domingo, 17 de agosto de 2014

Angola: SÓ O PRESIDENTE ESTÁ AUTORIZADO A DIZER QUEM É OU NÃO ANGOLANO




Se o Presidente da República acha que um cidadão estrangeiro possui “ligação efectiva à comunidade na­cional” – nem se sabe se alguém saberá o que isso quer dizer – "dá a nacionalidade angolana a esse cidadão”!

Folha 8, 16 agosto 2014

Ao analisar a proposta de lei de altera­ção à Lei da Nacionalida­de, o Grupo Parlamentar da UNITA exprimiu uma “profunda preocupação pe­los graves desvios que o do­cumento comporta”. Desde logo o suposto direito, qua­se de contornos divinos, de uma só pessoa – no caso o Presidente da República – ter autoridade para dizer quem é, quem foi, quem pode voltar a ser considera­do angolano.

Do ponto de vista formal, à luz do Nº 1 do Artigo 167º da Constituição, “a inicia­tiva legislativa pode ser exercida pelos deputados, pelos grupos parlamen­tares e pelo Presidente da República”. Também é verdade que, à luz do Nº 4 do Artigo 167º da Constituição, a iniciativa legislativa exercida pelo Presidente da República reveste a forma de “Pro­posta de lei”, competên­cia que a Constituição lhe confere ainda nos termos da alínea i) do artigo 120º da Carta Magna.

Fica, contudo, a dúvida se não se está a fazer alguma confusão grave ao esten­der as prerrogativas do Ti­tular do Poder Executivo para todas as latitudes.

A aquisição, reaquisição e perda de nacionalidade é, dizem os deputados, “de uma sensibilidade e im­portâncias tais que a ques­tão não pode ser vista de ânimo leve”.

De facto e de jure, “trata­-se de uma matéria que, nos termos da alínea a) do Artigo 164º da CRA, é de reserva absoluta da Assem­bleia Nacional. E por algum motivo é logo a primeira a ser elencada, não se esta­belecendo, neste artigo e nesta matéria, qualquer ex­cepção”.

“Porque razão alguém tem de pensar que o Presidente da República pode tudo?”, interroga a UNITA.

“O texto desta proposta de lei sugere que o Presidente da República tenha latitude, tenha carta branca para, so­zinho, decidir sobre quem pode ter, reaver ou perder a nacionalidade angolana”, opinam os deputados.

E exemplificam: “Um ci­dadão qualquer vive há 10 anos no país. O Presidente da República, se o entender, dá-lhe a nacionalidade ango­lana! Se possui conhecimen­to suficiente da língua por­tuguesa: o Chefe de Estado dá-lhe a nacionalidade ango­lana, sem que ninguém saiba o que, de facto, quer dizer “conhecimento suficiente da língua portuguesa”! E se fala Kikongo, Ibinda, Umbundu, Tchokwe, Nganguela ou Kimbundu – com conheci­mento insuficiente ou ne­nhum da língua de Luís de Camões – talvez o Presiden­te da República o considere menos merecedor da nacio­nalidade angolana!

Se o Presidente da Repú­blica acha que um cidadão estrangeiro possui “ligação efectiva à comunidade na­cional” – nem se sabe se al­guém saberá o que isso quer dizer – dá a nacionalidade angolana a esse cidadão”!

E para completar a reza, lá vêm aqueles que prestaram “serviços relevantes” ao País, e mesmo os que pos­sam hipoteticamente vir a prestar esses “serviços” de que ninguém conhece ba­rómetro: o Presidente da República também quer o caminho livre para deci­dir se dá a nacionalidade a esses senhores! E até “es­quivando” alguns desses requisitos, já em si muito embrulhados e confusos, o Presidente da República quer prerrogativa para dar a nossa nacionalidade a quem queira!”

Esta é a maior aberração e sentido de vassalagem de todo um partido e grupo parlamentar, como o MPLA a um só homem a quem concentra o poder absoluto. Alguém de bom senso, nes­te partido, não se repugna em saber que traficantes de armas, como Pierre Fal­cone, Gaidamak, sem que nenhum processo tenha passado na Assembleia Na­cional, pelo simples poder discricionário do Presiden­te da República exibam, passaportes angolanos?

Como entender que um corrupto, como o presi­dente do grupo chinês de construção Citic, nos mes­mo moldes, José Eduardo dos Santos, lhe tenha, dado nacionalidade e passaporte diplomático?

É tudo isso que faz os depu­tados, questionarem, com legitimidade, estes equívo­cos e crimes constitucio­nais, porquanto “os artigos 119º, 120º, 121º, 122º e 123º da Constituição da República de Angola estabelecem 22 competências do Presiden­te da República, enquanto Chefe de Estado; 12 com­petências enquanto Titular do Poder Executivo; 5 com­petências no domínio das relações internacionais; 10 competências na qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas An­golanas; e 5 competências, em matéria de segurança nacional”, assinalando que “é muita competência para um só angolano e não se lhe devia acrescer a competên­cia de dar, voltar a dar ou retirar a nacionalidade an­golana a quem queira, quan­do queira e como queira; uma competência que não está entre nenhuma das 54 competências atrás referi­das. A aquisição, a perda e a reaquisição da nacionalida­de é assunto da Assembleia Nacional e apenas dela”.

Neste contexto, corrobora que a questão da naciona­lidade “não é assunto do MPLA, da UNITA, da CA­SA-CE, do PRS, da FNLA, do Bloco Democrático, do PDP-ANA. É um assunto de Angola e da angolanidade que não deve ser tratado com ligeirezas e com o qual ninguém devia sentir-se autorizado a brincar. E se o Presidente da República é nosso, de todos nós, há al­gum mal em aconselhá-lo a pisar um bocadinho no tra­vão lá onde a velocidade e o extravasar de competên­cias põem claramente em risco a segurança nacional?”

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