domingo, 7 de setembro de 2014

DESBRAVANDO A LÓGICA COM SENTIDO DE VIDA! – VI



Martinho Júnior. Luanda (Continuação – ver anteriores)

15 – As expectativas de paz e democracia multipartidária em 1991 eram grandes, quer a nível nacional, quer a nível internacional, pois ultrapassado o “apartheid” era de admitir que os angolanos pudessem chegar a consensos e, a partir daí, inaugurar uma era de paz e de progresso, em função dos imensos resgates que se impunham, em termos de luta contra o subdesenvolvimento, em consonância aliás com o Programa Maior do MPLA.

Essa expectativa saiu no entanto gorada, apesar dos esforços do MPLA, do estado angolano e de muitas entidades a nível internacional, que muito sacrificaram para se alcançar a paz.

A 31 de Maio de 1991 assinou-se o acordo de Bicesse, na presença de representantes político-diplomáticos de Portugal, dos Estados Unidos, da ONU e da ainda União Soviética (já em fase de“implosão”), depois de se garantir, a 11 de Maio de 1991, o multipartidarismo, mas com as eleições de 1992 em que o MPLA saiu vencedor, Savimbi decide-se uma vez mais pela “somalização de Angola” (sic)!
  
16 – Um dos sacrifícios consentidos pelo estado angolano foi o fim das FAPLA: o MPLA, apesar da história militar vitoriosa nas frentes de combate, abdicava das suas forças armadas, dando oportunidade à criação das Forças Armadas Angolanas, de forma a integrar os combatentes das FALA (UNITA).

A 24 de Setembro de 1991 e em função dos Acordos de Bicesse de 31 de Maio de 1991, foram estabelecidas as bases gerais das Forças Armadas Angolanas em documentos assinados por intervenientes como o Tenente General França Ndalu, o Coronel Higino Carneiro, o General Demóstenes Cjilingutila e o Engenheiro Salupeto Pena.

A Comissão Conjunta Para a Formação das Forças Armadas Angolanas propôs o novo figurino com base nas Directivas nºs 1 e 2, respectivamente sobre as “Bases Gerais para a Formação das FAA” e “Critérios Gerais da Selecção dos Militares para as FAA”.

O que diziam os Acordos no que diz respeito a “Efectivos”?

Eis aqui o excerto das principais orientações:

“– As partes concordam que os efectivos das Forças Armadas Angolanas até às eleições deverão ser os seguintes:

Exército – 40.000.

Força Aérea – 6.000.

Marinha – 4.000.

– Os efectivos do Exército distribuir-se-ão de acordo com o seguinte esquema:

15.000 praças operacionais dos quais 7.200 pertencerão às Regiões Militares, 4.800 às Unidades de Reserva Geral do Exército e 3.000 às Forças Especiais.

15.000 praças para apoio de serviços e administração.

6.000 sargentos.

4.000 oficiais.

– Cada uma das partes fornecerá ao Exército um total de 20.000 homens assim distribuídos:

15.000 praças (dos quais 7.500 operacionais).

3.000 sargentos.

2.000 oficiais”.

As implicações do fim das FAPLA e a iniciativa da criação das FAA sem ter em conta sequer as proporções das forças, num ambiente internacional em que deixaram de existir os países de orientação socialista enquanto um capitalismo selvagem “se abria” ao domínio pela via dos anglosaxónicos, de seus aliados declarados e não declarados e de seus vínculos (inclusive aqueles que assumiram os vínculos regionais e locais), proporcionaria em Angola a aplicação da “doutrina de choque”, dando-se início à “guerra dos diamantes de sangue” integrada na “Iª Guerra Mundial Africana”, à gestação das “novas elites político-militares angolanas” aproveitando as profundas alterações do carácter do estado, da economia e da sociedade e a coisas nunca vistas em termos de exercício do poder, entre elas a utilização de mercenários.

As SADF do regime do “apartheid” haviam deixado como herança um plano, antes de se retirarem da Namíbia: Savimbi, nas bases secretas de “Palanca”, “Girafa”, “Tigre” e “Licua”, conseguira esconder 20.000 homens de tal forma que nem as denúncias de N’Zau Puna e Tony da Costa Fernandes levaram a que a ONU conseguisse descobrir a sua localização…

Foi com esses recursos que, quando em Outubro de 1992 se decide uma vez mais pela guerra, Savimbi rapidamente, perante a resposta fragilizada do estado angolano, conquista mais de 70% do território nacional e desencadeia a saga dos “diamantes de sangue”.

17 – A legítima aspiração e vocação para a paz em Angola, subvertida também por pressões político-diplomáticas concertadas pelas potências espelhadas na ingenuidade dos próprios observadores, ao mesmo tempo que não se garantiam de forma inequívoca as condições objectivas e subjectivas de sua efectivação, iriam custar muito caro a Angola quando se tinha como interlocutor uma entidade como Savimbi, instrumentalizada por poderosos “lobbies” ao nível do próprio cartel de diamantes, ainda que o “apartheid” tivesse deixado de existir.

Por isso se em relação às sus forças amadas a coisas se passaram assim, já antes, em relação aos seus próprios serviços de inteligência, a “onda neo liberal” que começava a impactar Angola, havia produzido também os seus efeitos: com o processo 76/86 e ao julgar os seus próprios oficiais da Segurança do Estado que haviam levado a cabo a missão de combater o tráfico ilícito e ilegal de diamantes, o estado angolano havia alterado profundamente a sua geo estratégia em relação ao sector dos minerais, abrindo espaços nas suas condutas preventivas e defensivas, espaços esses que viriam a ser em 1991 e 1992 aproveitados por Savimbi para dar início à “guerra dos diamantes de sangue”.

Tirando proveito do efeito surpresa que consistiu na manutenção de 20.000 efectivos não contabilizados, nem referenciados, escondidos nas quatro bases secretas instaladas com as SAF no Cuando Cubango, ao conquistar rapidamente mais de 70% do território, Savimbi ocupou os extensos e ricos vales do Cuango e do Cuanza, onde instalou as explorações de diamantes que lhe iriam fornecer os recursos financeiros para alimentar o esforço militar que segundo ele, o levaria à tomada de poder.

As sequelas coloniais e do “apartheid”, impediram a paz em 1992 e os sacrifícios impostos a Angola iriam durar mais dez anos, retardando as possibilidades de paz e, com esse retardamento, o esforço no sentido da Reconciliação, da Reconstrução Nacional e da Reinserção Social, inscritos na fase inicial da longa luta contra o subdesenvolvimento, tal como se fazia sentir no Programa Maior do MPA!

A lógica com sentido de vida sofria em Angola mis um amplo revés!

Foto: Assinatura do Acordo de Bicesse, a 31 de Maio de 1991 

(Continua)

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