sábado, 25 de outubro de 2014

Angola: POLÍCIA “PRESIDENCIAL” MASSACRA JOVENS




AFINAL A CONSTITUIÇÃO SÓ EXISTE PARA O QUE DÁ JEITO AO REGIME

Folha 8, 16 outubro 2014

"Porra isto está cada vez pior, eles são mesmo assassinos!” afirma um dos jovens manifestantes depois de ter sido brutalmente espancado pela polícia, deixando-o com duas costelas partidas.

“Eles são sanguinários e são instruídos para matar, to­dos aqueles que respeitam a Constituição e a democra­cia. Estes homens, vestidos com farda de polícia, mais se parecem com delinquen­tes drogados, pois a forma como eles nos espancam não é normal. Infelizmente têm cobertura do regime”, lamenta Adolfo Campos.

Com o corpo completa­mente marcado pelo espan­camento a que foi alvo, o jovem manifestante, não se mostra arrependido, “pois faria, farei e participarei, de novo, em quantas mais ma­nifestações forem precisas para acabarmos com esta ditadura, que divide e dis­crimina os angolanos”.

A maioria dos manifestan­tes não conseguiu chegar ao centro do Largo 1.º de Maio, pelo numeroso pelotão de agentes dos vários corpos da Polícia, da Segurança de Estado e das Forças Arma­das. “A cada dia a Polícia mostra a única linguagem que conhece, contra quem não bajula Eduardo dos Santos: o espancamento, a brutalidade e o assassinato, pois eles não respeitam a vida das pessoas. Isso leva a que muitos cidadãos que não tenham partido, deixam de acreditar nesta Polícia”, asseverou, Adolfo.

Este pioneiro das manifes­tações critica, também, o desempenho do comandan­te da Polícia, Francisco No­tícia, que “pessoalmente me agrediu de forma sádica. É triste, este comandante só não matou por estar mui­ta gente a ver mas pelo que ele nos tem feito, não tem problemas em matar as pessoas, pelo simples facto de tentarem manifestar-se de acordo com a Consti­tuição. Na minha opinião, hoje a Polícia tem muitos homens com carácter de as­sassinos”.

Para o jovem Nito Alves, “a manifestação poderia decorrer de forma pacífi­ca, não fosse o Presidente Eduardo dos Santos, afinal ter medo de 300 jovens frustrados, como ele nos chama, enviando os seus agentes assassinos, que as­sim que nos viram começa­ram a espancar-nos”.

E explica o quadro, “quando eram 12h50’ (11.10.), chega­mos a praça da Família de onde saímos em direcção ao Largo 1.º de Maio, às 12h55’ e aqui tivemos a primeira abordagem por agentes do SINSE, que nos pergun­taram a mim e ao Adolfo, onde íamos, ao que respon­demos estar de passagem e avançamos, começamos a ter problemas na segunda e terceira barreira, quan­do chegou o comandante Notícia, que assim que viu o Adolfo no meio dos seus homens veio pessoalmente dar-lhe duas bofetadas e in­centivar a agressão”, expli­cou Nito Alves.

Fortemente policiados e sempre “com bastões e co­ronhadas fomos arrasta­dos do largo para a escola 1.º de Maio onde cada vez que chegasse um polícia a mis­são era a de nos espancar, enquanto prendiam outros que iam chegando, como os manif’s de Cacuaco que chegaram a entrar no Largo 1.º de Maio”, afirma. Estes jo­vens que conseguiram ludi­briar todas as barreiras poli­ciais e penetrar no interior do Largo, continuam presos e sem data marcada para o seu julgamento, uma vez o juiz ter, no dia 16.10, devol­vido a investigação crimi­nal o processo para melhor instrução, não alterando, in­felizmente, a condição car­cerária dos réus, que desta forma manter-se-ão atrás das grades até regresso do processo ao tribunal.

“Eu na selvajaria policial, fiquei com uma fractura no braço esquerdo, enquanto o Adolfo foi atingido na cla­vícula. Sinceramente custa acreditar que estes senho­res são mesmo polícias, pois o problema é que os seus métodos são muito se­melhantes aos dos bandidos que actuam nos bairros e isso me deixa muitas dúvi­das. Será que não mudam a farda de noite, sendo de dia Polícia do MPLA e a noite outra coisa?”, questionou Nito Alves, que ficou sem resposta de nossa parte.

“O regime através do tri­bunal ao seu serviço, está a fazer tudo para acusar os nossos colegas de arruaça e vandalismo, quando eles é que deveriam estar no banco dos réus por violação do art.º 47.º da Constituição, que não manda agredir, dar coronhadas, disparar contra as pessoas e até assassinar. Eles que cometem estes cri­mes é que deveriam estar na cadeia, mas como aqui tudo decorre da vontade do Eduardo dos Santos, nada acontece com estes agres­sores”, concluiu Nito Alves.

Os jovens retidos pela Polícia quando tentavam, no 11.10, fazendo uso de um direito constitucio­nal que, contudo, é su­balternizado pelas leis arbitrárias e avulsas do Presidente da República, manifestar-se contra a Lei da Nacionalidade, foram espancados, torturados e abandonados na rua.

“Alguns desses jovens fo­ram levados pela Polícia, espancados e deixados na rua. Foram outras pessoas que os apanharam e leva­ram para o hospital”, ex­plicou o advogado e acti­vista da associação Mãos Livres, David Mendes.

O acesso ao Largo da In­dependência, no centro de Luanda, foi bloqueado, por dezenas de agentes da Polícia Nacional, armados até aos dentes, que im­pediram a manifestação destes jovens angolanos, que contestam as anun­ciadas alterações à Lei da Nacionalidade. Como já é hábito, para além da indiferença da comuni­dade internacional, todos quantos queiram mostrar que pensam de forma diferente do regime são culpados até prova em contrário.

É um método, reconheça­-se, praticado nas de­mocracias que são pa­radigmas para o regime angolano, como é o caso da Coreia do Norte, bem como dos Khmer Verme­lhos de Pol Pot que foi pelo genocídio no Cam­boja.

A manifestação, convoca­da pelo Movimento Revo­lucionário, estava, como todas as outras, condena­da ao fracasso. Num regi­me em que a Polícia não é nacional mas, apenas, do MPLA, a lei é só uma: porrada forte e feia contra quem ponha em causa a ditadura. E assim vai con­tinuar até um dia.

Os jovens sabem que a luta é contínua e a vitó­ria será determinante, para a liberdade. Tam­bém sabem que vão de derrota em derrota até à vitória final. Sabem eles e sabe o regime. E é por isso que tentam por todos os meios perpetuar-se no poder.

“Os jovens foram levados e espancados. Ao fim do dia uns foram largados no Zango, como tem sido prática habitual da Polí­cia. Um deles estava mui­to maltratado, com uma fractura”, disse ainda o advogado David Mendes.

A proposta de alteração à Lei da Nacionalidade, contendo 26 modifica­ções e enviada em Julho à Assembleia Nacional pelo Presidente José Eduar­do dos Santos, esteve na origem deste protesto. Pretendia pedir a sua “re­vogação”, alegando estes jovens activistas que a nacionalidade “não se dá a ninguém de forma fácil”.

Com esta proposta apre­sentada ao Parlamento, o Presidente passa a ter a faculdade discricionária de conceder a nacionali­dade angolana, por natu­ralização, a estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços relevantes ao Es­tado, estando apenas, de forma geral, consagrada a necessidade de conhe­cimento suficiente da lín­gua portuguesa.

As manifestações agenda­das pelo Movimento Revo­lucionário desde 2011, con­testando o regime angolano, envolvem, por norma, a mobilização de fortes dispo­sitivos de segurança policial e militar.

Na senda do que tem feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de envere­dar por “manifestações vio­lentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas, incentivando a desobediên­cia civil, greves e tumultos, provocando esquadras e agentes e patrulhas da po­lícia com pedras, garrafas e paus”.

E como, segundo o regime, todos são culpados até pro­va em contrário…

Outro crime que está a ator­mentar as soberbas mentes do regime respeita ao facto de, segundo o MPLA, haver indícios de que demasiados angolanos estão a pensar sem ser com a barriga. E isso não pode ser tolerado. Desde logo porque pensar faz ver que existe uma di­ferença entre a hiena que chora e a que entoa o hino do MPLA.

Tendo na memória as ma­nifestações dos jovens, ou a de ex-combatentes, não adianta, pelo menos por enquanto, dizer que a Polí­cia (sempre armada até aos dentes, sempre forte com os fracos e fraca com os fortes) e os seus capangas à civil, desrespeitam o direito à manifestação e os direi­tos humanos. E não adianta porque Angola não é um Estado de Direito e De­mocrático mas, antes, um reino em que o soba tem plenos poderes, inclusive para mandar matar quem pense de maneira diferente, como bem nos rememorou Rui Falcão, ao afirmar não ter Abel Chivukuvuku sido morto por orientação ex­pressa de Dos Santos, que agiu em sentido contrário em relação aos que foram assassinados.

O regime de Eduardo dos Santos sabe bem que a me­lhor forma de exercer a sua “democracia” é ter a popula­ção na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à esmaga­dora maioria dos seus opo­sitores políticos e militares, a começar por Geraldo Sa­chipengo Nunda e acaban­do em “Black Power”.

O regime não brinca em serviço e, por isso, nada como preventivamente mostrar aos manifestantes (bem como aos jornalistas) que quem manda em Ango­la – e não só, como é cada vez mais visível - é o MPLA.

Defender a liberdade de ex­pressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o re­gime não quer. Tudo quan­to envolva a liberdade (com excepção da liberdade para estar de acordo com o regi­me) é algo que até põe em pé os cabelos dos caracas do MPLA.

Recorde-se, a propósito das manifestações, que Bento Bento, um dos chefes de posto do MPLA para todos os serviços, foi claro quando disse: “quem tentar mani­festar-se será neutralizado, porque Angola tem leis e instituições e o bom cida­dão cumpre as leis, respeita o país e é patriota.”

Apesar de tudo, as manifes­tações fazem – por muito pequenas que (ainda) sejam - tremer o regime. A tal pon­to que – relembremos - pe­rante o anúncio da primeira manifestação, o Governo angolano apressou-se a pa­gar salários em atraso nas Forças Armadas e na Polí­cia, a fazer promoções em série e a, inclusive, a man­dar carradas de alimentos para a casa de milhares de militares.

Basta também ver que, pe­rante essas manifestações, o regime pôs nas rua e por todo o lado – mesmo em lo­cais onde os angolanos nem sabiam que iria haver mani­festações – os militares e a polícia a avisar que qualquer apoio popular aos insurrec­tos significava o regresso da guerra.

No entanto, por muita força que tenha a máquina repres­sora do regime angolano (e tem-na), por muito apoio que tenha de alguns dos seus órgãos comunicação estrangeiros, nunca conse­guirá fazer esquecer que a luta é contínua e a vitória será determinante.

Sem comentários:

Mais lidas da semana