terça-feira, 28 de outubro de 2014

Moçambique: MDM PERDE POPULARIDADE NAS ELEIÇÕES GERAIS




Segundo analistas, os excelentes resultados do Movimento Democrático de Moçambique, o partido de Daviz Simango, circunscrevem-se apenas aos processos autárquicos e ficam longe do que se espera nas eleições gerais.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) de Moçambique afirmou na segunda-feira (27.10) que as irregularidades registadas nas eleições gerais de 15 de outubro não terão "influência nos resultados finais", reiterando que o processo "está a decorrer com normalidade".

Para Paulo Cuinica, porta-voz da CNE, os ilícitos que têm sido denunciados por observadores moçambicanos e estrangeiros, bem como pelos partidos da oposição, não terão dimensão para impedir sequer a eleição de um deputado da Assembleia da República, um membro da assembleia provincial ou o chefe de Estado.

A soma das contagens provinciais dá a vitória ao partido no poder, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), com maioria absoluta no Parlamento, mas longe dos dois terços alcançados em 2009, e também ao seu candidato presidencial, Filipe Nyusi.

A confirmar-se esta previsão, os resultados dos apuramentos nas 11 províncias de Moçambique não deverão sofrer alterações significativas, mantendo-se a expectativa das vitórias da FRELIMO, partido no poder, nas legislativas e do seu candidato, Filipe Nyusi, nas presidenciais. Na segunda posição estariam Afonso Dhlakama e o seu partido, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), e na terceira Daviz Simango e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM).

Porém, no que concerne ao MDM, analistas dizem que os excelentes resultados eleitorais do partido circunscrevem-se apenas aos processos autárquicos. Nas presidenciais ou nas legislativas, o segundo maior partido da oposição já não consegue conquistar o eleitorado, ficando sempre em terceiro lugar, a uma distância considerável dos outros dois primeiros.

A DW África perguntou ao analista político e historiador moçambicano Egídio Vaz que razões estão por detrás destes cenários diferentes.

DW África: Em que medida a ausência da RENAMO favoreceu o MDM anteriormente?

Egídio Vaz (EV): Na verdade há duas formas de ver isto, mas também duas razões essenciais. A primeira tem a ver com a estrutura e a apresentação do partido. Não esqueçamos que apesar dos resultados que o MDM consegue ter em processos eleitorais, principalmente as intercalares, e naqueles em que a RENAMO não participa, o MDM participa de forma localizada e por isso mesmo consegue bons resultados. Ou seja, é um partido pequeno que não consegue fazer uma campanha a nível nacional de uma única vez, ao contrário da RENAMO e da FRELIMO. E isso tem também muito a ver com a questão de meios e de implantação por parte do partido.

Mas, por outro lado, gostaria de concorcodar com a ideia de que a ausência da RENAMO em processos eleitorais foi sempre um elemento a ter em conta. Constatamos nos últimos dois anos uma RENAMO que vinha caindo em termos de estabilidade e de atividade, mas que se revitalizou neste processo de eleições gerais. Mas existe também algo fundamental para podermos compreender este elemento. O MDM tem os seus desafios estruturais. Por exemplo, durante essas eleições o MDM queria passar a ideia segundo a qual onde governa a vida das pessoas melhora. Mas para as pessoas a identificação partidária em Moçambique é muito mais do que o voto económico.

São dois conceitos da essência política para explicar uma situação. O voto económico é uma teoria segundo a qual as pessoas ou os eleitores premeiam aqueles que fazem boas políticas e que governam bem. Enquanto a identificação partidária é a suscetibilidade e a atração que um indivíduo ou eleitor tem para com determinado partido independentemente da sua “performance” nacional. Em Moçambique já se provou que a teoria do voto económico é inadequada para explicar por exemplo as contínuas reeleições da FRELIMO. Mas já é possível justificar por que motivo em períodos intercalares o MDM consegue ganhar algum município. Justamente devido à ausência do principal competidor: a FRELIMO e a RENAMO.

DW África: A boa gestão de Daviz Simango, pelo menos durante algum tempo, no município da Beira terá influenciado o aumento da popularidade do MDM, nomeadamente a nível autárquico?

EV: Sim, porque Daviz Simango só fez aquilo que lhe competia como presidente, mas com algumas diferenças. As pessoas e as entidades estavam cansadas da governação da FRELIMO naquela autarquia caraterizada principalmente por algumas más práticas evitáveis.

Daviz Simango observou a situação e colocou a sua atenção em todos os aspetos pequenos, mas que têm um grande significado para as pessoas. Por exemplo, na recolha do lixo, tapar os buracos nas estradas, abertura de novas vias, extensão das rotas de transportes, enfim uma organização administrativa própria, entre outros. Por outro lado, veio conferir algum crédito à mobilidade social, ou seja, à integração de outras elites na cena política.

DW África: A questão étnica tem algum papel nos processos eleitorais, por exemplo, nas eleições autárquicas ou nas gerais?

EV: Não desempenha um papel fundamental, mas muitas vezes a questão étnica é trazida para ser instrumentalizada com vista a capitalizar algum sector. O que posso dizer que o que poderá ter um papel é o sentimento regionalista que existe. Aqui em Moçambique é evidente que existe uma perceção, não sei se é real, mas é uma percepção segundo a qual os proventos do desenvolvimento do país, inclusive a classe dominante dos dirigentes provém da região sul, e precisamente por causa disso, a FRELIMO foi sempre vista como um partido do sul de Moçambique.

No centro e no norte sempre houve este quê: "estamos sempre a ser governados por pessoas do sul, quando aqui no centro ou no norte juntos formamos a maioria do povo e do território moçambicanos." Portanto este sentimento existe e de tempo a tempo é manipulado. E nos processos eleitorais locais (autárquicas) sim, porque a instrumentalização é fundamental e muitas vezes usada, principalmente nas autárquicas no centro e norte do país.

Estou a pensar, por exemplo, na FRELIMO que muitas vezes passa mal quando é para escolher quem vão ser os candidatos do partido nas autárquicas. E muitas das vezes o descontentamento, no centro e norte do país, começa justamente no seio da própria FRELIMO. As hostes locais, os caciques locais lamentam e dizem "não precisamos de alguém que venha de Maputo para nos indicar quem deve ser o nosso candidato aqui."

Na foto: Daviz Simango, líder do MDM e edil da Beira

Nádia Issufo – Deutsche Welle

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