terça-feira, 7 de outubro de 2014

O BRASIL QUE SAI DAS URNAS E A AVALANCHE CONSERVADORA



Dojival Vieira* - Afropress, editorial

Só não desisto porque a nós, os lutadores sociais, os que lutamos por transformações profundas nessa sociedade injusta e desigual, nesta República precária construída sob os escombros do escravismo, não resta outra alternativa senão seguir lutando. Temos todos os direitos menos um: o de nos deixarmos abater pelo pessimismo. Mas, que é desanimador é. 

Mesmo ainda tendo pela frente as emoções de um segundo turno entre a presidente Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), é impossível não concluir: a julgar pelas campanhas até aqui, nada nos autoriza a imaginar que o debate se desloque dos temas econômicos de interesse, principalmente, do mercado (taxas de câmbio, meta de inflação, superávit primário etc) para as reformas que vem sendo adiadas no Brasil há pelo menos um século.

O sistema instaurado pela Constituição de 1.988 se esgotou e com ele o modelo de governança iniciado em 1.995, com FHC e continuado pela dupla Lula/Dilma. A maior evidência disso é que completará 20 anos sem ajustar contas sequer com a herança da ditadura militar, que continua ativa na democracia tutelada que herdamos, fruto de uma transição negociada por setores da oposição civil com os militares.

Não há sinais de que propostas concretas para levar adiante as reformas passem a ser o divisor de águas entre as candidaturas em disputa. O provável é que tenhamos a poluição sonora e o mau gosto de uma campanha de baixíssimo nível entre petistas e tucanos, com a busca da descontrução de um e de outro, como aliás, já se prenuncia nas redes sociais.

A estratégia dos primeiros será voltar a década de 90 para comparar com os dois primeiros governos de FHC, e dos últimos, prometer mudanças com o discurso genérico de menos corrupção e mais ética - vejam, que ironia (e que sinal dos tempos!), que isso aconteça como peça de campanha justamente contra o PT, partido que, até há pouco, se apresentava como campeão da ética na política.

De volta ao passado

No caso da eleição desse domingo (05/10), o Brasil que sai das urnas no primeiro turno é um país mais conservador e retrógrado. Em S. Paulo, o campeão de votos para deputado federal, é nada mais nada menos, que Celso Russomano (1.524.361 votos), uma espécie de versão 2.0 de Paulo Maluf, abatido pela lei da Ficha Limpa. Em segundo, o palhaço Tiririca (1.016.796 votos), que na eleição anterior já ocupara a posição de primeiro colocado, o que demonstra que, em termos de mudanças de costumes na política, nossa triste sina é andar para trás.

Para deputados estaduais, a lista de militares - coronéis e majores, principalmente, a "bancada da bala" - delegados e pastores evangélicos eleitos com expressivas votações, mostram que o parlamento paulista está muito mais para púlpitos e quartéis, do que para um espaço de debate e livre circulação de idéias.

Um dos campeões de voto foi o pastor Marco Feliciano, que provocou a revolta e a indignação de negros quando declarou que os africanos “descendem de um ancestral amaldiçoado por Noé”. Mesmo assim acabou na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Feliciano, contra quem foram organizados atos e manifestações por todo o país, simplesmente obteve a votação histórica de quase 400 mil votos (398.087).

A avalanche conservadora é indicadora do retrocesso porque nomes como o do deputado Adriano Diogo (PT), que se apresentou como "um combatente da esquerda", amargaram uma derrota que terá graves e sérias consequências para o movimento dos direitos humanos em S. Paulo.

Com apenas 54.904 votos para a Câmara Federal, presidente da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão da Verdade "Rubens Paiva", da ALESP, Adriano dirigiu por quase dois anos os trabalhos da Comissão, buscando Justiça e punição dos torturadores, que continuam soltos e impunes. Fez do mandato de deputado o porto seguro a quem podiam recorrer, negros, pobres e marginalizados, lideranças dos movimentos sociais, vítimas de violações aos direitos humanos e da violência da polícia. 

Nada disso contou, porém, porque os eleitores paulistas preferiram consagrar Tiririca com votação superior a 1 milhão de votos, e a Russomano, o clone de Maluf, o deputado com maior votação do Brasil.

Extrema direita militar

No Rio, outro campeão nas urnas, foi nada menos que o deputado Jair Bolsonaro com quase meio milhão de votos (464.556). Representante da extrema direita militar no Parlamento, com posições abertamente racistas e homofóbicas, Bolsonaro já anunciou voos mais altos: será candidato a presidência nas eleições de 2.018.

E, por fim, no Rio Grande do Sul, saiu consagrado das eleições de domingo, o deputado Luis Carlos Heinze, a quem a ONG inglesa Survival deu o título de “Racista do Ano”, por suas posições hostis a quilombolas, índios, gays e lésbicas.

A onda conservadora não é recente; vem se consolidando na mesma proporção em que os Governos nos últimos 12 anos se compuseram com os setores mais conservadores da sociedade e adotaram o mantra da governabilidade como princípio, com Sarneys, Malufs e até com Collor, eleito senador em Alagoas, contra a ex-senadora Heloísa Helena - pasmem!!! -, com apoio do PT.

É o caso de questionar, quem são os verdadeiros beneficiários desse tipo de estratégia. O que está evidente é que não são aqueles que lutam por mudanças estruturais e para quem medidas cosméticas para consumo eleitoral ditadas por marqueteiros muito bem pagos, não tem nenhum significado. 

A julgar pelo resultado do primeiro turno, é evidente que a opção dos que trocaram um projeto de país por um projeto de poder, começa a ser rejeitada. Não teria isso a ver com o desinteresse das pessoas pelas campanhas e pelo desprezo pelos políticos, que é crescente?

*É advogado, jornalista responsável e editor de Afropress


1 comentário:

verasaidajanela disse...

Não adianta gritar: o voto é mudo, matematicamente calado.

Diz muito, no entanto. Meio milhão de bolsonaros, três milhões de pezões, mais um clássico segundo turno nesse jogo democrático brasileiro.

2013 fez barulho, criou expectativa, mas afinal? Quem foi pra rua? Quem foi pra urna?

A historiografia futura vai ter trabalho para entender esse presente; por ora, fica o recado para os vivos: só a minoria quer mudança.

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