Manuel
Maria Carrilho – Diário de Notícias, opinião
A
mais grave consequência do fracasso de François Hollande de que aqui falei na
semana passada é, sem dúvida, a de ele vir confirmar, apesar de todas as
críticas que lhe fez, a tese dos que dizem não haver alternativa à política
austeritária dos últimos anos.
Não
esqueçamos que Hollande tinha afirmado enfaticamente, em janeiro de 2012, que
"o meu verdadeiro adversário é a finança", frase que se tornou mesmo
numa das mais fortes marcas da sua campanha presidencial. Frase que o seu atual
ministro das Finanças, Michel Sapin, num acrobático volte-face, transformou
agora numa outra: "A finança é nossa amiga."
Mas
mais do que olhar para episódios de uma política desacreditada, o importante é
compreender se há, e onde é que estão, os dados de fundo, estruturais, que têm
vindo a bloquear, a inviabilizar a alternativa socialista democrática na
Europa.
Esses
dados existem e são, a meu ver, de duas ordens. Eles encontram--se, por um
lado, no conservadorismo ideológico que tem marcado a social-democracia nas
últimas décadas, incapaz de produzir novas ideias e de estruturar novas
propostas que façam frente à mescla ideológica dominante, cada vez mais
informe, mas de clara matriz ultraliberal.
E,
por outro lado, no europeísmo míope que se tornou no ópio dos europeus. A opção
de François Hollande - como, mais recentemente, a do italiano Matteo Renzi -
foi a de privilegiar a segunda, deixando a primeira para melhores dias. Ou
seja, tem-se procurado a salvação na União Europeia, apostando numa
reorientação das suas políticas. Foi certamente por isso que, no próprio dia da
sua posse como Presidente da República francesa, Hollande voou imediatamente ao
encontro de Angela Merkel.
A
estratégia pode parecer acertada. Acontece, contudo, que a realidade europeia
está construída para resistir a todas estas investidas. Hollande, de resto,
nunca foi capaz e dizer com que argumentos e armas ele obteria da Alemanha uma
orientação que servisse os interesses da França e dos países do Sul. Talvez
porque no fundo ele saiba bem que a moeda única, tal como foi criada, é um
colete de forças que impede qualquer mudança.
Tal
como aconteceu nos anos 20 com o padrão-ouro, a social-democracia está
objetivamente bloqueada num trágico impasse, que a leva a defender
constantemente aquilo mesmo que impede a mudança que reclama. Nos anos 20, o
padrão-ouro, ao fixar paridades entre moedas nacionais que eram supostas
poderem converter-se em ouro, abriu as portas ao espetro deflacionista que, com
a "panne" da economia real, levou a uma austeridade que se abateu
pesadamente sobretudo sobre o mundo do trabalho.
Situação
que só se alterou mais tarde, com as lições da grande depressão, as políticas
expansivas e os acordos de Bretton Woods, que vigoraram até aos anos 70 do
século passado. O euro veio, infelizmente, repor uma situação análoga à que se
viveu nos anos 20 com o padrão-ouro - e foi essa situação que entretanto se
conseguiu impor em termos de "necessidade".
Ora
argumento da necessidade, em política, é quase sempre o mais falacioso dos
argumentos: ele apresenta como neutro o que o não é e transforma em leis o que
são meras opções. A ironia, é que esta necessidade lembra cada vez mais a do
socialismo "científico" de má memória...
Dobrados
ao argumento da necessidade, os socialistas democráticos acabam por aceitar
quase tudo o que dizem querer rejeitar: os constrangimentos da gestão financista,
os critérios da banca, o sobe-e-desce das agências de notação, o paternalismo
burocrático de Bruxelas, etc.
O
último Conselho Europeu, de sábado passado, ilustra bem tudo isto: uma
desesperante incapacidade política para responder à Rússia na Ucrânia, a
escolha de personalidades de segundo plano para as funções de presidente do
Conselho Europeu e de alto-representante para os Negócios Estrangeiros. Por
fim, lá se marcou, para o outono, mais uma cimeira sobre o
crescimento!!!...Não, assim esta Europa não vai salvar ninguém - a não ser,
talvez, que a deflação acabe por quebrar o império desta falaciosa necessidade
e imponha uma reconfiguração radical da União Europeia e da zona euro.
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