Afropress
- editorial
A
polêmica em torno da posição editorial da Folha contrária às cotas
raciais, anunciada por uma modelo negra, surge tão fora de hora quanto de
propósito. Fora de hora, porque essa é uma questão vencida desde que a Lei
12.711/2010, aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidente da República,
instituiu as cotas sóciorraciais em todas as escolas federais de ensino médio e
superior.
Passa
de 160 o número de instituições que já adotam cotas para negros, política que
tem se demonstrado eficaz (não a única) como modelo de inclusão dos que,
historicamente, sempre ficaram de fora. Aliás, as instituições brasileiras,
mesmo sob a República, não foram pensadas para incluir negros e pobres. Ao
contrário, como todos sabemos.
Para
que não houvesse dúvidas quanto a constitucionalidade desse tipo de política, o
Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão histórica nos dias 25 e 26 de abril
de 2012 bateu de vez o martelo e, pela unanimidade dos seus ministros (só José
Dias Toffoli deixou de votar porque já havia se manifestado favoravelmente como
Advogado Geral da União), declarou constitucional o Programa de Cotas adotado
pela Universidade de Brasília (UnB), questionado pelo Partido Democratas (DEM)
por intermédio de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental - a ADPF
186.
A
UnB que, aliás, esse ano, por iniciativa do Conselho de Pesquisa, Ensino e
Extensão (CEPE) não apenas manteve a política de cotas, como a ampliou,
garantindo aos negros, cotas de acesso, independente se oriundos de escolas
públicas e ou particulares e do nível de renda per cápita.
Mais
do que o resultado, os votos dos ministros – inclusive os de posição mais
conservadora – foram definitivos: cotas e ações afirmativas são constitucionais
porque todos os que tem origem negra (e ou indígena) no Brasil carregam uma
desvantagem histórica por por conta dos quase quatrocentos anos de escravidão.
Fundamentalismo
tosco
A
polêmica é também fora de propósito, porque o fato de um grande jornal se
posicionar contra as cotas, nada significa a não ser o direito que tem aquele
veículo de ter posição a respeito de qualquer tema de interesse da sociedade
brasileira. A Folha é contra as cotas raciais, como é a favor do
casamento gay, entre outros temas polêmicos.
Daí
a considerar que a Folha - como qualquer outro grande veículo de
comunicação - não tenha o direito de expressar seus pontos de vista, ou ainda –
e pior – declarar que ser contra as cotas é ser racista – é uma bobagem
monumental que depõe contra quem assume esse tipo de posição.
Ou
parte da ignorância pura e simples – o que já é grave; ou da tendência que tem
uma certa militância de responder aos desafios da luta pela igualdade com a
repetição de clichês ou palavras de ordem desprovidas de sentido e significado
- o que é mais grave ainda, porque revela despreparo.
Dizer
que alguém por ser contra as cotas é racista, é pura expressão da mesma
intolerância de que historicamente somos vítimas. Mais: beira a fundamentalismo
evangélico de algumas seitas neopentescostais para quem todo aquele que não
comunga com suas crenças e ritos está condenado ao fogo do inferno. Lógica de
torcida organizada: se não é do meu time é meu inimigo.
À
propósito: a patologia social que divide as pessoas em hierarquias de acordo
com sua cor, tipo de cabelo, cultura ou origem, a que se dá o nome de racismo,
é coisa séria, crime inafiançável e imprescritível de acordo com a nossa
Constituição. Não convém banalizar.
Aos
porta-vozes da polêmica – fora de hora e de propósito – nunca é demais lembrar
que o passo seguinte à banalização é a naturalização - do racismo e de outras
aberrações e crimes em prejuízo da vítima. Nesse caso, de todos nós que lutamos
por um Brasil sem racismo, sem a obscena exploração de classe, fraterno e
solidário.
Qualquer
veículo, em qualquer país que se pretenda democrático, tem o direito de ter
posição sobre esse como qualquer outro tema, sem que isso implique o carimbo de
“racista”.
Nós,
da Afropress, também temos posição e, neste caso, é direta, tanto quanto a
da Folha,ainda que em sentido oposto ao assumido por aquele veículo:
a luta contra o racismo é bem mais séria, bem mais necessária e bem mais
urgente e não se faz com a ressurreição de polêmicas vencidas, nem com clichês
vazios, nem muito menos com o viés autoritário e intelectualmente indigente dos
que vêem racismo em tudo e gastam tempo e energia buscando racistas debaixo das
próprias camas.
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