Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Ao
ver a forma brava, quase justiceira, como alguns deputados espicaçaram os
tubarões do BES - numa sessão parlamentar que animou as tardes de tantas donas
de casa com televisão por cabo -, dei por mim a pensar: será que a missão desta
comissão de inquérito devia ficar reduzida à diabolização da culpa? É isto que
nos interessa realmente saber, com mais ou menos detalhes rocambolescos? A
culpa, de quem é a culpa?
Pela
amostra conhecida, suspeito que teremos mais entretenimento do que
esclarecimento. Ora vejam: Ricardo Salgado não instruiu ninguém para ocultar o
passivo nem se apoderou indevidamente de um tostão; José Maria Ricciardi
passava o ano em viagens e está "cansado de pagar" por erros que não
cometeu; Morais Pires, braço-direito de Salgado, apontou o dedo a Ricciardi e
negou ser o "faz-tudo", e Pedro Queiroz Pereira, presidente da Semapa
e detentor de uma participação no Grupo Espírito Santo (GES), exibiu uma
soberba ainda mais requintada, ao garantir ter previsto a tragédia no
"início do século".
Quanto
à culpa, estamos conversados. As versões dos intervenientes foram, no
essencial, desencontradas, umas mais ricas em metáforas do que outras, é certo.
Todas, sem exceção, exaustivas ao ponto de nos cansar e de nos deixar
aturdidos. Como convém quando há muita coisa por esclarecer e muita coisa para
esconder.
Também
por isso, não acredito que os que ainda vão sentar-se na cadeira mais famosa da
história recente do Parlamento consigam ser definitivos na identificação da
raiz dos males que, durante tantos anos, vieram por bem. Nem que lhes injetem
um soro da verdade.
Portanto,
sabermos de quem foi a culpa só é fundamental se isso contribuir para revelar o
impacto coletivo da solução encontrada. No fundo, preocupa-me mais saber se,
mais uma vez, o Estado não vai ser um dano colateral da borrasca; se o desfecho
imposto ao BES foi o menos lesivo dos interesses públicos e se o regulador do
setor vai, finalmente, agir mais como polícia de choque e menos como consultor
sentimental.
O
resto, quer parecer-me, sendo importante esclarecer, não passará de boa
televisão. Basta notar que as primeiras campainhas sobre a exposição do BES ao
GES soaram em 2001, espraiadas numa auditoria interna. Sim, isso foi há 13
anos.
Se
o poder não se tivesse esboroado de dentro para fora, resultado de uma zanga
entre primos, ainda hoje Ricardo Salgado era o "dono disto tudo". E
nós continuaríamos inocentemente vigilantes. Não havia culpados. Nem culpa.
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