Rui
Peralta, Luanda (ler textos anteriores)
V
- A extrema-direita cubana é constituída por personagens rocambolescas (igual á
direita cubana, mais culta e bem falante, excepto os populistas), mas todos
eles caracterizados por um comportamento agressivo e uma violência patológica.
São personagens ligados ou oriundos do submundo do crime, na sua maioria
residindo em Miami, onde se refugiaram.
Aliás Miami conta no seu portfólio turístico
com esta mancha, criada logo após o triunfo da Revolução Cubana. Ex-ministros e
funcionários de Baptista, bufos e torcionários, carniceiros e playboys,
burgueses, latifundiários e proxenetas encontraram-se em Miami e aí planearam
as suas quixotescas aspirações de um dia "regressarem á sua Cuba, que
linda es", traçando os trilhos da contrarrevolução.
Muita
dessa gente foi contratada pela CIA, treinados pela CIA, alimentados e
avençados pela CIA, participaram, alguns ainda miúdos sem barba, na invasão da
Baia dos Porcos, depois disso utilizados pela CIA na América do Sul, na
Operação Condor (outros surgem no Vietname como mercenários), todos eles
ligados a histórias tenebrosas como o assassinato do presidente JF Kennedy ou o
caso Irão-Contras. Uma dessas figuras é Luís Posada Carriles, residente em
Miami, sob protecção do governo norte-americano.
Posada
Carriles possui um vasto historial de actos terroristas contra Cuba, mesmo em
solo norte-americano. Foi responsável pela destruição de um avião das linhas aéreas
cubanas, em 1976, na Venezuela e um dos cabecilhas, em Miami, das acções
bombistas efectuadas nos hotéis Havana. Um dos seus parceiros é Orlando
Bosh, cujo nome aparece em diversas acções terroristas com cobertura da CIA. Os
irmãos Novo Sampoli envolvidos no homicídio de Orlando Letelier, em Washington
são outros destes "combatentes da liberdade" protegidos pelo
imperialismo. Um dos mais tenebrosos mercenários da extrema-direita cubana é
José Basulto, fundador dos Brothers to the Rescue. Participou na invasão da
Baia dos Porcos e participou em diversas acções de infiltração da CIA. Em 1902
tentou destruir centrais elétricas cubanas e o sei nome aparece, mais tarde,
envolvido nas tentativas de aquisição de um avião L-39, checo e de um MIG-23.
Mas
para além da cobertura e do apoio logístico e financeiro da CIA, NSA e
Pentágono, a extrema-direita cubana conta com cobertura legal da Cuban American
National Foundation, com fortes ligações em Washington e cujos poderosos lobys
estão enraizados nos corredores do Congresso, do Senado e da Casa Branca. A
Fundação financia as campanhas eleitorais dos diversos representantes
conservadores cubano-americanos e conta, no seu numeroso órgão directivo, com
nomes como Ileana Ros e Lincoln Diaz-Bálart.
Observando
a estrutura fascistoide que a CIA criou para combater a revolução cubana e a escória
com que trabalha torna-se fácil adivinhar o "modelo" que a burguesia
norte-americana pretende impor em Cuba: um imenso casino flutuante, cujos
porteiros são os gangsters como Bosh, Carriles e Basulto e os croupiers os
senadores cubano-americanos da direita conservadora. O resto serão os bordéis,
os hotéis e Guantánamo. É a Cuba do Imperio, governada pelos lobos, feita
para lobos e guardada pelos lobos...
VI
- A normalização das relações entre ambos os Estados será um processo longo,
não linear, com avanços e recuos, constituído por longos períodos de
consolidação, momentos de estagnação e curtos períodos de avanços quantitativos
e qualitativos. É um processo que depende das dinâmicas internas de cada uma
das sociedades e que gerará por si novos factores nas respectivas dinâmicas. É
natural que o aprofundamento das relações económicas entre dois países
separados por 90 milhas marítimas seja um factor criador de tensões internas,
particularmente quando as orientações políticas caminham em sentidos opostos e
as assimetrias económicas são acentuadas. Estas tensões nos USA
manifestar-se-ão nas elites económicas e politicas e em alguns sectores da
classe média alta da comunidade cubano-americana, mas em Cuba o processo poderá
gerar tensões em todos os sectores da sociedade, especialmente ao nível dos
trabalhadores e das camadas mais afectadas pelo embargo e pelas reformas em curso. Estas tensões
serão agravadas ainda mais pela ausência de organizações autónomas de classe.
A
questão dos bandos terroristas da extrema-direita cubana, apêndices da CIA e
com ligações poderosas nos corredores do poder em Washington será com certeza
um ponto de forte discussão e da sua resolução dependerá, em grande medida o
desenrolar do processo. A actuação destes bandos, a impunidade que gozam nos
USA e os apoios institucionais de que beneficiam, constitui um caso de ingerência
nos assuntos internos cubanos, um acto de desestabilização politica e social e
um atentado á soberania nacional da Republica de Cuba.
E
a este nível convém referir que os USA anseiam pelo estabelecimento de relações
de cooperação com Cuba no âmbito da luta contra o terrorismo. No entanto será
de recordar que a concepção de terrorismo dos USA parece não abranger os grupos
fascistoides cubanos residentes em território norte-americano, ou que Cuba (apesar
das indicações de Obama ainda não foi afastada da lista dos Estados
patrocinadores do terrorismo, ou que organizações populares aliadas de Cuba,
como as FARC-EP na Colômbia são consideradas terroristas.
Um
dos exemplos desta dissonância é o caso de Assata Shakur, uma militante do
Black Panther Party, refugiada em Cuba desde 1984, acusada pelo Estado de New
Jersey e pelo FBI de homicídio. O assunto remonta a 1973, quando no âmbito de
um programa de eliminação do movimento dos Panteras Negras, o COINTELPRO (cujo
objectivo era o descrédito do movimento, associando-o ao narcotráfico e a
eliminação física dos lideres do Partido) a residência onde se encontrava
Assuta e o seu companheiro, Zayd Malik Shakur, foi cercada pelas forças de
segurança do Estado de New Jersey. Do tiroteio resultou a morte de um polícia e
de Zayd. Assuta conseguiu escapar e andou s monte até conseguir refúgio em
Cuba, 11 anos depois. No entanto foi julgada e condenada á revelia. O Estado de
New Jersey paga um premio de 10 milhões de USD pela sua captura e o FBI
colocou-a na lista dos mais procurados.
Aproveitando
a ocasião o Estado de New Jersey já indicou a sua intenção de levar o assunto
para as negociações. Não é de esperar que Cuba entregue a activista negra
norte-americana (se o fizer é porque o verde-oliva já debotou e agora é
verde-legionário). Assuta não é terrorista, ao contrário de Bosh, Carriles e
outros psicopatas a soldo da CIA. Assuta agiu em defesa própria, viu o seu
companheiro ser abatido, reagiu a um acto ilegítimo de coerção de liberdade
politica e de violência de Estado. Não cometeu qualquer acto de terrorismo, não
violou o direito internacional, não era nenhuma mercenária a trabalhar para uma
potência estrangeira, nem fez perigar a soberania nacional e a integridade territorial
dos USA.
Assuta
exerceu um direito constitucional e efectuou um acto de cidadania, ao
defender-se do terrorismo de Estado. E como parece que os fundadores dos USA
desconfiavam que os seus incautos sucessores poderiam enveredar por eventuais
trilhos pouco recomendáveis, garantiram o direito a resistir contra actos de
terrorismo de Estado...
VII
- Outra questão relacionada com a normalização das relações entre os dois países
é reintegração de Cuba nas instituições regionais e continentais americanas. Já
em 2012, na Cimeira das Américas, realizada em Cartagena, Colômbia, os Estados
latino-americanos votaram favoravelmente á participação de Cuba na próxima
Cimeira, a realizar este ano no Panamá. Os USA e o Canadá votaram contra,
ficando isolados e Cuba obteve uma importante vitória política e diplomática,
para desespero dos sectores conservadores cubano-americanos. Os senadores
Robert Menendez, democrata de New Jersey e os republicanos Marco Rubio, da
Florida e Ted Cruz, do Texas (estes dois últimos candidatos às presidenciais),
exigem desde então que os USA não participem na Cimeira, ao que a administração
Obama responde que a participação norte-americana é fundamental e tenta
apaziguar os espíritos "calientes" da direita cubano-americana argumentando
que o governo cubano participa na Cimeira mas que os dissidentes estarão
presentes no fórum paralelo á cimeira, para a sociedade civil, que realiza-se
desde 2001, iniciado com a Cimeira do Québec.
Para
Cuba as perspectivas abertas pela normalização representam uma nova fase. No
momento em que ocorre um processo de renovação no aparelho político e
institucional e em que são efectuadas algumas reformas no aparelho económico, a
normalização representa um balão de oxigénio, é certo, mas também representa o início
de um período de agudização de conflitos e interesses, de intensidade da luta
de classes, sentida a todos os níveis da sociedade cubana. E isto porque o
processo de normalização corresponde, também a um período de aumento das
tensões nos USA, ou seja, da luta de classes na sociedade norte-americana.
Quando a administração Obama refere o fracasso do embargo e da guerra económica
contra Cuba, está a dizer que as novas camadas da burguesia norte-americana
necessitam de arrumar a casa, em função das novas realidades geoeconómicas,
assentes no Pacifico. E arrumação da casa passa pelo re-arrumar as relações com
a vizinhança periférica. Principalmente quando a periferia vai ser
reposicionada na economia-mundo, em função do espaço em que está inserida.
O
Caribe, no Atlântico, vai assumir novas funções, criadas pelos fluxos do
Pacifico...
VIII
- A revolução cubana ocorreu em 1959. Um cidadão cubano que na época tivesse 20
anos tem agora 75 ou 76 anos. Um que tivesse nascido no dia da revolução tem 55
anos. Os acontecimentos de Mariel ocorreram em 1980. O cidadão que tinha 20
anos no ano zero da revolução estava com 40 ou 41 anos e o que nasceu no dia da
revolução estava com 21 anos. Este cidadão colocou-se num barco ou num pneu
flutuante e navegou as 90 milhas de mar até aos USA. O seu filho nascido em
território norte-americano tem, hoje, 35 anos e é norte-americano.
Todo
este enredo é para exemplificar uma outra problemática que sofrerá
desenvolvimentos com a normalização. Para Cuba a emigração, para os USA a imigração,
para ambos os cubano-americanos e os norte-americanos descendentes de cubanos.
Esta é uma realidade que tem de pesar na normalização, porque é uma realidade objetiva
- são pessoas - e por muitos estigmas sociais que tenham sido criados em torno
da sua vivência, é um assunto que tem de ser tratado no âmbito da cidadania e
dos direitos dos cidadãos o que desemboca nos Direitos Humanos. Os emigrantes
cubanos nos USA (ou em qualquer outro país) são emigrantes como todos os
outros. Não são massas contrarrevolucionárias, "anticastristas",
"anticomunistas", nem são vítimas do "castrismo", ou da
"tirania comunista" e do "socialismo tropical". Nada disso!
Também não são "marginais", criminosos ou narcotraficantes, conforme
acontece na distorção hollywoodesca ou nas mentes deprimidas e aterrorizadas
dos que vivem stressados pelo aumento da criminalidade. Nem, muito menos,
espiões da CIA ou da inteligência cubana, conforme a psicopatologia da
segurança nacional distorce. São gente que trabalha, que procura uma vida
melhor, como todos os emigrantes de qualquer parte do mundo e que até podem ter
pequenas percentagens de tudo o que atrás foi escrito. Pessoas que ganham á
partida e á chegada dois títulos, respectivamente: emigrantes e imigrantes.
Dois títulos que por sua vez geram uma serie de empregos na função pública de
todo o mundo, com o objectivo de os controlar. E que geram produtos financeiros
com o objectivo de captar as suas poupanças.
Mas
será que as negociações em curso consideram este factor humano? Ou será que as
discussões no Olimpo dos deuses, longe do mundo dos mortais, feitas nas costas
dos "meros cidadãos" (que nos USA apenas servem para votar e em Cuba
para porem o punho no ar e gritar palavras-de-ordem) não falam de "pessoas"
e o tema exclusivo são as "oportunidades de negócio"? Com tanto
segredo de Estado ainda nasce mais um Estado do Segredo...
IX
- Para terminar, uma última questão: Direitos Humanos. Os USA utilizam a
questão dos Direitos do Homem em Cuba para provocar desestabilização, como cavalo
de Troia, recrutando agentes nos activistas dos Direitos Humanos e como
instrumento de propaganda. A distorção a que os Direitos Humanos são sujeitos
deixa-os fragmentados. Os USA utilizam uma "versão" amputada da
Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamados pela Assembleia Geral da
ONU em 1948. Nesta "versão" made in USA não constam artigos como o
23, ou o 26, por exemplo (referentes ao trabalho e á educação, respectivamente)
ou ao artigo 5 (sobre a tortura) que os USA parece terem esquecido apos o 11 de
Setembro (Guantánamo - outro dos assuntos incontornáveis na normalização - é um
dos espaços de tortura marcados pela bandeira norte-americana).
Quanto
a Cuba...bem...se lermos o CIA Worldbook ficamos a saber o mesmo que é
apresentado num prospecto do governo cubano: irradicação do analfabetismo
(contra 14% de analfabetos nos USA, segundo o Departamento da Educação). O
género feminino recebe 15 anos de educação escolar e o masculino 14. A
esperança média de vida é de 78 anos (nos USA é de 79,5) a mortalidade infantil
de 4,7 por mil nascimentos (nos USA é de 6,17) e a saúde pública representa uma
grossa fatia do PIB cubano (ao contrário dos USA). Neste sentido Cuba tem uma política
de Direitos Humanos, que supera os USA e que foi uma conquista épica da sua
revolução. Mas depois vem o resto e aí, coño! Amputaram os Direitos Humanos,
igual ao que fizeram os yankees...
Por
outro lado, se atendermos aos novos princípios da diplomacia internacional
(baseada na preponderância da geoeconomia), a diplomacia dos negócios, teremos
o assunto dos Direitos Humanos "normalizados"...
Aliás
ê nessa perspectiva que o governo cubano prepara uma nova campanha de venda da
sua mão-de-obra. Até aqui eram as "missões internacionalistas",
factores de "solidariedade" mas que não eram mais do que uma forma de
sobre-exploração dos trabalhadores cubanos (médicos, engenheiros, enfermeiros,
professores ou operários especializados). Hoje, as reformas em curso e as
negociações com os USA conduzem a uma inserção da mão-de-obra cubana na
economia-mundo, através dos mecanismos de mercado, mantendo-se, claro a
sobre-exploração. E eis um mistério com a politica social cubana, que pode ser
destapado com aquela história infantil sobre a engorda do porco (ou com a da
bruxa que depois de atrair as criancinhas para a sua casa, com bolachinhas,
engordava-as, antes de as colocar, rechonchudas, no caldeirão?).
A
História registará...até porque essa epopeia da Humanidade, que é a Revolução
Cubana permanecerá para todo o sempre na memória rebelde do Futuro...
"Um
país que não tem economia própria, que é penetrado por capitais estrangeiros,
não pode escapar á tutela do país de que depende; ainda menos pode impor a sua
vontade se ela está em contradição com os interesses do país que o domina no
plano económico. (...) O povo não pode sonhar com soberania se não existe um
poder que responda aos seus interesses (...) o poder popular não é somente o
Conselho de Ministros, a Policia, os Tribunais e todos os órgãos do Governo nas
mãos do povo; significa também que os órgãos económicos devem passar para as
mãos do povo. (...) a soberania popular é o instrumento da conquista económica
para que a soberania política nacional seja plenamente realizável". (Che
Guevara, emissões da Universidade Popular, palestra radiofónica em Março de
1960).
Fontes
Muse,
R. U.S. Presidential action on Cuba: the new normalization? http://americasquartely.org
Reed,
F. Cuba, pseudo-cubes, and the embargo http://www.lewrockwell.com
Irwin,
N. One big risk for Cuba-U.S. relations: Moving to fast New York Times, December, 18, 2014
Hufbauer,
G.C. and Kotschwar, B. Economic normalization with Cuba Peterson Institute for
International Economics, 2014.
Kornbluh,
P. and Grande, B.L. Back channel to Cuba George Washington University Press,
2014.
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