António
Nogueira – Novo Jornal (ao)
Na
sequência do ataque à redacção da revista francesa Charlie Hebdo, ocorrido na
passada quarta-feira, o Novo Jornal manteve uma breve conversa com o professor
de Relações Internacionais e analista político, António Luvualu de Carvalho.
O
especialista diz, na entrevista que se segue, que o islão não é, na
actualidade, a grande questão que deve preocupar o Estado angolano.
Que
considerações pode fazer nessa altura sobre os ataques perpetrados na passada
quarta-feira contra a revista francesa Charlie Hebdo?
Antes
de qualquer abordagem, acredito que é quase que unânime a posição de que
devemos todos condenar veementemente os atentados da última quarta-feira em Paris. Os ataques ao
jornal Charlie Hebdo não foram só ataques contra uma publicação mas sim ataques
a liberdade como tal. Não se podem chacinar pessoas pelo facto de elas terem
cometido algo que supostamente nos tenha ofendido. Temos que procurar os
mecanismos legais próprios do século XXI e do mundo civilizado (falo
concretamente dos tribunais e do sistema de justiça) para podermos encontrar
soluções aos problemas que lesam os nossos interesses ou até mesmo os nossos
sentimentos. Há crimes contra a moral e o bom nome que podem ser condenados em tribunal. Vemos
casos diversos destas matérias a serem julgados por todo mundo. Foi um atentado
muito grave e pela primeira vez, vejo condenações de todas as partes do mundo
desde a Europa passando pelo mundo árabe sem nos esquecermos das américas,
Ásia, África e Oceânia.
Qual
acha que deve ser o posicionamento das autoridades angolanas face ao ataque
ocorrido em Paris, sobretudo nessa altura em que Angola assumiu a
presidência rotativa do Conselho de Segurança da ONU?
Sobre
a posição das autoridades angolanas numa altura em que o país já trabalha
efectivamente no seu mandato como Membro não Permanente do Conselho de
Segurança da ONU, acredito que para além de condenar todos e quaisquer tipos de
terrorismo como tem condenado, as autoridades angolanas estarão solidárias em
apoiar alguma resolução apresentada com o objectivo de condenar este acto
bárbaro. Lembramo-nos todos do atentado terrorista ocorrido em solo nacional
por ocasião do CAN 2010, muitos foram os países ocidentais que condenaram este
acto. Para esta situação muito particular, como Membro não Permanente do
Conselho de Segurança da ONU, o papel de Angola será apenas de solidarizar-se
na condenação do acto e se for proposta alguma resolução para, por exemplo,
restringir os acessos às zonas de combate no médio oriente (como já foi
avançado que um dos três jovens já terá tido participação em combates no Iraque
ou na Síria nas fileiras do auto designado Estado Islâmico o que lhe terá dado
preparação militar), acredito que será unanime a aprovação por parte de todos
os Membros do Conselho de Segurança tanto os permanentes como os não
permanentes onde está Angola nos também já designados A3 (os três
representantes não permanentes do continente africano que neste momento são
Angola, Nigéria e Tchad).
A
comunidade islâmica tem presença cada vez mais significativa em Angola. Este quadro
não deverá preocupar as autoridades nacionais, sobretudo depois do que ocorreu
em Paris?
Não,
acredito que não há uma razão para preocupações com a comunidade islâmica
residente em Angola. Como
é normal neste tipo de situações, as autoridades de segurança de todos os
países do mundo activam ou reforçam os seus sistemas de vigilância para poderem
antecipar-se a qualquer tipo de sucedâneos ou de tentativas de replicar algumas
situações que possam ser menos abonatórias (neste caso particular para que
alguns fanáticos não repliquem o que aconteceu em França). Na minha visão muito
particular, eu sou contra o alarme e contra a generalização. Sempre que
acontecem actos terroristas do género, existe (se calhar no subconsciente de
grande parte da população das grandes cidades em paralelismo com os atentados
terroristas do 11 de Setembro de 2001 nos EUA) de se confundir o
fundamentalismo islâmico com as várias comunidades islâmicas residentes nos
nossos países, o que é errado.
Quer
dizer então que não há nenhuma ligação entre o islão e o fundamentalismo
islâmico?
Não
podemos confundir o radicalismo ou o fundamentalismo islâmico com quem pratica
o islão puro que é uma religião pacifista como todas outras que defendem um
mundo bom para que todos vivam em harmonia. De 1992 (ano que o país abriu-se ao
multipartidarismo e que começaram a crescer as igrejas no nosso país) aos
nossos dias, acredito que não temos verificado grandes excessos não só nas
comunidades islâmicas bem como em todas outras comunidades religiosas que
existem no nosso país. Defendo sim que primeiro, todas as religiões presentes
no nosso país devem estar devidamente legalizadas e controladas. Apesar de
existir liberdade, o Estado tem que saber o que é que se faz dentro das suas
fronteiras. Só assim se sabe quem faz o uso ilegal de armas, quem transfere
ilegalmente fundos, quem faz tráfico ilícito de mercadorias diversas, quem paga
impostos enfim, só com um controlo de proximidade é que se podem evitar
situações desagradáveis.
Qual
é a grande questão que neste momento deve preocupar Angola?
A
grande questão que se coloca neste momento é o reforço das nossas fronteiras.
Sabemos e vamos assistindo a um ritmo preocupante a tentativa quase que suicida
de muitos cidadãos de várias partes do continente africano e não só a tentarem
entrar no nosso país muitos para trabalharem na exploração ilegal de diamantes
mas outros para dedicarem-se a outros tipos de tráficos e claro muitos deles
com certeza hão-de querer dedicar-se a outras práticas e o radicalismo
religioso pode muito bem constar nas práticas ilegais que muitos destes
emigrantes ilegais podem querer praticar no nosso território. Defendo um maior
controlo ao fenómeno religioso de todo tipo. O radicalismo existe em todas as
religiões.
Angola,
com a visibilidade que tem tido sobretudo no campo diplomático, pode ou não
estar na mira dos radicais islâmicos?
Não
acredito que Angola esteja na mira de radicais islâmicos, porque Angola e os
angolanos sempre respeitaram todo e qualquer tipo de religião. Os ataques ao
jornal Charlie Hebdo foram realizados porque este jornal satírico francês
replicou uma publicação dinamarquesa que satirizava o Profeta Maomé em 2006. Em
2011, o mesmo jornal voltou a publicar uma sátira designada Sharia Hebdo e em
2012 voltaram a satirizar o Profeta maior do Islão em poses menos dignas. Claro
que a resposta jamais poderia ser a que foi na quarta-feira. Se alguém
sentiu-se ofendido, deveria procurar os tribunais e não usar
desproporcionalmente a força.
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