quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Espanha: Federalismo é solução para novo rei modernizar Estado espanhol 'engessado'



Filipe Figueiredo (*), São Paulo – Opera Mundi, opinião

Mesmo com consulta popular informal, apoio dos catalães à independência gera crise política, que se soma aos problemas econômicos da Espanha

No último domingo, 9 de novembro de 2014, o Governo da Generalitat da Catalunha realizou um processo de participação cidadã sobre o futuro político catalão. O termo usado é uma renomeação, já que o que era para ser um referendo sobre a independência da Catalunha tornou-se apenas uma votação simbólica, uma consulta popular. As ações do governo espanhol que levaram à suspensão do referendo e, após a consulta popular, demonstram a característica que é a gênese das cisões dentro das fronteiras espanholas: um Estado engessado e descompassado com o presente.

No dia 19 de setembro de 2014, o Parlamento da Catalunha aprovou a convocação de um referendo popular sobre a independência. Poderiam votar cidadãos espanhóis cujo documento de identidade registrasse residência na Catalunha; cidadãos espanhóis que fossem registrados como provenientes de uma municipalidade catalã; e qualquer cidadão não espanhol que comprovasse residência estável na Catalunha. A idade mínima seria de 16 anos de idade. Após a aprovação parlamentar, o Presidente da Catalunha, Artur Mas, decretou, em 27 de setembro, que o referendo seria realizado no dia 9 de novembro.

No mesmo dia, o governo da Espanha anunciou que deteria a iniciativa e apelaria para o Tribunal Constitucional da Espanha. Em 29 de setembro, apenas dois dias depois, a Corte fez a audição do caso e declarou que o referendo estava provisoriamente suspenso. Mesmo antes da decisão, o referendo não seria legalmente vinculante para o governo da Espanha, mas seria para o governo da Catalunha. Horas antes da decisão do Tribunal, o primeiro-ministro da Espanha, Mariano Rajoy, do Partido Popular, de centro-direita, afirmou que o referendo seria “um grave ataque aos direitos de todos os espanhóis” e violaria a Constituição, “baseada na indissolúvel unidade de todo o Estado espanhol”.

No dia 14 de outubro, Artur Mas anunciou que a votação ainda seria realizada, mas agora como uma consulta popular, o “processo de participação cidadã”. Mesmo essa inciativa simbólica foi alvo de ações do governo de Madri. No dia 4 de novembro de 2014, o Tribunal Constitucional da Espanha novamente suspendeu a votação; ou seja, a consulta simbólica realizada no último domingo foi, também, um ato de desafio à lei. Após a votação, o ministro da Justiça da Espanha, Rafael Catalá, também do PP, afirmou que a consulta era "simulação inútil e estéril" e que não era válida em um regime democrático.

As declarações de ambos os políticos possuem um peso exemplar, pois são feitas dentro de um Estado unitário. A Espanha é uma monarquia constitucional e unitária. Seu território é tido como único e indivisível. Todas as suas autoridades internas e divisões administrativas sendo meras delegações da autoridade central. Durante muito tempo, especialmente no regime de Francisco Franco, entre 1939 e 1975, esse foi o mecanismo legal da submissão das regiões espanholas ao governo de Madri. Após o processo democrático na Espanha, algumas regiões obtiveram alguma autonomia, mas isso ainda é percebido como uma concessão do governo central.

A Espanha não é um país homogêneo. Compreende ao menos três nacionalidades além da castelhana: catalães, bascos e galegos. Outras quatro comunidades possuem alguma especificidade de autonomia: Valência, Andaluzia, as Ilhas Baleares e as Ilhas Canárias. O castelhano é o idioma oficial do governo, mas o basco, o catalão e o galego são reconhecidos como oficiais dentro de suas comunidades, além de três outros idiomas regionais praticados, mas não reconhecidos como oficiais. A atual Constituição democrática espanhola, de 1978, “reconhece e garante o direito ao autogoverno das nacionalidades e regiões” que compõem a Espanha; entretanto, reafirma o estado unitário.

Dadas suas características históricas e o momento, seria imperativo uma modernização do estado espanhol, com a adoção de um modelo federalista. Diversos países são unitários, mas, à exceção dos territorialmente diminutos ou socialmente homogêneos, todos passam por disputas internas de autonomia. É o caso da Itália, com disputas fiscais internas, e do Reino Unido, como demonstrado no recente referendo sobre a independência da Escócia. Na Europa ocidental, o contraste com a estabilidade política da Alemanha, uma república federal, é cristalino. 

A demanda por modernização na Espanha ficou clara após a renúncia do rei Juan Carlos em favor de seu filho, coroado Felipe VI em 19 de junho de 2014. Em sua abdicação, Juan Carlos afirmou ser “o melhor momento para mudança” e que “o momento pede uma nova geração”. Demonstrações pedindo pela república ou declarações por mais autonomia regional logo se seguiram. Além disso, o momento da Espanha se soma crise política com crise da economia. No momento da transição da coroa, o índice de desemprego espanhol era de quase 25%, em um país que ainda sofre com a crise de 2008.

Com quase dois milhões e trezentos mil participantes, a consulta popular levou cerca de 80% dos eleitores possíveis a participarem. Um índice bastante expressivo, considerando que o referendo não tinha poder legal. Os participantes responderam duas questões: “Você quer que a Catalunha seja um estado?” e “Em caso afirmativo, um estado independente?”. Cerca de 80% respondeu sim para ambas as perguntas, 10% assinalaram sim na primeira pergunta e não na segunda e 4,5% responderam não. A ampla vitória da causa independentista certamente terá consequências nos discursos e nas eleições para o parlamento catalão, que provavelmente serão realizadas em janeiro.

Essa ampla vitória, entretanto, não necessariamente precisa ser apenas da causa independentista catalã. Pode ser uma vitória espanhola, caso as autoridades madrilenhas e o Rei Felipe VI tenham compreendido a mensagem dos cidadãos catalães. A Espanha precisa se modernizar. O presente não suporta um governo que negue o diálogo e a autodeterminação, ancorado em um suposto legalismo. Hoje é o povo catalão, amanhã, podem ser os bascos, depois, a dissolução da Espanha como ela é hoje. Uma Espanha federal, que reconheça seu caráter plurinacional e de plurilinguismo, garanta os direitos e autonomias internas, poderia ser a solução.

(*) Filipe Figueiredo é redator do Xadrez Verbal

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