Contabilista
acusou Ricardo Salgado de estar a par da falsificação da contabilidade do GES
Margarida
Vaqueiro Lopes – jornal i
Advogados
luxemburgueses da Espírito Santo International, holding do GES, demitiriam-se
em Abril com denúncias de práticas criminais após conversa com o contabilista
Machado da Cruz
Os
advogados da sociedade luxemburguesa Arendt & Medernach demitiram-se em
Abril de 2014, logo depois de terem entregado à Espírito Santo International
(ESI) um parecer sobre o diferencial das contas da instituição desde 2008 onde
apontavam para a existência de práticas criminais.
No
documento da sociedade de advogados, a que o i teve acesso, lê-se que após uma
reunião com o contabilista da ESI, Francisco Machado da Cruz – e cuja
transcrição os advogados anexaram ao documento –, parecia que “os erros nas
contas e a ausência de preparação nos resultados consolidados da ESI podem não
ser o resultado de mera negligência, mas de uma ocultação intencional de perdas
que, de outra forma, a ESI teria de ter reportado desde 2008” . Ora, escrevem, “isto
constitui prática criminal segundo a lei do Luxemburgo”. A Arendt &
Medernach escreve ainda que se referiu ,“na apresentação global feita junto dos
administradores da ESI, à descrição geral de algumas destas práticas
criminais”.
O
parecer, datado de 31 de Março de 2014, nota ainda que, “dada a seriedade
desses crimes”, é preciso “chamar a atenção para o artigo 140.o do Código Penal
do Luxemburgo, que determina que ‘o facto de algumas pessoas terem conhecimento
de um crime cujos efeitos ainda seja possível prevenir ou limitar, ou de que
perpetradores desse crime ainda possam cometer novos crimes que possam ser
evitados, e não informarem as autoridades judiciais ou administrativas, é
punível por pena de prisão de um a três anos e uma multa que pode variar entre
os 251 e os 45 mil euros’”.
“Alguns
directores da ES Control e /ou da ESI têm agora conhecimento da existência de
contas potencialmente falsificadas, o que constitui prática criminal. E têm
também conhecimento de que essa falsificação pode continuar a acontecer no
futuro. Isso poderá, como consequência, obrigar a que as empresas, ou os responsáveis
das mesmas, informem o Ministério Público de tais actos criminais”, escrevem os
mesmos advogados, que salientam que essa obrigação desaparece, no entanto, se
se der o caso de “a empresa ou os seus directores revelarem factos que os
incriminem (nesse caso, não há obrigatoriedade de reporte das práticas de
crime)”.
No
mesmo parecer, a Arendt & Medernach nota que tudo indica que “a ESI tem
sido vítima de falsificação intencional, cometida por um número aparentemente
limitado de pessoas, incluindo possivelmente os seus directores e o seu
auditor” – no caso, Francisco Machado da Cruz.
O
comissaire aux comptes, como Ricardo Salgado lhe chamou, revelou aos advogados
da Arendt & Medernach, numa reunião a 28 de Março de 2014, que a
falsificação das contas era feita com o conhecimento superior, tal como viria
depois a confirmar em
público. Questionado pelos advogados luxemburgueses sobre
quem fazia a revisão das contas anuais da ESI, durante a sua preparação, e
sobre quem aprovava a versão final a ser apresentada aos administradores da
holding, Machado da Cruz foi peremptório: “Somente Ricardo Salgado e José
Castella”, o controller financeiro do Grupo Espírito Santo (GES). Mas faltava
acrescentar um nome à lista das pessoas que, desde 2008, tinham conhecimento
desta ocultação do passivo da ESI: Manuel Fernando Espírito Santo Silva, membro
do conselho superior. Machado da Cruz afirmou aos advogados que desconhecia se
tanto Salgado quanto Manuel Espírito Santo saberiam dos montantes em causa, mas
garantiu que sabiam da maquilhagem das contas.
Na
transcrição da reunião que Machado da Cruz teve com os advogados, e a que o i
também teve acesso, houve uma questão que se destacou: como é que o
contabilista, que os advogados reconheceram ter profundo conhecimento da
contabilidade da ESI, não viu passar 1,3 mil milhões de euros em obrigações – o
tal buraco que foi descoberto no início de 2014 pelas autoridades. E a essa
pergunta juntam-se mais duas: há muito tempo que as obrigações não são
contabilizadas? Onde está o dinheiro?
Ocultação
Vs. lealdade
Machado da Cruz explicou que desde 2008 que era retirado do
balanço o montante das obrigações emitidas. “No final de 2013 chegámos aos 1,3
mil milhões.” Segundo os advogados, o contabilista “estava consciente do que
estava a acontecer, mesmo não sendo um acto correcto. Durante a crise de 2008
era preciso salvar o BES. Era a jóia da coroa. Ricardo Salgado queria salvar o
BES” e sabia que podia contar com Machado da Cruz, lê-se na transcrição, onde o
contabilista revela também como era feita a ocultação do passivo. A título de
exemplo: “Em 2008 houve a crise e a ESI começou a ter perdas. Como ‘apagar’
essas perdas? Ou aumentamos os activos ou deixamos de colocar o passivo.” Assim
sendo, em 2008 não se registaram 180 milhões de euros de passivo. “Era preciso
fazê-lo por uma questão de lealdade ao grupo. Se em 2008 as perdas da ESI
fossem de 180 milhões de euros, era provável que o BES tivesse sido
intervencionado pelo Estado. E haveria complicações para o grupo inteiro. Por
isso decidimos salvar o grupo. Hoje, o BES é um banco sólido, mas foram
necessários alguns sacrifícios para lá chegar”, revelou Machado da Cruz.
Este
parecer chegaria, pela mão de José Maria Ricciardi, ao Banco de Portugal (BdP)
em Maio de 2014. O primo de Salgado pretendia mostrar ao regulador que não
tinha qualquer responsabilidade na falsificação das contas da ESI, ao contrário
do que o então presidente do BES sinalizara em entrevista ao “Jornal de
Negócios”, onde atribuiu responsabilidades aos vários ramos da família. A carta
de Ricciardi, que apresentava o parecer da Arendt & Medernach, foi
endereçada ao vice-governador do BdP, Pedro Duarte Neves, e apontava para o
facto de este documento “ter circulado por várias pessoas e entidades ligadas
ao Grupo Espírito Santo”.
*Titulo PG
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