Artur
Queiroz – Jornal de Angola
O
Presidente da África do Sul, PW Botha, convocou para o dia 28 de Agosto de 1988
uma reunião classificada como ultra secreta para tomar decisões de Estado sobre
a derrota das forças armadas de defesa e segurança no Triângulo do Tumpo.
Estavam
presentes os mais altos dirigentes sul-africanos e tomaram uma decisão
dolorosa: acabar com o regime de apartheid e acatar a Resolução 435 da ONU
sobre a Independência da Namíbia.
O documento secreto ao qual o Jornal de Angola teve acesso tem poucas palavras mas são significativas. A acta final é hoje, dia do aniversário do Presidente da República, revelada ao mundo com todos os detalhes.
Na reunião de alto nível estiveram presentes além do Presidente PW Botha, o ministro da Defesa, general Magnus Malan, o ministro das Relações Exteriores, Pik Rudolf Botha, o general Jannie Geldenhuys, o major general Neil Van Tonder e Kat Liebenberg. A agenda da reunião tinha quatro pontos: Fracasso na tomada do Cuito Cuanavale (número um), fracasso na tomada da aldeia do Tumpo (número dois), material de guerra capturado pelo inimigo (número três) e as baixas em combate (número quatro).
O Presidente da República, usando os seus poderes constitucionais decidiu “desmobilizar a 82ª Brigada e o 61º Batalhão Mecanizado, que foram formados para a Batalha do Tumpo”. Mas o momento mais importante estava para vir. A acta refere taxativamente: “O ministro da Defesa e o general Geldenhuys assumem aqui a total responsabilidade da derrota”. Está escrito!
A acta da reunião ultra secreta revela outro aspecto dramático para o regime de apartheid mas bom para a África Austral e o mundo civilizado: “Dadas as consequências da derrota no Cuito Cuanavale, o Governo da África do Sul foi obrigado a aceitar a Resolução 435 da ONU sobre a Independência da Namíbia”. PW Botha e os seus pares reconheceram naquele momento que a Batalha do Cuito Cuanavale os deixou de tal forma vulneráveis, que foram obrigados a abrir mão da sua colónia.
Contacto com Mandela
A acta da reunião datada de 28 de Agosto de 1988 revela um detalhe fundamental para compreender o alcance político da vitória das FAPLA na Batalha do Cuito Cuanavale. O Presidente PW Botha, mais uma vez invocando os seus poderes constitucionais “delegou no Dr. Neil Barnard, Chefe da Inteligência Nacional, para preparar negociações com Nelson Mandela e providenciar a sua libertação”.
Os grandes chefes do regime de apartheid perceberam que a derrota no Triângulo do Tumpo era o fim do regime e tinham que agir rapidamente para não perderem tudo. Por isso correram a abrir as portas da cadeia onde se encontrava Nelson Mandela. Em Angola estavam combatentes do ANC, prontos para “explorar o sucesso” da derrota das forças de defesa e segurança da África do Sul na Batalha do Cuito Cuanavale.
A acta secreta entra, a seguir a este ponto, nas justificações para a derrota no Triângulo do Tumpo. Primeira justificação descrita no documento: “todos os ataques para desalojar as FAPLA do seu último reduto, fracassaram”.
Reconhecimento da derrota
Mais uma justificação: “todos os ataques a Este do rio Cuito (Tumpo) também falharam. A partir daí, o Alto Comando das SADF convenceu-se de que só era possível destruir o inimigo introduzindo forças massivas o que ia implicar pesadas perdas de vidas sul-africanas. Politicamente isso era inaceitável”.
PW Botha e os seus generais foram forçados a reconhecer a derrota. Abílio Numa, Paulo Lukamba e Demóstenes Chilingutila dizem que a Batalha do Cuito Cuanavale “está mal contada”. Que apresentem uma versão diferente desta que está escrita na acta secreta da reunião de 28 de Agosto de 1988, no gabinete do Presidente PW Botha.
Os assuntos tratados na reunião eram de tal forma melindrosos que PW Botha obrigou todos os presentes a assinar a acta. O documento foi de facto assinado em primeiro lugar pelo Presidente PW Botha, a seguir assinaram Magnus Malan, Pik Rudolf Botha, Jannie Geldenhuys, Neil Van Tonder e Kat Liebenberg.
Nada nem ninguém pode contar a Batalha do Cuito Cuanavale, melhor do que uma acta oficial, secreta, à qual o Jornal de Angola teve acesso, com o respectivo anexo. Para se sentirem moralizados, os grandes chefes do apartheid dão a eles próprios um motivo de ânimo: “As três derrotas no Tumpo foram as únicas que a África do Sul sofreu na guerra em Angola”. Esqueceram o fracasso da “Operação Protéa”, lançada há 33 anos, e que “bateu contra a parede” na Cahama.
O final da acta tem uma dimensão grotesca e mostra a situação do Presidente PW Botha: “Eu fui mal informado sobre a situação no Tumpo e por isso obrigo todos os presentes a assinarem a acta desta reunião”. Data:28/8/88. Dia do aniversário do Presidente José Eduardo dos Santos. Uma boa prenda para o Comandante em Chefe das forças vitoriosas.
Directiva Política
Além da acta, a reunião de 28 de Agosto de 1988 produziu uma directiva política que só por si confirma a estrondosa derrota das forças do “apartheid” no Triângulo do Tumpo. A reportagem do Jornal de Angola teve acesso ao documento que significa a liquidação do apartheid.
“Directiva Política Urgente para o Gabinete do Presidente. Directiva Política das SADF” É assim que se intitula o documento ao qual tivemos acesso e serve de base a esta reportagem. Contém várias decisões. Primeiro ponto. “O Tribunal Militar deliberou em relação às responsabilidades assumidas antes, durante e depois das operações militares ‘Hooper’ e ‘Packer’ na Região do Tumpo, expulsar a partir da data efectiva de 28 de Agosto de 1988, os oficiais Mike Muller, Gerhard Louw e Cassie Schoeman”. Recordo que Mike Muller foi o comandante sul-africano que afirmou: “se tomo o Tumpo vou direito ao Cuito Cuanavale”. Foi derrotado.
Segundo ponto. “Os seguintes oficiais foram despromovidos na Parada Militar e transferidos para o Quartel-General de Pretória: Jan Malan e Koos Lienbenberg.
Terceiro ponto. “Origem e data. Tribunal Militar MC/302/5B. Data 28/8/88”. Desta directiva política foram enviadas cópias para a Autoridade Controladora do Tribunal Militar Principal, Chefe do Exército, Chefe do Estado-Maior das Operações, Chefe da Força Aérea, General Cirurgião, Chefe do Estado Maior da Inteligência, General Capelão e Chefe do Estado Maior das Divisões. O documento é assinado por Magnus Malan. No dia 28/8/88, após a reunião ultra secreta onde foi reconhecida a derrota em Angola, os chefes do apartheid arranjaram logo bodes expiatórios para o fracasso no Triângulo do Tumpo.
Os mísseis de Reagan
Os sul-africanos tomavam grandes decisões sobre Angola no dia do aniversário do Presidente José Eduardo dos Santos. Um ano antes da reunião ultra secreta a cuja acta tivemos acesso, no dia 28 de Agosto de 1987, o poderoso general Jannie Geldenhuys chamou Savimbi à sua presença e disse-lhe que precisava dos mísseis Stinger que o Presidente Reagan lhe tinha dado.
Este episódio vem descrito com muitos pormenores no livro “Guerra em Angola” de autoria do analista militar sul-africano Helmoed Roemer Heitman. Ele revela que o general Geldenhuys chamou Savimbi “para actualizá-lo” e de seguida disse-lhe que precisava dos seus mísseis Stinger para proteger os canhões G5 na guerra de Angola.
O Presidente Reagan sabia que ao dar os mísseis a Savimbi estava a colocá-los nas mãos dos sul-africanos, mas assim não podia ser acusado de violar as sanções impostas pela comunidade internacional ao regime de apartheid. Claro que Savimbi obedeceu de imediato às ordens do seu general. Na página 43 do livro, está descrito o encontro entre ambos.
Foto
Paulino Damião
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