José
Manuel Pureza – Diário de Notícias, opinião
Ao
empobrecimento, à desigualdade e ao desalento junta-se o envelhecimento como
traço do País que somos neste momento. O envelhecimento acentuado da população
portuguesa é o resultado da confluência de duas transformações de grande
alcance registadas nos tempos mais recentes. A primeira foi a passagem de um
crescimento natural positivo - mais nascimentos que óbitos - para um
crescimento natural negativo. O decréscimo significativo do número de
nascimentos (pouco acima dos oitenta mil em 2013) levou a uma diferença da
ordem dos quase dezoito mil óbitos a mais do que os nascimentos verificados. A
segunda grande transformação foi a passagem de um saldo migratório positivo
para um saldo migratório negativo, em virtude quer do regresso em larga escala
de imigrantes aos seus países de origem ou à sua deslocação para países
terceiros quer à vaga de emigração, sobretudo de jovens, em níveis semelhantes
aos dos anos sessenta. O resultado é o da transformação de Portugal de um dos
países mais jovens da Europa em 1970 num dos países mais envelhecidos do mundo
no presente. E esta mudança suscita perguntas decisivas: como se vai sustentar
o sistema de pensões e reformas? Com quem contamos para a retoma de uma
produção que nos faça sair da crise económica? Quem cuidará dos velhos que
somos cada vez mais?
Há
na abordagem deste problema dois riscos. O primeiro é o de ele servir para
abrir a porta ao conservadorismo contra os direitos das mulheres. O discurso,
que a este propósito, assume como alvos o planeamento familiar ou a interrupção
voluntária da gravidez em vez de colocar no centro a diferença entre o número
de filhos desejados e o número de filhos de facto permitidos pelas condições de
trabalho, pelos níveis salariais ou pelo patamar de expectativas de futuro não
só não resolve nenhum problema como se vinga de conquistas sociais e culturais
que nunca aceitou. Ou seja, acrescenta indignidade à inépcia para responder ao
desafio demográfico.
O
segundo risco é o de fazer das políticas de natalidade um adorno gentil para um
fundo de agressão social que se mantém incólume. Bem pode o Governo criar umas
exceçõezinhas no IRS e uns beneficiozinhos fiscais em IRC, bem pode o Governo
organizar mais uns estagiozinhos para licenciados, bem pode o Governo alargar a
licença de parentalidade e bem pode o Governo dizer ao povo que é tudo para
aumentar a patriótica tarefa de procriar. O risco é que as medidas pontuais
convivam com uma política de fundo que é a maior inimiga da família. E o
problema é que o povo sabe e não esquece que o mesmo Governo faz da destruição
de emprego e da precariedade as ferramentas para embaratecer o trabalho e o
tornar um luxo para poucos, para mais mal pagos e com poucos direitos. O povo
sabe e não esquece que o mesmo Governo nos olha como vivendo acima das nossas
possibilidades, nas nossas zonas de conforto e à pala disso encurta os serviços
à qualidade e à estabilidade das nossas vidas. O povo sabe e não esquece que o
Governo e as suas políticas são os mais eficazes dos contracetivos.
Quer
o Governo fomentar a natalidade em Portugal? Pois bem, assuma a estabilidade
dos vínculos laborais como imprescindível, imponha os direitos de todos à
saúde, à educação e ao trabalho, proteja o País contra os credores permitindo
que a economia cresça, faça do futuro com todos e não do presente para alguns o
seu foco. Algo que um Governo obediente aos cânones financeiros da união
europeia jamais poderá fazer. E isso diz-nos muito das condições políticas de
partida para que uma política de apoio à natalidade possa ser real em Portugal.
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