terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Portugal – BES: SALGADO TENTA LIMPAR-SE MAS A SUJEIRA É MAIS QUE MUITA




Contabilista acusou Ricardo Salgado de estar a par da falsificação da contabilidade do GES

Margarida Vaqueiro Lopes – jornal i

Advogados luxemburgueses da Espírito Santo International, holding do GES, demitiriam-se em Abril com denúncias de práticas criminais após conversa com o contabilista Machado da Cruz

Os advogados da sociedade luxemburguesa Arendt & Medernach demitiram-se em Abril de 2014, logo depois de terem entregado à Espírito Santo International (ESI) um parecer sobre o diferencial das contas da instituição desde 2008 onde apontavam para a existência de práticas criminais.

No documento da sociedade de advogados, a que o i teve acesso, lê-se que após uma reunião com o contabilista da ESI, Francisco Machado da Cruz – e cuja transcrição os advogados anexaram ao documento –, parecia que “os erros nas contas e a ausência de preparação nos resultados consolidados da ESI podem não ser o resultado de mera negligência, mas de uma ocultação intencional de perdas que, de outra forma, a ESI teria de ter reportado desde 2008”. Ora, escrevem, “isto constitui prática criminal segundo a lei do Luxemburgo”. A Arendt & Medernach escreve ainda que se referiu ,“na apresentação global feita junto dos administradores da ESI, à descrição geral de algumas destas práticas criminais”.

O parecer, datado de 31 de Março de 2014, nota ainda que, “dada a seriedade desses crimes”, é preciso “chamar a atenção para o artigo 140.o do Código Penal do Luxemburgo, que determina que ‘o facto de algumas pessoas terem conhecimento de um crime cujos efeitos ainda seja possível prevenir ou limitar, ou de que perpetradores desse crime ainda possam cometer novos crimes que possam ser evitados, e não informarem as autoridades judiciais ou administrativas, é punível por pena de prisão de um a três anos e uma multa que pode variar entre os 251 e os 45 mil euros’”.

“Alguns directores da ES Control e /ou da ESI têm agora conhecimento da existência de contas potencialmente falsificadas, o que constitui prática criminal. E têm também conhecimento de que essa falsificação pode continuar a acontecer no futuro. Isso poderá, como consequência, obrigar a que as empresas, ou os responsáveis das mesmas, informem o Ministério Público de tais actos criminais”, escrevem os mesmos advogados, que salientam que essa obrigação desaparece, no entanto, se se der o caso de “a empresa ou os seus directores revelarem factos que os incriminem (nesse caso, não há obrigatoriedade de reporte das práticas de crime)”.

No mesmo parecer, a Arendt & Medernach nota que tudo indica que “a ESI tem sido vítima de falsificação intencional, cometida por um número aparentemente limitado de pessoas, incluindo possivelmente os seus directores e o seu auditor” – no caso, Francisco Machado da Cruz.

O comissaire aux comptes, como Ricardo Salgado lhe chamou, revelou aos advogados da Arendt & Medernach, numa reunião a 28 de Março de 2014, que a falsificação das contas era feita com o conhecimento superior, tal como viria depois a confirmar em público. Questionado pelos advogados luxemburgueses sobre quem fazia a revisão das contas anuais da ESI, durante a sua preparação, e sobre quem aprovava a versão final a ser apresentada aos administradores da holding, Machado da Cruz foi peremptório: “Somente Ricardo Salgado e José Castella”, o controller financeiro do Grupo Espírito Santo (GES). Mas faltava acrescentar um nome à lista das pessoas que, desde 2008, tinham conhecimento desta ocultação do passivo da ESI: Manuel Fernando Espírito Santo Silva, membro do conselho superior. Machado da Cruz afirmou aos advogados que desconhecia se tanto Salgado quanto Manuel Espírito Santo saberiam dos montantes em causa, mas garantiu que sabiam da maquilhagem das contas.

Na transcrição da reunião que Machado da Cruz teve com os advogados, e a que o i também teve acesso, houve uma questão que se destacou: como é que o contabilista, que os advogados reconheceram ter profundo conhecimento da contabilidade da ESI, não viu passar 1,3 mil milhões de euros em obrigações – o tal buraco que foi descoberto no início de 2014 pelas autoridades. E a essa pergunta juntam-se mais duas: há muito tempo que as obrigações não são contabilizadas? Onde está o dinheiro?

Ocultação Vs. lealdade 

Machado da Cruz explicou que desde 2008 que era retirado do balanço o montante das obrigações emitidas. “No final de 2013 chegámos aos 1,3 mil milhões.” Segundo os advogados, o contabilista “estava consciente do que estava a acontecer, mesmo não sendo um acto correcto. Durante a crise de 2008 era preciso salvar o BES. Era a jóia da coroa. Ricardo Salgado queria salvar o BES” e sabia que podia contar com Machado da Cruz, lê-se na transcrição, onde o contabilista revela também como era feita a ocultação do passivo. A título de exemplo: “Em 2008 houve a crise e a ESI começou a ter perdas. Como ‘apagar’ essas perdas? Ou aumentamos os activos ou deixamos de colocar o passivo.” Assim sendo, em 2008 não se registaram 180 milhões de euros de passivo. “Era preciso fazê-lo por uma questão de lealdade ao grupo. Se em 2008 as perdas da ESI fossem de 180 milhões de euros, era provável que o BES tivesse sido intervencionado pelo Estado. E haveria complicações para o grupo inteiro. Por isso decidimos salvar o grupo. Hoje, o BES é um banco sólido, mas foram necessários alguns sacrifícios para lá chegar”, revelou Machado da Cruz.

Este parecer chegaria, pela mão de José Maria Ricciardi, ao Banco de Portugal (BdP) em Maio de 2014. O primo de Salgado pretendia mostrar ao regulador que não tinha qualquer responsabilidade na falsificação das contas da ESI, ao contrário do que o então presidente do BES sinalizara em entrevista ao “Jornal de Negócios”, onde atribuiu responsabilidades aos vários ramos da família. A carta de Ricciardi, que apresentava o parecer da Arendt & Medernach, foi endereçada ao vice-governador do BdP, Pedro Duarte Neves, e apontava para o facto de este documento “ter circulado por várias pessoas e entidades ligadas ao Grupo Espírito Santo”.

*Titulo PG

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