Mariana
Mortágua – Expresso, opinião
Em
2007 o Millenium BCP era condecorado como "World's Best Developed Market
Bank" e "Best Foreign Exchange Bank" em Portugal pela Global
Finance, e ainda como o "Best Private Bank" em Portugal, pela
Euromoney. Em 2008 Jardim Golçalves era julgado em praça pública e, felizmente,
na justiça, por vários crimes económicos. Créditos não cobrados a clientes e
accionistas, sociedades offshore que serviam para comprar acções próprias, you
name it.
Jorge
Jardim Gonçalves era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para
que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
Em
2008 explodia o caso BPN, banco da confiança de altos quadros do PSD, entre
eles Cavaco Silva. Créditos de favor, empresas e garantias fictícias,
contabilidade paralela e até um banco criado à medida dos negócios de Oliveira
e Costa. Grande parte do sistema funcionava, como é lógico, através de veículos
offshore, entre eles a sociedade Doyle Managment, detida no BCP Cayman.
José
Oliveira e Costa era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para
que o sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
Meses
depois, descobrimos o BPP. O banco de Rendeiro dedicava-se a gerir fortunas, e
a fazer uso de sociedades offshore para alisar resultados, retirar do balanço
riscos de clientes e para pagar exorbitâncias (não declaradas) aos seus
administradores, nomeadamente através de uma conta detida no BPP Cayman.
João
Rendeiro era, à data, o último banqueiro que era preciso julgar para que o
sistema financeiro pudesse, finalmente, voltar ao normal.
Em
maio deste ano Joaquim Goes recebia o prémio carreira atribuido pela
Universidade Católica pelo reconhecimento da "sua excecional carreira
profissional na área de gestão". No discurso, o premiado recordou João
Paulo II, apelou à "solidadariedade desinteressada" do Papa
Francisco, e agradeceu aos seus antigos chefes e mentores, Ricardo Salgado e
Goes Ferreira. Mais ou menos pela mesma altura, o BES realiza uma operação de
aumento de capital, subscrita a 178%, descrita pela comunicação social como um
sucesso.
Há
dias, Joaquim Goes foi suspenso do cargo de administrador do BES pelo Banco de
Portugal. No mesmo processo, é detido o homem que três meses antes tinha
homenageado, Ricardo Salgado, acusado de burla e branqueamento de capitais.
Entre outras coisas, o banco terá sido usado para financiar negócios da família
Espírito Santo, em parte através de sociedades offshore. Destacam-se ainda os
créditos desaparecidos do BES Angola, banco destinguido no ano passado com o
"Best Bank Award", da Global Finance, o prémio para melhor banco em
Angola.
A
administração Salgado, ontem destacada pela academia, respeitada pela
comunicação social e sempre muito bem relacionada com o Estado, tornou-se no
último bode expiatório. Onde esteve então a troika, que nos últimos três anos
se ingeriu em todas as decisões democráticas do país, comentou e criticou cada
direito laboral, cada nível salarial, sem nunca ter reparado nas imparidades
que se avolumavam no GES/BES? E onde estão agora os editorialistas e colunistas
que viam em Salgado não só o óraculo da economia portuguesa, mas o herói
capitalista que recusou ajuda pública?
Ricardo
Salgado é, hoje, o último banqueiro que é preciso julgar para que o sistema
bancário possa, finalmente, voltar ao normal.
Jorge,
José, João e Ricardo. Todos foram os últimos a cair para que tudo pudesse ficar
na mesma.
No
último caso, como no primeiro, o Banco de Portugal foi incapaz de identificar
os anos e anos de contabilidade criativa, a acumulação de fraudes e de operações
de branquamento de capitais. Mas poderia ser de outra forma? Afinal, grande
parte dos esquemas passavam por offshores, lugares construidos, precisamente,
para escapar aos olhares reguladores e tributários. Em qualquer uma destas
crises bancárias as práticas de investimento e especulação inundaram a
atividade comercial, pondo em em causa a estabilidade e segurança dos
depositantes e, de uma forma ou de outra, todas conduziram a intervenção do
Estado e à injeção de dinheiros públicos.
A
sociedade deve julgar e punir cada um dos últimos maus banqueiros, mas nunca
deixará de os produzir se insistir em acreditar que serão sempre os últimos.
Na
academia, a teoria económica ortodoxa continua a não querer assumir que não tem
poder de previsão. Está de tal forma marcada pela longínqua ideia da perfeição
dos mercados, que só agora os mais sofisticados modelos utilizados pelos
bancos centrais (entre eles o BCE) começam a tentar incorporar a
possibilidade de falência de um agente financeiro. Até agora, a grande maioria
dos modelos acreditava, simplesmente, que os bancos não iam à falência.
Fora
da academia, desde o início da crise financeira que governos, Comissão e Conselho
Europeus, parlamentos, e bancos centrais foram céleres a aprovar novas regras
orçamentais, novos mecanismos de austeridade e, até, novas formas de regulação.
As medidas que realmente importam - o fim dos offshores e paraísos fiscais, a
separação entre a banca de investimento e a banca comercial ou a erradicação de
produtos altamente especulativos - ficaram na gaveta. Porquê? Não é possível que
acreditem que Ricardo Salgado seja o último banqueiro.
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