Benjamim
Formigo – Jornal de Angola, opinião - 14 de Janeiro, 2015
A
incompreensão ocidental relativamente à Síria levou a escolhas precipitadas e,
portanto, pouco ajustadas, como o excesso de confiança ou incompetência em lidar
com a situação iraquiana conduziu à quase desagregação do Estado
Para
surpresa da opinião pública, surgiu em 2014 um movimento – o Califado do Iraque
e do Levante – que recorre à decapitação pública como forma de intimidação.
Não é verdade, ele não surgiu agora, já existia desde a Guerra do Golfo, apenas tomou novo alento e se projectou internacionalmente quando as vítimas dos actos de intimidação deixaram de ser curdos, iraquianos ou sírios para serem ingleses, americanos, cidadãos do tal mundo ocidental que pretende controlar as relações internacionais.
A resposta foi a inevitável: o recurso à aviação para dar apoio aéreo aos combatentes Peshmergas, milícia armada curda, a única força que se mostrou capaz de fazer face aos extremistas do autoproclamado califado. Claro que seria possível apoiar as forças regulares sírias, mas isso implicaria o reconhecimento de um erro e os dirigentes políticos de hoje olham o Mundo do seu Olimpo, analisam-no segundo a sua verdade:Assad é um inimigo a abater, mesmo quando é o único capaz de se opor ao “califado”, tal como os curdos. Mas os curdos Peshmergas não vêm só do Curdistão iraquiano, vêm da Turquia também, e Ancara não se sente nada à vontade com a força e a importância que os curdos assumiram e não vão querem recuar.
No eterno conflito do Médio Oriente, tudo na mesma depois de um agravamento com os ataques israelitas a Gaza. A Arábia Saudita e seus vizinhos, em especial o Qatar, tornaram-se actores do conflito sírio e outras crises – Egipto, designadamente – pagam para manter alguma tranquilidade no poder.
Com a crise financeira em expansão, a América do Sul perdeu o ímpeto de influência que lhe dava o crescimento económico e a visão de Lula da Silva.Com a Venezuela em crise profunda, a América do Sul vê a sua influência recuar sem que ninguém ocupe o espaço político esvaziado. Lula da Silva tinha uma ideologia, Dilma Rousseff é apenas uma ténue sombra do velho líder trabalhista que levantou a classe média do Brasil e o empurrou para o topo. Sem Brasil, a América do Sul é quase irrelevante.
Os Estados Unidos estão a ultrapassar a crise lentamente. Criam mensalmente mais empregos que o mercado de trabalho, o que permite reduzir de forma aparentemente sustentada o desemprego e relançar o consumo interno.
Mas ao mesmo tempo, os norte-americanos lançam nova crise, desta vez nas economias emergentes dependentes do petróleo. O “fracking” reduz em mais de metade as importações petrolíferas norte-americanas e, em simultâneo, entra no mercado internacional com custos de produção relativamente baixos, criando um problema aos países produtores em geral, excepto aos países do Golfo, particularmente á Arábia Saudita e talvez ao Iraque.
Uma guerra pela manutenção de mercados leva os sauditas a não só descerem os preços do crude como a um aumento da produção, visando por fora do mercado o “fracking”norte-americano e conseguindo assim o aumento de preços. Os sauditas têm reservas de divisas suficientes para arrastar esta guerra por mais de um ano. E os outros produtores?
Na Europa desenha-se nova crise. A Ucrânia pretende aderir à OTAN. Como era expectável, o Kremlin reagiu de forma dura e ameaçadora. Ninguém ainda explicou a Kiev que o apoio que recebeu foi um erro de cálculo de tecnocratas de Bruxelas que nunca exerceram um cargo de responsabilidade política e desconhecem os princípios básicos da política e relações internacionais. E nesta fase do campeonato nem me surpreenderia se houvesse quem apoiasse essa loucura.
Mas vai haver. A Polónia em especial irá apoiar e tentar que outros antigos membros do Pacto de Varsóvia façam o mesmo. A Alemanha e a França, pelo menos esses, já indicaram que essa adesão da Ucrânia não é uma atitude inteligente. Resta saber o que farão os Estados Unidos, que se mantêm em silêncio.
Trinta anos depois do fim da Guerra Fria ficou um vazio deixado pelo abrupto desaparecimento da URSS. O mundo deixou de ser bipolar e entrou numa fase de domínio norte-americano. Entre meados dos anos 90 do século passado e hoje os valores do mercado varreram a ideologia, o poder financeiro sobrepôs-se ao político, os burocratas tiveram o seu tempo de glória para mostrarem a sua incapacidade de se relacionarem com o povo, com o eleitorado, com a opinião pública.
E assim vai continuar na Europa, que perde progressivamente a sua importância política sem ser financeiramente relevante.A Alemanha impôs o seu “diktat”: a austeridade contra a inflação, os défices orçamentais, pelo rigor financeiro dos governos. O resultado está à vista, na Europa desapareceram as ideologias, os eleitores que não se sentem representados pelos partidos tradicionais viram-se para forças xenófobas e muitas vezes racistas, como se isso resolvesse os problemas. Desperta, ainda que vagamente, a consciência de que os mercados, o dinheiro, não podem continuar a governar, mas a desertificação política é imensa. Não há líderes de referência, nem quem queira entrar num mundo – o da política – que considera contaminado por relações espúrias com o mundo financeiro, os Media, os interesses não eleitos.
Em síntese, 2015 vai ser apenas 2015+1 em que 1 representa “n” – os problemas que ficaram e os que já se desenham, bem como os que nem se adivinham. Neste contexto mundial, a voz do novo Papa Francisco desperta a imaginação de ateus, agnósticos e, evidentemente, dos católicos, mesmo que alguns não se sintam bem com o realismo do Papa jesuíta face ao Mundo.
Mas o Papa não é um governante, apenas uma consciência moral e cívica a que os políticos em exercício ou aprendizes deviam estar atentos. Sem a assunção de ideais, de valores morais (que não moralistas) a mudança é possível.
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