ANA CRISTINA PEREIRA - Público
Arranque
do Fundo Europeu de Auxílio aos Carenciados, que destina 157 milhões de ajuda
até 2020, gerou problemas logísticos nos bancos alimentares
Os
melões eram dois e já estavam maduros. Andreia Malhadinhas recebeu-os com um
par de beterrabas, quatro iogurtes e muitas maçãs. Nem lhe passou pela cabeça a
guerra na Ucrânia, as sanções decretadas pela União Europeia, a reacção russa
de limitar ou proibir a compra de alimentos produzidos no espaço comunitário.
Para ela, quem lhe dera aquilo fora “dona Lina”, funcionária do refeitório da
instituição particular de solidariedade social que lhe evita a fome, a
Qualificar para Incluir (QPI).
É
de gente que salta refeições ou come mal que se fala quando se fala de fome em
Portugal, sublinha Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Diocesana. O problema
subsiste, apesar da eventual solidariedade e do Programa de Emergência
Alimentar – que em Junho somava 852 instituições com protocolos com o Estado
para entregar refeições a famílias carenciadas. E nenhum grupo etário é tão
afectado pela privação como as crianças. Segundo o Instituto Nacional de
Estatística, no ano passado 2,2 % dos menores de 15 anos pertenciam a famílias
que não lhes garantiam pelo menos uma refeição diária de carne ou peixe e 1,4%
não comiam fruta e legumes uma vez por dia.
A
notícia do embargo de alimentos europeus desesperou inúmeros produtores de
frutas e de legumes. A Comissão Europeia decidiu comprar o que era suposto
seguir para o mercado russo. Em Portugal, o destino de tais produtos seria a
casa das famílias carenciadas, como a de Andreia. Era Agosto. Nunca o Banco
Alimentar do Porto entregara, de uma só vez, tantos produtos frescos à QPI.
O
relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e para a
Agricultura (FAO) divulgado esta terça-feira diz que há 15 milhões de pessoas sem segurança alimentar na
Europa, isto é, sem acesso a “alimentos suficientes, seguros e
nutritivos”. E Portugal é um dos países da União Europeia que mais recebem verbas
para enfrentar esse problema. Foram-lhe atribuídos 157 milhões de euros do
Fundo Europeu de Auxílio aos Carenciados (FEAC), o substituto do Programa
Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados, que era desde 1987 uma importante
fonte de abastecimento das instituições de apoio aos mais pobres.
Número
de famílias aumenta
Andreia está a criar dois filhos sozinha – Rúben, de 13 anos, e Nair, de cinco. Não lhe renovaram o contrato no café-restaurante e ela não assinou outro. “Vão cortando o subsídio de desemprego. Quando se vai a ver não é nada. Agora, recebo 223 euros. Nem chega para pagar a renda!”, comentava. Organizava-se com esse dinheiro, os abonos e a pensão de alimentos da filha – do filho, nada. Estaria desesperada, com as cantinas escolares fechadas, não fosse a QPI entregar-lhes três bem servidas refeições, que repartia pelo jantar de cada noite e o almoço do dia seguinte. E de quando em quando algum cabaz de produtos vindos do banco alimentar.
De
acordo com o Instituto de Segurança Social, em 2013 os bens alimentares o
programa comunitário chegaram a 506.367 pessoas, num total de 134.668 famílias.
No ano anterior, tinham chegado a 525.145 pessoas – 121.220 famílias. A
diminuição de indivíduos e o aumento de famílias prende-se com uma alteração
nos critérios de elegibilidade definidos pela Comissão Europeia.
O
velho programa, através do qual Portugal recebeu 135 milhões de euros, nasceu
para escoar os excedentes agrícolas. Decidiu a Comissão Europeia acabar com
ele, atendendo à “elevada imprevisibilidade dos stocks, consequência de
sucessivas reformas da Política Agrícola Comum”.
O
novo fundo deve agora garantir a continuidade do apoio alimentar. Aos 157
milhões previstos há que somar dez milhões da contrapartida nacional, o que
eleva o orçamento 2014-2020 para 167 milhões de euros.
Para
evitar quebra na distribuição, o Conselho de Ministros deu ao Instituto de
Segurança Social autorização para gastar já os dez milhões de euros em compras. E no início do
ano abriram-se os concursos públicos internacionais para contratar as empresas
fornecedoras de 21 produtos alimentares.
Em
resposta ao PÚBLICO, por email, o Instituto da Segurança Social esclarece que
para “abreviar os procedimentos manteve-se o cabaz de produtos distribuídos em 2013” . Só que alguns
concursos foram impugnados e, por exemplo ao Algarve, só no princípio do Verão
o banco alimentar foi abastecido. E a Segurança Social não pagou os custos de
armazenamento e transporte.
Duzentas
toneladas de alimentos vieram de uma só vez, diz Nuno Cabrita Alves,
responsável pelo Banco Alimentar do Algarve. Sem orçamento para arrendar mais
um espaço, pediu ao Mercado Abastecedor de Faro para lá guardar produtos.
Recorreu a outras entidades para uso de material, empilhadoras incluídas. E a
beneficiários de rendimentos social de inserção para ajudar. Vieram depois as
instituições que fazem entrega directa às famílias levantar os produtos.
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