Bocas
do Inferno
Mário
Motta, Lisboa
“O
primeiro-ministro assinou hoje uma carta em branco de demissão. Uma carta que
ainda não está escrita mas já está assinada. Restam dois desfechos, em função
do resultado das investigações ao caso Tecnoforma: ou rasga a carta e fica, ou
escreve o resto do texto e sai.”
O
preâmbulo é de Pedro Santos Guerreiro na abertura do artigo de opinião do
jornal Expresso de hoje. La Palisse não diria melhor que este jornalista.
Escreve ele em título que “A cabeça de Passos está no cepo”. E isso talvez não
seja assim tão evidente. A cabeça da democracia, sim, está no cepo. Assim como Santos Guerreiro afirma que Passos já
assinou a carta de demissão, o que não deve corresponder à realidade mas cabe
perfeitamente no sentido figurativo do formato deste “fabricante de opinião” do
Expresso. Essa “imagem” podemos e devemos dar de barato. Até porque Passos não é
sujeito de se demitir por dá cá aquela palha e vai levar esta “novela” até aos
extremos de prazos que melhor o sirva, a exemplo do fraudulento “doutor” José
Relvas, o seu amigo Tecnoforma e de muitas outras andanças.
Passos
está a fazer tudo para ganhar tempo, no mesmo figurino de Relvas. Se assim não fosse
teria esclarecido os portugueses numa questão de horas porque decerto tem a
escrita pessoal em dia (devia ter) e sabe muito bem que recebeu pagamentos da Tecnoforma,
assim como certamente tem em arquivo a documentação do seu requerimento do
regime de exclusividade na Assembleia da República e o despacho. Todo o
processo, em suma. E
se não tem, na AR tem de lá estar. O jornal Público dá uma contribuição nesse
aspeto e publicou ontem documentação esclarecedora que pode ser vista no título Documento na Íntegra. Se dúvidas existirem...
Não
é necessário ir à bruxa para saber que os portugueses não confiam minimamente
numa enorme percentagem dos atuais políticos. Os de agora, detentores do poder,
e tambéns muitos de governos passados. Assim como em muitos dos deputados que
se servem do país em vez de o servirem. Passos Coelho está entre os que se
incluem nessa classe sem classe e sem crédito. Ainda mais descredibilizado por
ser comprovadamente um mentiroso sem escrúpulos que se sobressaiu desde as
eleições que o levaram ao poder até agora. Quando Passos faz declarações tem o
efeito de as suas palavras entrarem nos nossos ouvidos a cem e saírem a
duzentos quilómetros por hora.
No
Caso Tecnoforma, acerca do recebeu, não recebeu, tinha regime de exclusividade
para com a AR, não tinha regime de exclusividade, já vimos que um secretário da
AR, na posse da documentação da anunciada fraude, tem vindo a tentar gerar a
confusão. Dando a impressão de que quer a todo o transe livrar o coiro do atual
PM. Mas a documentação que tem vindo a público é categórica até melhor saber
que possa inocentar Passos Coelho. Se a fraude prescreveu é indiferente porque
o que conta é a falta de honestidade de um indivíduo que se diz impoluto mas
que afinal não o é. E esse sujeito até é primeiro-ministro.
Se
Passos fosse impoluto e não tivesse no seu passado nada obscuro (mas de que se
vai safando) podia logo, na hora, em que a questão surgiu afirmar a pés juntos
que tais suspeitas e notícias não correspondiam à verdade. Porém, fruto da
escola de Miguel Relvas e de muitos outros semelhantes a esse figurão, o hábito
da prática de tornear legalidades e procedimentos de regras devem ser tantos
que por terem passado pelos intervalos da chuva com toda a impunidade os leva a
esquecer que afinal até nem têm o caráter elevado e correto que vêm falsamente
mostrando aos eleitores, aos portugueses. Diz-se que a ocasião faz o ladrão. A
política também, em alguns casos. Bastas vezes faz com que os impolutos sejam
absorvidos pelas malhas da mentira, da ganância, da ilegalidade, da corrupção,
do nepotismo, do crime. Salva-os a impunidade que se tem verificado até hoje. Até
quando?
Dito
isto. Passos Coelho só tem mesmo de se demitir por via deste Caso Tecnoforma. Porque
mesmo que esteja inocente será sempre, para os portugueses, culpado. Ficará
ainda mais descredibilizado, para além do que já está pelo ror de mentiras que
tem vindo a pespegar aos portugueses, aos seus eleitores, ao país em geral. Se não se demitir
assim será de prever. Porque neste momento, por muito inocente que pudesse
estar, os portugueses já estão de pé atrás com quase tudo e com quase todos. O
secretário da AR veio comprovar a razão de assim acontecer após o conhecimento
público de alguma documentação esclarecedora que o desmentiu. A PGR o que vai
fazer? Vão acreditar na Justiça se acaso ilibar Passos Coelho? E qual é o grau
de crédito ou descrédito da Justiça em Portugal?
Uma
coisa é certa: Portugal precisa de um esclarecimento rápido. Passos podia ter
esclarecido no devido e imprescindível tempo útil. Não o fez. Evocou falta de
memória a que “cheirou” pretender ganhar tempo. Primeiro declarou que a AR
podia esclarecer. Não esclareceu, antes pelo contrário. Agora recorre à PGR, à
Justiça. Se isto não é querer ganhar tempo, à espera de um milagre… E porquê? E
porquê? Quem não deve não teme, como diz o povo. Passos pode declarar que não
teme, nem deve. Mas das suas mentiras estamos todos muito fartos. Como os da
povoação da história Pedro e o Lobo não acreditaram em Pedro depois de tanta vez
mentir, assim reagem os portugueses em relação ao primeiro-ministro e muitos
outros. O pior é que são as instituições da democracia que se vão desmoronando por arrasto e
isso é terrível para qualquer regime democrático, para Portugal. E dizem-se
eles, certos políticos, patriotas!
A
cabeça de Passos não está no cepo mas a sua conduta ao longo de décadas está. Ou
isso ou Portugal e os portugueses estão tramados com gente deste jaez nos
poderes. A cabeça da democracia é quem está no cepo.
Sem comentários:
Enviar um comentário