Se
o Presidente da República acha que um cidadão estrangeiro possui “ligação
efectiva à comunidade nacional” – nem se sabe se alguém saberá o que isso quer
dizer – "dá a nacionalidade angolana a esse cidadão”!
Folha
8, 16 agosto 2014
Ao
analisar a proposta de lei de alteração à Lei da Nacionalidade, o Grupo
Parlamentar da UNITA exprimiu uma “profunda preocupação pelos graves desvios
que o documento comporta”. Desde logo o suposto direito, quase de contornos
divinos, de uma só pessoa – no caso o Presidente da República – ter autoridade
para dizer quem é, quem foi, quem pode voltar a ser considerado angolano.
Do
ponto de vista formal, à luz do Nº 1 do Artigo 167º da Constituição, “a iniciativa
legislativa pode ser exercida pelos deputados, pelos grupos parlamentares e
pelo Presidente da República”. Também é verdade que, à luz do Nº 4 do Artigo
167º da Constituição, a iniciativa legislativa exercida pelo Presidente da
República reveste a forma de “Proposta de lei”, competência que a
Constituição lhe confere ainda nos termos da alínea i) do artigo 120º da Carta
Magna.
Fica,
contudo, a dúvida se não se está a fazer alguma confusão grave ao estender as
prerrogativas do Titular do Poder Executivo para todas as latitudes.
A
aquisição, reaquisição e perda de nacionalidade é, dizem os deputados, “de uma
sensibilidade e importâncias tais que a questão não pode ser vista de ânimo
leve”.
De
facto e de jure, “trata-se de uma matéria que, nos termos da alínea a) do
Artigo 164º da CRA, é de reserva absoluta da Assembleia Nacional. E por algum
motivo é logo a primeira a ser elencada, não se estabelecendo, neste artigo e
nesta matéria, qualquer excepção”.
“Porque
razão alguém tem de pensar que o Presidente da República pode tudo?”, interroga
a UNITA.
“O
texto desta proposta de lei sugere que o Presidente da República tenha
latitude, tenha carta branca para, sozinho, decidir sobre quem pode ter,
reaver ou perder a nacionalidade angolana”, opinam os deputados.
E
exemplificam: “Um cidadão qualquer vive há 10 anos no país. O Presidente da
República, se o entender, dá-lhe a nacionalidade angolana! Se possui
conhecimento suficiente da língua portuguesa: o Chefe de Estado dá-lhe a
nacionalidade angolana, sem que ninguém saiba o que, de facto, quer dizer
“conhecimento suficiente da língua portuguesa”! E se fala Kikongo, Ibinda,
Umbundu, Tchokwe, Nganguela ou Kimbundu – com conhecimento insuficiente ou nenhum
da língua de Luís de Camões – talvez o Presidente da República o considere
menos merecedor da nacionalidade angolana!
Se
o Presidente da República acha que um cidadão estrangeiro possui “ligação
efectiva à comunidade nacional” – nem se sabe se alguém saberá o que isso
quer dizer – dá a nacionalidade angolana a esse cidadão”!
E
para completar a reza, lá vêm aqueles que prestaram “serviços relevantes” ao
País, e mesmo os que possam hipoteticamente vir a prestar esses “serviços” de
que ninguém conhece barómetro: o Presidente da República também quer o caminho
livre para decidir se dá a nacionalidade a esses senhores! E até “esquivando”
alguns desses requisitos, já em si muito embrulhados e confusos, o Presidente
da República quer prerrogativa para dar a nossa nacionalidade a quem queira!”
Esta
é a maior aberração e sentido de vassalagem de todo um partido e grupo
parlamentar, como o MPLA a um só homem a quem concentra o poder absoluto.
Alguém de bom senso, neste partido, não se repugna em saber que traficantes de
armas, como Pierre Falcone, Gaidamak, sem que nenhum processo tenha passado na
Assembleia Nacional, pelo simples poder discricionário do Presidente da
República exibam, passaportes angolanos?
Como
entender que um corrupto, como o presidente do grupo chinês de construção
Citic, nos mesmo moldes, José Eduardo dos Santos, lhe tenha, dado
nacionalidade e passaporte diplomático?
É
tudo isso que faz os deputados, questionarem, com legitimidade, estes equívocos
e crimes constitucionais, porquanto “os artigos 119º, 120º, 121º, 122º e 123º
da Constituição da República de Angola estabelecem 22 competências do Presidente
da República, enquanto Chefe de Estado; 12 competências enquanto Titular do
Poder Executivo; 5 competências no domínio das relações internacionais; 10
competências na qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas Angolanas;
e 5 competências, em matéria de segurança nacional”, assinalando que “é muita
competência para um só angolano e não se lhe devia acrescer a competência de
dar, voltar a dar ou retirar a nacionalidade angolana a quem queira, quando
queira e como queira; uma competência que não está entre nenhuma das 54
competências atrás referidas. A aquisição, a perda e a reaquisição da
nacionalidade é assunto da Assembleia Nacional e apenas dela”.
Neste
contexto, corrobora que a questão da nacionalidade “não é assunto do MPLA, da
UNITA, da CASA-CE, do PRS, da FNLA, do Bloco Democrático, do PDP-ANA. É um
assunto de Angola e da angolanidade que não deve ser tratado com ligeirezas e
com o qual ninguém devia sentir-se autorizado a brincar. E se o Presidente da
República é nosso, de todos nós, há algum mal em aconselhá-lo a pisar um
bocadinho no travão lá onde a velocidade e o extravasar de competências põem
claramente em risco a segurança nacional?”
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