segunda-feira, 3 de novembro de 2014

ÉBOLA, UMA DOENÇA QUE NÃO ERA RENTÁVEL



Benjamim Formigo – Jornal de Angola, opinião

Em 1976 uma nova doença foi descoberta numa área remota da floresta tropical do Congo (Kinshasa). Onde inexplicavelmente surgia com persistência uma doença altamente transmissível e com elevada taxa de mortalidade.

Um médico belga que trabalhava na zona decidiu enviar ao Instituto de Medicina Tropical de Antuérpia, Bélgica, uma amostra de sangue de uma missionária vítima da doença. Os cientistas identificaram então um novo vírus com um tamanho invulgar e resistente a todos os “ataques”. Pela sua estrutura morfológica constataram que estavam perante o vírus de Marburgo ou uma mutação.

O vírus de Marburgo, assim chamado porque em 1967 causou uma trintena de mortes em Marburgo e Frankfurt, na Alemanha e em Belgrado, Jugoslávia, mostrou-se imune a qualquer tratamento. Ou o doente desenvolvia por si mesmo anticorpos ou o vírus vencia. Ao que parece o surto teve origem em Marburgo num laboratório que trabalhava com macacos importados do Uganda.

Nos quase 40 anos que decorreram sobre a sua descoberta o vírus de Marburgo causou um número de mortes indeterminado e o combate foi sempre através da contenção das pessoas na zona afectada, os voluntários para o tratamento eram escassos e os cuidados a prestar assentavam na hidratação do doente enquanto o organismo resistia. Em paralelo eram feitas campanhas de divulgação de regras higiénicas básicas; contudo o factor mais complicado de gerir é ainda o cultural. As regras de higiene não resistiram até muito recentemente a princípios culturais centenários em torno da partida de um familiar ou amigo.

Nunca houve preocupação ou interesse em procurar um tratamento ou uma vacina para o ébola. Ocorria em zonas remotas, em países subdesenvolvidos, e o rácio investimento – rentabilidade não compensava a enorme despesa de investigar uma vacina, um medicamento, que pudesse prevenir a doença e em segunda linha combatê-la no indivíduo afectado. Esta posição das grandes farmacêuticas está a mudar agora que a epidemia pode em breve ficar fora de controlo, segundo a OMS, e a ocorrência da infecção nos países desenvolvidos se vai acentuando.

 A forma como a comunidade internacional tem abordado a situação é preocupante e condenável. Se se tratasse da expansão da actividade da Al Qaeda ou do autoproclamado “Estado Islâmico do Iraque e do Levante” seguramente que os porta-aviões, os ataques aéreos, os mísseis de cruzeiro já andavam pelos ares queimando mais dinheiro numa semana que a ONU pede para fazer face ao surto do ébola que não está longe de causar, oficial e confirmadamente, cinco mil mortos.

As duas linhas de investigação em que os grandes laboratórios estão empenhados são a vacina preventiva e uma vacina que possa ajudar as pessoas infectadas. Ninguém fala em números, ou seja, no que irá custar desenvolver em tempo útil uma vacina e/ou um tratamento para a doença. Todavia o Banco Mundial prevê, se a doença não for trvada nos próximos meses, que o PIB da Libéria vai cair 12 por cento, da Serra Leoa 8,9 por cento, perdas extremamente graves para estes países. Contudo se a epidemia se espalhar a outros países vizinhos com maior população e economias mais pesadas o Banco Mundial estima perdas na economia da ordem dos 32,6 mil milhões de dólares. Números que podem mudar de forma drástica se se multiplicarem os casos em Espanha, EUA ou outra grande economia. O tratamento tem custos astronómicos, ninguém sabe quem vai pagar a conta de cinco milhões de dólares apresentada pelo hospital do Texas onde foi tratada uma das sobreviventes, uma enfermeira cuja terapia passou  na fase final do Texas para Bethesda. Os Governos não podem manter-se fora deixando aos privados o ataque à doença, desta vez não podem ficar “hands off” como muito gostam os seus amigos neoliberais.

Empresas farmacêuticas dos EUA, Canadá e Grã-Bretanha anunciaram que terão ou poderão ter 20 mil vacinas em Janeiro para iniciarem os testes em África. Por seu turno a Rússia não ficou para trás e fez saber que tem também em adiantada fase de desenvolvimento três vacinas para o ébola. A concorrência está em pleno, como gostam os neoliberais. Só que os preços das vacinas vão ter de ser controlados e para baixo, sobretudo porque os países consumidores são precisamente os mais pobres e não podem pagar os números disparatados que hoje se pedem por exemplo por vacinas da hepatite A, além disso os laboratórios beneficiaram bastante de investigação em unidades do Estado e em Universidades.

Lamentável para lá da discussão económica e política que decorre nos bastidores, é que os países com capacidade financeira e tecnológica para intervirem na prática ainda estão às voltas com projectos, com debates teóricos e pouco se tem feito no terreno. Só quando um novo caso de ébola surge na Europa ou EUA se volta às grandiloquentes manifestações de solidariedade e ao envio de um saco de pensos, ligaduras e uns soros entre dois mísseis sobre o Iraque e um embarque de armas para a oposição a Hafez Al Assad.

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