Martinho
Júnior. Luanda (Continuação – ver anteriores)
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– As expectativas de paz e democracia multipartidária em 1991 eram grandes,
quer a nível nacional, quer a nível internacional, pois ultrapassado o “apartheid” era
de admitir que os angolanos pudessem chegar a consensos e, a partir daí,
inaugurar uma era de paz e de progresso, em função dos imensos resgates que se
impunham, em termos de luta contra o subdesenvolvimento, em consonância aliás
com o Programa Maior do MPLA.
Essa
expectativa saiu no entanto gorada, apesar dos esforços do MPLA, do estado
angolano e de muitas entidades a nível internacional, que muito sacrificaram
para se alcançar a paz.
A
31 de Maio de 1991 assinou-se o acordo de Bicesse, na presença de
representantes político-diplomáticos de Portugal, dos Estados Unidos, da ONU e
da ainda União Soviética (já em fase de“implosão”), depois de se garantir, a 11
de Maio de 1991, o multipartidarismo, mas com as eleições de 1992 em que o MPLA
saiu vencedor, Savimbi decide-se uma vez mais pela “somalização de
Angola” (sic)!
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– Um dos sacrifícios consentidos pelo estado angolano foi o fim das FAPLA: o
MPLA, apesar da história militar vitoriosa nas frentes de combate, abdicava das
suas forças armadas, dando oportunidade à criação das Forças Armadas Angolanas,
de forma a integrar os combatentes das FALA (UNITA).
A
24 de Setembro de 1991 e em função dos Acordos de Bicesse de 31 de Maio de
1991, foram estabelecidas as bases gerais das Forças Armadas Angolanas em
documentos assinados por intervenientes como o Tenente General França Ndalu, o
Coronel Higino Carneiro, o General Demóstenes Cjilingutila e o Engenheiro
Salupeto Pena.
A
Comissão Conjunta Para a Formação das Forças Armadas Angolanas propôs o novo
figurino com base nas Directivas nºs 1 e 2, respectivamente sobre
as “Bases Gerais para a Formação das FAA” e “Critérios Gerais da
Selecção dos Militares para as FAA”.
O
que diziam os Acordos no que diz respeito a “Efectivos”?
Eis
aqui o excerto das principais orientações:
“–
As partes concordam que os efectivos das Forças Armadas Angolanas até às
eleições deverão ser os seguintes:
Exército
– 40.000.
Força
Aérea – 6.000.
Marinha
– 4.000.
–
Os efectivos do Exército distribuir-se-ão de acordo com o seguinte esquema:
15.000
praças operacionais dos quais 7.200 pertencerão às Regiões Militares, 4.800 às
Unidades de Reserva Geral do Exército e 3.000 às Forças Especiais.
15.000
praças para apoio de serviços e administração.
6.000
sargentos.
4.000
oficiais.
–
Cada uma das partes fornecerá ao Exército um total de 20.000 homens assim
distribuídos:
15.000
praças (dos quais 7.500 operacionais).
3.000
sargentos.
2.000
oficiais”.
As
implicações do fim das FAPLA e a iniciativa da criação das FAA sem ter em conta
sequer as proporções das forças, num ambiente internacional em que deixaram de
existir os países de orientação socialista enquanto um capitalismo
selvagem “se abria” ao domínio pela via dos anglosaxónicos, de seus
aliados declarados e não declarados e de seus vínculos (inclusive aqueles que
assumiram os vínculos regionais e locais), proporcionaria em Angola a aplicação
da “doutrina de choque”, dando-se início à “guerra dos diamantes de
sangue” integrada na “Iª Guerra Mundial Africana”, à gestação
das “novas elites político-militares angolanas” aproveitando as
profundas alterações do carácter do estado, da economia e da sociedade e a
coisas nunca vistas em termos de exercício do poder, entre elas a utilização de
mercenários.
As
SADF do regime do “apartheid” haviam deixado como herança um plano,
antes de se retirarem da Namíbia: Savimbi, nas bases secretas
de “Palanca”, “Girafa”, “Tigre” e “Licua”, conseguira
esconder 20.000 homens de tal forma que nem as denúncias de N’Zau Puna e Tony
da Costa Fernandes levaram a que a ONU conseguisse descobrir a sua localização…
Foi
com esses recursos que, quando em Outubro de 1992 se decide uma vez mais pela
guerra, Savimbi rapidamente, perante a resposta fragilizada do estado angolano,
conquista mais de 70% do território nacional e desencadeia a saga
dos “diamantes de sangue”.
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– A legítima aspiração e vocação para a paz em Angola, subvertida também por
pressões político-diplomáticas concertadas pelas potências espelhadas na
ingenuidade dos próprios observadores, ao mesmo tempo que não se garantiam de
forma inequívoca as condições objectivas e subjectivas de sua efectivação,
iriam custar muito caro a Angola quando se tinha como interlocutor uma entidade
como Savimbi, instrumentalizada por poderosos “lobbies” ao nível do
próprio cartel de diamantes, ainda que o “apartheid” tivesse deixado
de existir.
Por
isso se em relação às sus forças amadas a coisas se passaram assim, já antes,
em relação aos seus próprios serviços de inteligência, a “onda neo
liberal” que começava a impactar Angola, havia produzido também os seus
efeitos: com o processo 76/86 e ao julgar os seus próprios oficiais da
Segurança do Estado que haviam levado a cabo a missão de combater o tráfico
ilícito e ilegal de diamantes, o estado angolano havia alterado profundamente a
sua geo estratégia em relação ao sector dos minerais, abrindo espaços nas suas
condutas preventivas e defensivas, espaços esses que viriam a ser em 1991 e
1992 aproveitados por Savimbi para dar início à “guerra dos diamantes de
sangue”.
Tirando
proveito do efeito surpresa que consistiu na manutenção de 20.000 efectivos não
contabilizados, nem referenciados, escondidos nas quatro bases secretas
instaladas com as SAF no Cuando Cubango, ao conquistar rapidamente mais de 70%
do território, Savimbi ocupou os extensos e ricos vales do Cuango e do Cuanza,
onde instalou as explorações de diamantes que lhe iriam fornecer os recursos
financeiros para alimentar o esforço militar que segundo ele, o levaria à
tomada de poder.
As
sequelas coloniais e do “apartheid”, impediram a paz em 1992 e os
sacrifícios impostos a Angola iriam durar mais dez anos, retardando as
possibilidades de paz e, com esse retardamento, o esforço no sentido da
Reconciliação, da Reconstrução Nacional e da Reinserção Social, inscritos na
fase inicial da longa luta contra o subdesenvolvimento, tal como se fazia
sentir no Programa Maior do MPA!
A
lógica com sentido de vida sofria em Angola mis um amplo revés!
Foto:
Assinatura do Acordo de Bicesse, a 31 de Maio de 1991
(Continua)
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