Paulo
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
A
importância do que hoje se joga nas eleições primárias do PS está muito para lá
da mera escolha do novo líder socialista e futuro candidato a
primeiro-ministro. Vença quem vencer, o dia seguinte nascerá com duas
inevitabilidades. O sangue das navalhadas dadas durante este combate começará a
correr em abundância.
Até agora, a coisa foi-se amenizando com curativos; a partir
de agora, estará exposto um partido em carne viva, carregado de feridas muito
difíceis de curar. Por outro lado, as pedras colocadas no xadrez político
começarão a mover-se bastante mais às claras e com bastante mais vontade de
ganhar posição, sobretudo dentro do PSD.
A
turbulência será maior se vencer António Costa. Por duas razões. O PSD sabe que
o atual presidente da Câmara de Lisboa é, por estes dias, o mais forte íman do
descontentamento: é para ele que olham os que, tendo poder e influência,
desejam uma alternativa a Passos Coelho; é para ele que olham os portugueses
que gostam de vozes encantatórias, aquelas que, para o bem ou para o mal,
enfeitiçam o povo, por serem facilmente audíveis e entendíveis.
Por
outro lado, Costa garante mais depressa do que Seguro uma candidatura de
António Guterres à presidência da República. O partido deseja ardentemente o
regresso de Guterres. O tempo, o notável trabalho que tem feito como Alto
Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e a afabilidade do
ex-primeiro-ministro são suficientes para que o passado seja relevado pelo povo
eleitor.
A
dupla Costa-Guterres é eleitoralmente poderosa. É por isso que no topo da
pirâmide social-democrata se desenham e definem cenários para enfrentar o que
aí vem. Há em (quase) todos eles um nome comum: Rui Rio. Para quem está perto
de Passos, o ideal seria uma candidatura a Belém do ex-autarca do Porto. Para quem
está mais afastado, Rio é um trunfo essencial para apear Passos, chegue, ou
não, a legislatura ao fim.
Sucede
que Rui Rio é, a cada dia que passa, mais um problema do que uma solução. Por
causa de tanta cautela, seja ela tática ou não, Rio arrisca-se a ficar sozinho,
sem tropas nem apoiantes de topo, definitivamente longe de cumprir o sonho de
revirar o regime. Nessa altura talvez se arrependa de ter andado a brincar às
conferências, de ter escrito biografias em registo narcísico, de ter
incentivado guerras inúteis com Rui Moreira, de esperar por uma vaga de fundo
que, afinal, nunca chegou. Ter-se-á perdido, quiçá, um grande estadista...
Aceitando
que o país teria a ganhar com uma coligação Costa-Rio, não é indiferente chegar
à mesa da negociação na qualidade de vencedor ou perdedor. O ex-presidente da
Câmara do Porto sabe disso. O PSD também. E é precisamente por isso que, depois
de conhecidos os resultados das primárias, é chegada a hora de Rio dizer o que
quer. Ou não quer.
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