AFINAL
A CONSTITUIÇÃO SÓ EXISTE PARA O QUE DÁ JEITO AO REGIME
Folha
8, 16 outubro 2014
"Porra
isto está cada vez pior, eles são mesmo assassinos!” afirma um dos jovens manifestantes depois de ter sido brutalmente espancado pela polícia, deixando-o com duas
costelas partidas.
“Eles
são sanguinários e são instruídos para matar, todos aqueles que respeitam a
Constituição e a democracia. Estes homens, vestidos com farda de polícia, mais
se parecem com delinquentes drogados, pois a forma como eles nos espancam não
é normal. Infelizmente têm cobertura do regime”, lamenta Adolfo Campos.
Com
o corpo completamente marcado pelo espancamento a que foi alvo, o jovem
manifestante, não se mostra arrependido, “pois faria, farei e participarei, de novo,
em quantas mais manifestações forem precisas para acabarmos com esta ditadura,
que divide e discrimina os angolanos”.
A
maioria dos manifestantes não conseguiu chegar ao centro do Largo 1.º de Maio,
pelo numeroso pelotão de agentes dos vários corpos da Polícia, da Segurança de
Estado e das Forças Armadas. “A cada dia a Polícia mostra a única linguagem
que conhece, contra quem não bajula Eduardo dos Santos: o espancamento, a
brutalidade e o assassinato, pois eles não respeitam a vida das pessoas. Isso
leva a que muitos cidadãos que não tenham partido, deixam de acreditar nesta
Polícia”, asseverou, Adolfo.
Este
pioneiro das manifestações critica, também, o desempenho do comandante da
Polícia, Francisco Notícia, que “pessoalmente me agrediu de forma sádica. É
triste, este comandante só não matou por estar muita gente a ver mas pelo
que ele nos tem feito, não tem problemas em matar as pessoas,
pelo simples facto de tentarem manifestar-se de acordo com a Constituição. Na
minha opinião, hoje a Polícia tem muitos homens com carácter de assassinos”.
Para
o jovem Nito Alves, “a manifestação poderia decorrer de forma pacífica, não
fosse o Presidente Eduardo dos Santos, afinal ter medo de 300 jovens
frustrados, como ele nos chama, enviando os seus agentes assassinos, que assim
que nos viram começaram a espancar-nos”.
E
explica o quadro, “quando eram 12h50’ (11.10.), chegamos a praça da Família de
onde saímos em direcção ao Largo 1.º de Maio, às 12h55’ e aqui tivemos a primeira
abordagem por agentes do SINSE, que nos perguntaram a mim e ao Adolfo, onde
íamos, ao que respondemos estar de passagem e avançamos, começamos a ter
problemas na segunda e terceira barreira, quando chegou o comandante Notícia,
que assim que viu o Adolfo no meio dos seus homens veio pessoalmente dar-lhe
duas bofetadas e incentivar a agressão”, explicou Nito Alves.
Fortemente
policiados e sempre “com bastões e coronhadas fomos arrastados do largo para
a escola 1.º de Maio onde cada vez que chegasse um polícia a missão era a de
nos espancar, enquanto prendiam outros que iam chegando, como os manif’s de
Cacuaco que chegaram a entrar no Largo 1.º de Maio”, afirma. Estes jovens que
conseguiram ludibriar todas as barreiras policiais e penetrar no interior do
Largo, continuam presos e sem data marcada para o seu julgamento, uma vez o
juiz ter, no dia 16.10, devolvido a investigação criminal o processo para
melhor instrução, não alterando, infelizmente, a condição carcerária dos
réus, que desta forma manter-se-ão atrás das grades até regresso do processo ao
tribunal.
“Eu
na selvajaria policial, fiquei com uma fractura no braço esquerdo, enquanto o
Adolfo foi atingido na clavícula. Sinceramente custa acreditar que estes senhores
são mesmo polícias, pois o problema é que os seus métodos são muito semelhantes
aos dos bandidos que actuam nos bairros e isso me deixa muitas dúvidas. Será
que não mudam a farda de noite, sendo de dia Polícia do MPLA e a noite outra
coisa?”, questionou Nito Alves, que ficou sem resposta de nossa parte.
“O
regime através do tribunal ao seu serviço, está a fazer tudo para acusar os
nossos colegas de arruaça e vandalismo, quando eles é que deveriam estar no
banco dos réus por violação do art.º 47.º da Constituição, que não manda
agredir, dar coronhadas, disparar contra as pessoas e até assassinar. Eles que
cometem estes crimes é que deveriam estar na cadeia, mas como aqui tudo
decorre da vontade do Eduardo dos Santos, nada acontece com estes agressores”, concluiu Nito Alves.
Os
jovens retidos pela Polícia quando tentavam, no 11.10, fazendo uso de um
direito constitucional que, contudo, é subalternizado pelas leis arbitrárias
e avulsas do Presidente da República, manifestar-se contra a Lei da
Nacionalidade, foram espancados, torturados e abandonados na rua.
“Alguns
desses jovens foram levados pela Polícia, espancados e deixados na rua. Foram
outras pessoas que os apanharam e levaram para o hospital”, explicou o
advogado e activista da associação Mãos Livres, David Mendes.
O
acesso ao Largo da Independência, no centro de Luanda, foi bloqueado, por
dezenas de agentes da Polícia Nacional, armados até aos dentes, que impediram
a manifestação destes jovens angolanos, que contestam as anunciadas alterações
à Lei da Nacionalidade. Como já é hábito, para além da indiferença da comunidade
internacional, todos quantos queiram mostrar que pensam de forma diferente do
regime são culpados até prova em contrário.
É
um método, reconheça-se, praticado nas democracias que são paradigmas para o
regime angolano, como é o caso da Coreia do Norte, bem como dos Khmer Vermelhos
de Pol Pot que foi pelo genocídio no Camboja.
A
manifestação, convocada pelo Movimento Revolucionário, estava, como todas as
outras, condenada ao fracasso. Num regime em que a Polícia não é nacional
mas, apenas, do MPLA, a lei é só uma: porrada forte e feia contra quem ponha em
causa a ditadura. E assim vai continuar até um dia.
Os
jovens sabem que a luta é contínua e a vitória será determinante, para a
liberdade. Também sabem que vão de derrota em derrota até à vitória final.
Sabem eles e sabe o regime. E é por isso que tentam por todos os meios
perpetuar-se no poder.
“Os
jovens foram levados e espancados. Ao fim do dia uns foram largados no Zango,
como tem sido prática habitual da Polícia. Um deles estava muito maltratado,
com uma fractura”, disse ainda o advogado David Mendes.
A
proposta de alteração à Lei da Nacionalidade, contendo 26 modificações e
enviada em Julho à Assembleia Nacional pelo Presidente José Eduardo dos
Santos, esteve na origem deste protesto. Pretendia pedir a sua “revogação”,
alegando estes jovens activistas que a nacionalidade “não se dá a ninguém de
forma fácil”.
Com
esta proposta apresentada ao Parlamento, o Presidente passa a ter a faculdade
discricionária de conceder a nacionalidade angolana, por naturalização, a
estrangeiros que tenham prestado ou sejam chamados a prestar serviços
relevantes ao Estado, estando apenas, de forma geral, consagrada a necessidade
de conhecimento suficiente da língua portuguesa.
As
manifestações agendadas pelo Movimento Revolucionário desde 2011, contestando
o regime angolano, envolvem, por norma, a mobilização de fortes dispositivos
de segurança policial e militar.
Na
senda do que tem feito ao longo dos anos, o MPLA acusa a Oposição de enveredar
por “manifestações violentas e hostis, provocando vítimas, inventando vítimas,
incentivando a desobediência civil, greves e tumultos, provocando esquadras e
agentes e patrulhas da polícia com pedras, garrafas e paus”.
E
como, segundo o regime, todos são culpados até prova em contrário…
Outro
crime que está a atormentar as soberbas mentes do regime respeita ao facto de,
segundo o MPLA, haver indícios de que demasiados angolanos estão a pensar sem
ser com a barriga. E isso não pode ser tolerado. Desde logo porque pensar faz
ver que existe uma diferença entre a hiena que chora e a que entoa o hino do
MPLA.
Tendo
na memória as manifestações dos jovens, ou a de ex-combatentes, não adianta,
pelo menos por enquanto, dizer que a Polícia (sempre armada até aos dentes,
sempre forte com os fracos e fraca com os fortes) e os seus capangas à civil,
desrespeitam o direito à manifestação e os direitos humanos. E não adianta
porque Angola não é um Estado de Direito e Democrático mas, antes, um reino em
que o soba tem plenos poderes, inclusive para mandar matar quem pense de
maneira diferente, como bem nos rememorou Rui Falcão, ao afirmar não ter Abel
Chivukuvuku sido morto por orientação expressa de Dos Santos, que agiu em
sentido contrário em relação aos que foram assassinados.
O
regime de Eduardo dos Santos sabe bem que a melhor forma de exercer a sua
“democracia” é ter a população na miséria, é ter tirado a coluna vertebral à
esmagadora maioria dos seus opositores políticos e militares, a começar por
Geraldo Sachipengo Nunda e acabando em “Black Power”.
O
regime não brinca em serviço e, por isso, nada como preventivamente mostrar aos
manifestantes (bem como aos jornalistas) que quem manda em Angola – e não só,
como é cada vez mais visível - é o MPLA.
Defender
a liberdade de expressão não é nada do outro mundo, mas é algo que o regime
não quer. Tudo quanto envolva a liberdade (com excepção da liberdade para
estar de acordo com o regime) é algo que até põe em pé os cabelos dos caracas
do MPLA.
Recorde-se,
a propósito das manifestações, que Bento Bento, um dos chefes de posto do MPLA
para todos os serviços, foi claro quando disse: “quem tentar manifestar-se
será neutralizado, porque Angola tem leis e instituições e o bom cidadão
cumpre as leis, respeita o país e é patriota.”
Apesar
de tudo, as manifestações fazem – por muito pequenas que (ainda) sejam -
tremer o regime. A tal ponto que – relembremos - perante o anúncio da
primeira manifestação, o Governo angolano apressou-se a pagar salários em
atraso nas Forças Armadas e na Polícia, a fazer promoções em série e a,
inclusive, a mandar carradas de alimentos para a casa de milhares de
militares.
Basta
também ver que, perante essas manifestações, o regime pôs nas rua e por todo o
lado – mesmo em locais onde os angolanos nem sabiam que iria haver manifestações
– os militares e a polícia a avisar que qualquer apoio popular aos insurrectos
significava o regresso da guerra.
No
entanto, por muita força que tenha a máquina repressora do regime angolano (e
tem-na), por muito apoio que tenha de alguns dos seus órgãos comunicação
estrangeiros, nunca conseguirá fazer esquecer que a luta é contínua e a
vitória será determinante.
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