirma o analista. "Quanto ao diálogo", continua Calton Cadeado, ainda haverá impasses "porque isto vai tocar no lado emocional da outra parte, que é a RENAMO".

António Muchanga é o segundo membro senior da RENAMO detido alegadamente por incitamento à violência, depois do chefe do Departamento de Informação do partido, Jerónimo Malagueta, em junho do ano passado, que viria a permanecer nas celas durante oito meses.

Deutsche Welle - Autoria Leonel Matias (Maputo) / Lusa - Edição Maria João Pinto / António Rocha

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