domingo, 17 de agosto de 2014

A “CORTINA DE FUMAÇA” DE OBAMA NO IRAQUE




Os Estados Unidos e o Reino Unido voltaram a atacar militarmente no Iraque mas entre os objetivos proclamados pelos seus dirigentes não está o de impedir a divisão do país, realçam fontes diplomáticas em Beirute e Bagdá

Charles Hussain, de Beirute*

Contatado telefonicamente a partir da capital libanesa, um deputado laico do Parlamento iraquiano declarou que as medidas adotadas nos últimos dias pela Administração norte-americana em relação ao Iraque “ilustram a deriva em que se encontram o presidente Obama e alguns dos seus aliados no Oriente Médio”.

A mesma fonte lamentou que “a inquietação de dirigentes ocidentais com o martírio da minoria religiosa yezidi nas mãos do Exército Islâmico não passe de um show pretensamente humanitário que chega com atraso e ignora localmente outros martírios, como os de cristãos iraquianos crucificados em massa, sem falar já na conivência de Washington com o massacre de seres humanos que prossegue em Gaza”.

“Os ataques americanos são localizados e, pela forma como decorrem, não causam qualquer perturbação à implantação do Exército Islâmico no centro-norte do Iraque e nordeste da Síria, apenas afetam conjunturalmente o seu poder em zonas em redor de Mossul”, revela o mesmo deputado. “Ou seja”, deduz, “não é a divisão do Iraque que preocupa o presidente Obama; o que o incomoda é um acontecimento que pode afetar a desejada participação curda na formação de um governo em Bagdá”.

A minoria religiosa yezidi rege-se por convicções ancestrais em que se conjugam princípios pré-cristãos de origem persa e de várias outras religiões monoteístas. A sua base étnica é curda e o fato de os massacres cometidos pelos fundamentalistas radicais do Estado Islâmico no seio dessa comunidade terem tido uma resposta no mundo anglo-saxônico que não existiu noutras situações idênticas deve-se à perturbação que causou nas relações entre os dirigentes curdos iraquianos e o Estado Islâmico, que têm sido de compreensão e partilha territorial entre ambas as partes.

“É a hipocrisia de costume”, afirma em Beirute um dignitário cristão maronita, o padre Salman Bustros. “As operações em defesa dos direitos humanos variam segundo as conveniências de momento dos senhores dos exércitos. Os irmãos yezidis merecem-me tanto respeito como os irmãos cristãos ou os de Gaza que sofrem martírios, por isso esta maneira de agir americana e inglesa é, no mínimo, repugnante”, acrescentou.

Entre diplomatas europeus em serviço em Beirute, designadamente franceses e alemães, as recentes medidas tomadas por Obama em relação ao Iraque, e que são “para se prolongar”, têm cada vez mais “o aspecto de uma desumana cortina de fumaça para desviar as atenções internas e aliadas do que está a passar-se em Gaza”, segundo um funcionário da Embaixada francesa. “Desde o início do avanço do Exército Islâmico no Iraque que Obama tem afirmado que todas as opções estão em aberto, não devendo ir além de ataques aéreos localizados”, lembrou. “Porque não os usou então para conter o avanço e os faz agora, transformando mais uma tragédia humanitária num simples pretexto que não invocou em situações anteriores idênticas? Recordo que quando os terroristas islâmicos começaram a avançar no Iraque praticaram fuzilamentos em massa de centenas de pessoas, enterradas logo em valas comuns, massacres, aliás, testemunhados em imagens que correram o mundo, perante a inércia de Washington”.

Um adido da Embaixada alemã, que solicitou o anonimato, sublinhou de modo muito crítico a declaração da senadora democrata e chefe da Comissão de Espionagem do Senado, Dianne Feinstein, segundo a qual os ataques contra o Estado Islâmico se fazem agora porque o “grupo representa uma ameaça na nossa retaguarda”. “Estes são os argumentos que deviam ficar guardados na cabeça de quem os pensou, porque desacreditam qualquer estratégia e as verdadeiras intenções de quem deveria levar a sério a função de defender vidas humanas”, lamentou o diplomata alemão. “Afinal”, acrescentou, “o Estado Islâmico é para os dirigentes dos Estados Unidos da América uma ameaça à sua retaguarda e, ao mesmo tempo, um aliado na Síria e, quem sabe, no desmantelamento do Iraque”.
 

Artigo em Vermelho

*Charles Hussain, de Beirute, para o Jornalistas sem Fronteiras www.jornalistassemfronteiras.com/noticias.php

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