Robert
Fisk, Beirute – Opera Mundi
Visão
do mundo: Israel rouba terra, os palestinos perdem terra; é assim que funciona.
É assim desde 1948, e é assim que continuará a ser.
E
foi assim que mais uma fatia da terra palestina foi pelo cano abaixo. Mais uns 400 hectares de terra
palestina foram roubados pelo governo de Israel – porque...
"apropriação" é roubo, não? – e o mundo já deu as desculpas de
sempre. Os norte-americanos consideraram o roubo "contraproducente"
para a paz, o que provavelmente menos vigoroso do que a sua reação caso o
México roubasse 400
hectares de terra do Texas e resolvesse construir ali
casas para os seus emigrantes ilegais nos EUA. Mas, não. Foi na
"Palestina" (as aspas são mais necessárias do que nunca) e Israel
conseguiu continuar a roubar, embora não nesta escala – este foi o maior roubo
de terra em 30 anos, desde que foi assinado o Acordo de Oslo em 1993.
O
aperto de mão entre Rabin-Arafat, as promessas e transferências de territórios
e retiradas militares, e a determinação de deixar tudo o que é importante
(Jerusalém, refugiados, o direito de retorno) para o fim, até que todos
confiassem tanto uns nos outros que a coisa seria facílima - não surpreende que
o mundo tenha feito descer sobre os dois a sua generosidade financeira.
Mas
o recente roubo de terras não apenas reduz a "Palestina", também
mantém o círculo de concreto armado no entorno de Jerusalém para manter os
palestinos bem distantes, tanto da capital, que é suposto partilharem com
israelitas, como de Belém.
Foi
instrutivo saber que o conselho israelita judeu Etzion, que administra os
colonatos ilegais na Cisjordânia, considerou que este roubo é um castigo pelo
assassinato de três adolescentes israelenses em junho. "O objetivo dos
assassinatos dos três jovens foi semear o medo entre nós, interromper a nossa
vida quotidiana e questionar o nosso direito [sic] à terra", anunciou o
conselho Etzion. "A nossa resposta é reforçar a colónia". Deve ser a
primeira vez que a terra na “Palestina” é confiscada sem serem convocados
argumentos relativos à segurança nacional ou a autoridade pessoal de Deus, mas
sim vingança.
Assim
se cria um precedente interessante. Se a vida de um israelita inocente –
cruelmente ceifada – vale cerca de 130 hectares de terra, a vida de um palestiniano
inocente – também cruelmente ceifada – vale a mesma porção de terra. E se
metade, que seja, dos 2.200 palestinos mortos em Gaza no mês passado – e esse é
um número conservador – fossem inocentes, nesse caso os palestinos teriam
agora, presumivelmente, direito a 132.000 hectares
de terras israelitas; na realidade, muito mais. E por mais
"contraproducente" que isto seja, com certeza os EUA não aprovariam.
Israel rouba terra, os palestinos perdem terra; é assim que funciona. É assim
desde 1948, e é assim que continuará a ser.
Nunca
haverá uma "Palestina", e o mais recente roubo de terra é apenas mais
um ponto acrescentado no livro das consternações que os palestinos têm de ler,
enquanto os seus sonhos de terem um Estado se vão diluindo. Nabil Abu Rudeineh,
porta-voz do "presidente" palestiniano Mahmoud Abbas, afirmou que o
seu líder e as forças moderadas na Palestina tinham sido "apunhalados
pelas costas" pela decisão dos israelitas, o que é dizer pouco. Abbas tem
as costas completamente apunhaladas, de cima a baixo. E o que esperava ele
quando escreveu um livro sobre as relações entre palestinos e israelitas em que
não escreveu nem uma única vez, uma que fosse, a palavra "ocupação"?
O que significa que voltamos ao velho jogo. Abbas não pode negociar com ninguém
a menos que fale pelo Hamas ou pela Autoridade Palestina. Como Israel sabe.
Como os EUA sabem. Como a União Europeia sabe. Mas cada vez que Abbas tenta
construir um governo de unidade nacional, todos nós gritamos que o Hamas é uma
organização "terrorista". E Israel argumenta que não pode conversar
com uma organização "terrorista" que exige a destruição de Israel –
ainda que Israel costumasse conversar muito com Arafat e, naqueles dias, tenha
ajudado o Hamas a construir mais mesquitas em Gaza e na Cisjordânia, para
servirem como contrapeso ao Fatah e a todos os outros então
"terroristas" lá de Beirute.
Claro,
se Abbas fala só por si, então Israel diz o que já disse: que se o Abbas não
fala por Gaza, Israel não tem com quem negociar. Mas isso realmente ainda
interessa? Devia existir uma manchete especial em todos os artigos deste
género: "Adeus, Palestina".
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