O
filho do ministro da Energia e Águas, identificado apenas por Vado, juntamente
com três amigos e ainda com a ajuda de guardas, espancou brutalmente o
vice-presidente do Partido Popular, Francisco Luís Pascoal (foto), que foi em
seguida colocado no porta-bagagens de uma viatura e deixado junto a uma
esquadra policial.
Rafael
Marques de Morais - Maka Angola, em Folha 8 Diário
Ovice-presidente
do Partido Popular (PP), Francisco Luís Pascoal, de 43 anos, passou a noite de
sexta-feira a celebrar o casamento da filha de um colega e amigo no condomínio
Vila do Gamek, em Luanda.
Por
volta das 5h40 da manhã de sábado, ao volante do seu Toyota Starlet, o político
saiu do parque de estacionamento e, ao passar pela Rua 6, em direcção à saída
do condomínio, conta ter visto uma mulher a sair do estacionamento residencial
ao volante de uma viatura Toyota Prado. Tratava-se de Ana Paula Cabral Borges,
mulher do ministro João Baptista Borges.
“Encostei
o meu carro para deixá-la passar. Aí começou o meu problema”, conta.
“A
senhora ultrapassou-me e bloqueou-me a passagem. Perguntei o que se passava.
Ela acusou-me de ter riscado o seu carro.”
“Expliquei
que, caso tivesse causado algum dano, o meu carro tinha o seguro em dia e
poderíamos falar com calma. Informei-a de que vinha do casamento da filha do
Dr. David Mendes.” Célebre advogado dos direitos humanos, David Mendes é também
presidente do PP, partido político sem assento parlamentar.
“Aí
começou o meu calvário. A senhora disse-me: ‘Ainda bem que você fala nesse
senhor da oposição. Nós somos do MPLA.’ E mostrou-me o cartão de membro do
MPLA”.
“Eu
assumi que não era do MPLA, mas sim da oposição”, explica Francisco Luís
Pascoal.
“A
senhora mandou o filho e mais três amigos deste, que se encontravam a beber na
rua, espancarem-me. A mulher do ministro disse aos jovens: ‘Dão-lhe mesmo. Ele
não é nada. Nós somos do MPLA.’”
“O
filho, que conheço apenas por Vado, disse-me: ‘Você caiu na armadilha. Fez-me
cair. Eu agarrei-o pela camisola e ele caiu comigo. Os outros agarraram-me
pelas mãos e começaram a espancar-me ali mesmo, diante da casa do ministro.”
De
acordo com a narrativa do político, um dos jovens tentou sufocá-lo, apertando-o
“com toda a violência na garganta, com o braço”, na posição coloquialmente
conhecida como “cafrique”. “Continuo com lesões no pescoço”, queixa-se
Francisco Luís Pascoal.
Quando
apelou ao civismo, o filho do ministro mandou-o calar a boca. “Disse-me que
nós, os da oposição, é que estamos a destruir o país. Aí respondi que teriam de
me matar ali mesmo.”
Foi
nessa altura que, de acordo com o seu depoimento, um dos jovens começou a
pontapeá-lo na cabeça (calçava botas) e a pisá-lo no lado do olho esquerdo,
conforme revelam os ferimentos no rosto.
Para
além da cabeça, o político relata que os agressores elegeram os seus órgãos
genitais como alvo para uma série de pontapés e golpes.
Francisco
Luís Pascoal implorou para que a família do ministro Borges acabasse com a
violência. Debalde. “Soltaram os cães para me morderem. Corri para o carro,
tirei um frasco para limpeza de vidros, apontei contra os cães e afugentei-os.”
Os
guardas do condomínio, que pertence ao Ministério da Energia e Águas,
responderam à chamada do filho do ministro e reforçaram a pancadaria contra a
vítima, como esta conta.
“Eu
já estava inconsciente quando me colocaram no porta-bagagens de uma viatura
[Volvo].”
Convicto
do seu poder enquanto filho de um ministro, Vado conduziu o seu prisioneiro à
esquadra policial do projecto residencial Nova Vida, a menos de dois
quilómetros da Vila do Gamek. Exigiu a detenção do político, a quem se referia
como “cabrão”.
Segundo
Francisco Luís Pascoal, o oficial de serviço da esquadra policial não fez
qualquer anotação da ocorrência, nem questionou o facto de a vítima ter sido
transportada, como um embrulho, no porta-bagagens.
Ali
deixado, Francisco Luís Pascoal tentou apresentar queixa contra o seu agressor,
mas foi informado de que a esquadra do Nova Vida não tinha jurisdição sobre a
Vila do Gamek.
Já
na esquadra do Rocha Pinto, encontrou pronta resposta. Um patrulheiro
acompanhou-o à residência do ministro para proceder à investigação do caso.
No
local, conta que Vado, tratando-o sempre como “cabrão”, o acusou de ter riscado
o carro da família e de ter desrespeitado a mãe.
“O
Vado informou a polícia de que eu estava numa festa da oposição e que não nos
queria aí [na Vila do Gamek]. Frente à polícia, disse-me que eu é que devia
estar preso. Voltou a chamar-me cabrão. Um agente que estava a ouvir a conversa
interveio para mandá-lo calar, e só nessa altura decidiram detê-lo.”
Mas,
antes que isto acontecesse, “o patrulheiro teve de ficar à espera, enquanto o
Vado lavava os seus cães e fazia outras coisas”, conta.
Já
na 20ª Esquadra, do Bairro Huambo, no Rocha Pinto, os oficiais de serviço
viram-se confrontados por uma delegação policial de altas-patentes, incluindo a
escolta do ministro, que em nome deste intercedeu para a libertação do jovem.
Diante
da delegação, mais uma vez, o jovem invocou o seu estatuto de “filho de
ministro” e ditou, segundo, o político, a sua decisão segundo a qual “este
cabrão [o político da oposição] é que deve estar preso”.
Nessa
altura, um oficial de serviço perguntou-lhe se tal comportamento era digno do
filho de um ministro, e mandou o jovem recolher à cela.
Maka
Angola contactou um dos agentes envolvidos na operação, que, por sua vez,
indicou o piquete da investigação criminal para que se pronunciasse sobre o
caso. O piquete passou a bola para o Comando Provincial da Polícia Nacional, em
Luanda, cujo porta-voz não tem respondido às chamadas desde domingo passado.
“Depois,
apareceu um branco de calções, que, sem ter mostrado qualquer documento,
afirmou ser o advogado do jovem.”
Segundo
o depoimento de Francisco Luís Lopes, o referido advogado considerou as lesões
corporais do agredido como “normais”, e solicitou a libertação de Vado.
Durante
todo esse processo, a mãe do “filho do ministro” encontrava-se presente. Em
defesa de Francisco Luís Lopes, fazia-se presente o advogado David Mendes. Este
perguntou ao representante legal da família Borges como se sentiria se tivesse
levado várias “galhetas”.
O
advogado David Mendes manifestou a sua posição, segundo a qual intentaria uma
acção judicial contra os responsáveis policiais, caso estes libertassem
imediatamente o jovem, antes de este ser ouvido pelo procurador.
Entretanto,
Francisco Luís Pascoal conta que um dos guardas do ministro se aproximou dele e
lhe propôs, em nome do seu chefe, uma “oferta” de US $1200 “para abafar o
caso”.
Numa
tentativa mais conciliadora, consta que o ministro Borges pediu para falar ao
telefone com David Mendes, tendo este recusado.
Maka
Angola tentou, sem sucesso, contactar a família do ministro para ouvir a sua
versão dos acontecimentos.
Os
efectivos da Polícia Nacional fizeram uma avaliação, no local, às duas
viaturas, para averiguarem sobre o alegado acidente. “Não encontraram indícios de
que o meu carro tivesse riscado o Toyota Prado”, afirma o agredido.
Para
além da agressão, o político reclama ter ficado sem US $300 e mais 20 mil
kwanzas que se encontravam na viatura, que havia sido retida por Vado junto à
casa do ministro, e com as portas destrancadas.
Durante
a sua presença na esquadra, “por ordem do Sr. Chefe do Departamento da DNIC
[Direcção Nacional de Investigação Criminal], Francisco Luís Pascoal foi
notificado para comparecer no Laboratório Central de Criminalística, a 8 de
Dezembro, pelas 6h00, para ser submetido a exame médico forense”. O
aviso-notificação tem assinatura ilegível do subchefe do mesmo departamento.
Entretanto,
quando Francisco Luís Pascoal se encontrava já na sua residência, por volta das
20h00, foi confrontado por uma equipa da investigação criminal, que exigiu que
aquele os acompanhasse para ser observado por um médico naquela noite, e sob
pena de ser detido caso recusasse.
O
chefe de missão entregou-lhe o aviso-notificação “por ordem do Exmo. Sr. Chefe
de Piquete da DPIC [Direcção Provincial de Investigação Criminal] para
“comparecer no Laboratório Central de Criminalística, no dia 6 de Dezembro de
2014, pelas 18h00, a fim de ser submetido a exame médico forense”. Esse
documento foi assinado pelo chefe de piquete, Adolfo Henriques.
Em
ambos os documentos, a nota de observação é a mesma: “A falta é punida nos
termos da lei.”
Já
no laboratório, “a médica perguntou-me o que estava eu ali a fazer. Disse que
tinha sido obrigada a sair de casa para observá-lo àquela hora, 21h00. O director
da DPIC também estava presente e mais uma equipa”. O político conta que a
médica o obrigou a despir toda a roupa, “incluindo as cuecas, e fui observado
ali diante de todo o mundo”.
O
relatório da médica, conforme documento a que o Maka Angola teve acesso,
remeteu para outros especialistas a responsabilidade de emitir um relatório
médico:
“Observado
para uma avaliação completa do dano corporal e das consequências resultantes do
evento em apreço, recomendo a vítima para recorrer a especialidades de oftalmologia
e urologia, a fim de ser submetido a avaliação clínica detalhada e posterior
emissão de relatório médico”, lê-se na análise da médica Temangani.
No
domingo, 7 de Dezembro, por volta das 9h00, o procurador junto da DPIC, no
distrito da Maianga, procedeu ao despacho de soltura do jovem Vado.
Segundo
fonte policial, o processo contra o filho do ministro nem sequer tinha sido
numerado pela investigação criminal, que deveria ter remetido para despacho do
procurador apenas na segunda-feira.
“No
domingo, por norma, não há procurador de piquete. Foram buscar o procurador a
casa, apenas por se tratar do filho de um ministro. A polícia, mais uma vez,
foi desautorizada quando se tratou de proteger os abusos dos maiorais”, lamenta
a fonte sob anonimato.
Francisco
Luís Pascoal já experimentara anteriormente a brutalidade policial, tendo sido
detido três vezes, em 2003 e 2004, por distribuir panfletos anti-regime e
organizar manifestações conjuntas com o então PADEPA. Mas considera que “ter
sido tratado como cabrão e espancado pelo filho de um ministro, com a mãe a
mandar, foi a pior humilhação da minha vida”.
Com
a voz afectada pelo “cafrique” e com dificuldades visuais, devido ao olho ainda
inflamado, Francisco Luís Pascoal rebusca nas suas pastas de arquivo os panfletos
que elaborava há dez anos. Para a marcha convocada para 17 de Junho de 2004,
contra a corrupção dos governantes, provocava: “Só para ver que os cães
pertencentes aos dirigentes do MPLA se alimentam melhor do que o recurso
fundamental deste país, o homem.”
Sobre
o filho e a esposa do ministro João Baptista Borges, o político diz que vai
“até às últimas consequências. Só peço justiça”.
No
seu discurso de encerramento do congresso do MPLA, a 6 de Dezembro último, o
presidente do partido que governa Angola há 39 anos, José Eduardo dos Santos,
falou sobre a necessidade de se adoptar um código de ética partidária.
“Neste
sentido, podemos começar a reflectir sobre a possibilidade de adoptarmos no
próximo congresso um Código de Ética Partidária, que estabeleça a postura
individual dos militantes, as relações entre si e com o seu meio social, e a
sua conduta no local do trabalho e no seio da família”, afirmou o presidente.
A
família Borges usou o cartão de militante do MPLA para espancar um opositor no
mesmo dia em que o presidente do MPLA falou de ética. Quem respeita o
presidente? Para que servirá um código de ética partidária, quando os
dirigentes do MPLA e seus familiares agem acima da lei, com arrepiante
impunidade?
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