Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Nestes
três anos, nada de estrutural mudou, a não ser a vida dos muitos milhares de
famílias a quem penalizaram com impostos e cortes em salários e pensões de
reforma
O
ano político que, por estes dias se iniciou, é o último ano de vida deste
governo. Para trás - ter memória, é importante -, estão três anos em que o
governo exigiu pesadíssimos sacrifícios a quem menos podia fazê-los
(culpabilizando-os com a afronta de terem "vivido acima das suas
posses"); em que se aumentou até ao limite do escandaloso a carga fiscal;
em que se arrasou a qualidade dos serviços públicos, nomeadamente na saúde e na
educação; em que os salários dos funcionários públicos e as reformas dos
pensionistas constituíram a presa mais fácil de sangrar; em que o desemprego e
a emigração atingiram números nunca antes conhecidos.
E,
apesar de tudo isto, nestes três anos, nada de estrutural mudou, a não ser a
vida dos muitos milhares de famílias a quem penalizaram com impostos e cortes
em salários e pensões de reforma, ou que foram lançadas no desemprego. O Estado
continua a viver na sua habitual opulência, apesar de ter vendido, nalguns
casos ao desbarato, os nossos anéis, alguns deles valiosos, como a ANA ou os
CTT; os salários dos administradores e dirigentes de topo das empresas
continuaram a subir, de acordo com um estudo recente; as grandes fortunas não
pararam de engordar. A economia do país está mais fragilizada, o crescimento é
invisível, e para sairmos da recessão foi preciso o Tribunal Constitucional
contrariar algumas medidas do governo.
Dir-nos-ão,
os partidos do governo, nos próximos meses deste ano eleitoral, que nada disto
foi em vão e que o nosso futuro é radiante. Mas não é verdade. Em 2010, último
ano completo do anterior governo, o défice orçamental chegou aos 10%. É
exactamente o mesmo défice que está previsto para este ano, de 2014, último ano
completo deste governo, usando os mesmo critérios de contabilização. O facto de
Bruxelas e Berlim aceitarem, desta vez, outros critérios para disfarçar o
défice, de modo a salvarem a face da sua parte de responsabilidade no fracasso
das medidas aplicadas, não nos livra do peso, e das consequências, de um défice
igual ao de 2010, depois de todos os sacrifícios que conhecemos. Fernand
Ulrich, um banqueiro sempre na berlinda e bem informado, em relação ao BES/Novo
Banco, no qual os contribuintes entraram com quase 4 mil milhões de euros,
declarou: "O que pode acontecer é que o Banco de Portugal tenha feito mal
as contas e aquilo seja vendido, por exemplo, por um euro." Isto significa
que o governo está a empurrar as desgraças que estão à vista para depois das
eleições legislativas.
Pior
ainda quanto à situação da divida externa. Esta agravou-se substancialmente
nestes três anos de chumbo de austeridade, e sem renegociação, sufocará a
economia, famílias e empresas, condenando todos à pobreza e à austeridade,
durante várias décadas. Não é por acaso que a senhora ministra das Finanças
"propôs", há dias, um debate com a oposição sobre este explosivo
tema, proposta que terá o mesmo destino que a discussão sobre a "reforma
do Estado" - zero. Não se trata de propor uma discussão séria e aberta com
a oposição e na sociedade, mas iludir a questão, marcar a agenda mediática e,
também, empurrar a inevitável reestruturação da dívida pública (quanto a
montantes, juros e prazos) para depois das eleições.
Aparentemente,
foi aberto, com a aprovação do orçamento rectificativo, um "período de
tréguas". O primeiro--ministro afirmou, no Pontal, que deixava em paz os
reformados e pensionistas até ao fim da legislatura. Na semana passada declarou
que o Orçamento do Estado de 2015 não terá aumento de impostos. Os partidos do
governo vão querer, daqui até às eleições legislativas, fazer esquecer as medidas
aplicadas neste três anos e disfarçar os maus resultados obtidos, atirando para
uma fogueira os esforços da maioria dos portugueses. Nem sequer é de estranhar
que, num ou noutro momento, surja a tentação de dizerem que o défice orçamental
se equilibra com a eliminação das "gorduras do Estado", sem
necessidade de mais sacrifícios. Agora acrescentando, sem pudor, que todos os
problemas serão resolvidos com crescimento. As próximas eleições vão ser uma
luta entre o esquecimento e a memória.
Jurista - Escreve
à segunda-feira
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