terça-feira, 27 de janeiro de 2015

“XI JINPING: A GOVERNANÇA DA CHINA”



José Medeiros e Rafael Lima*

Sob o “A Governança da China”, o novo livro de Xi Jinping reúne, em 18 capítulos temáticos, 79 trabalhos apresentados pelo presidente chinês entre 15 de novembro de 2012 e 13 de junho de 2014, como intervenções políticas, discursos, mensagens e considerações. Mais do que as aparentes e repetitivas formalidades discursivas, a coletânea revela como a atual geração de líderes do Partido Comunista da China (PCCh) olha para o seu país e para o mundo e, principalmente, quais as ideias que governarão a China nos próximos anos.

Elaborado para dialogar com o mundo, o livro foi publicado em nove línguas - chinês, português, espanhol, francês, inglês, alemão, russo, árabe e japonês e lançado oficialmente pela Editora de Línguas Estrangeiras da China na 66ª Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha, no início de outubro de 2014. Em português são 565 páginas e em chinês, 471. Na obra, um extensivo apêndice publicado pela Agência de Notícias Xinhua traça um perfil de Xi Jinping, desde sua juventude até a chegada ao mais importante posto de comando do país. 45 fotos complementam a edição.

Como brasileiros, tivemos o prazer de, juntos com uma equipe de tradutores chineses, proporcionarmos aos leitores de língua portuguesa a leitura desse livro. As limitações foram muitas, principalmente de tempo. Mas agora temos também em nossa língua a possibilidade de melhor compreender para onde a China pretende caminhar.

Três grandes temas se entrelaçam ao longo do livro: o Partido, o Estado e a Nação.

No que diz respeito ao Partido, os leitores podem adentrar em discussões de natureza bem interna, como a política de seleção e formação de quadros, a linha de massas e os principais desafios práticos e teóricos no atual momento histórico. Destaca-se nas intervenções a lucidez do presidente Xi Jinping sobre os graves problemas a serem enfrentados pelo Partido, como a corrupção e degeneração ideológica.

Em “A Governança da China”, fica explícito que o PCCh é o cérebro do Estado e seu principal gerenciador. Xi Jinping, que já foi diretor da Escola Superior do PCCh, núcleo central do pensamento marxista na China, deixa claro que os trabalhos a serem realizados, principalmente os que se relacionam com a educação ideológica e a prática da linha de massas, são urgentes. Perder a luta ideológica significa perder controle do Partido, e perder o controle do Partido significa perder o controle da governança da China. Ou, como diriam Confúcio e Mêncio, significa perder o Mandato (Tianming), isto é, a legitimidade de governar.

Nesse sentido, o livro passa a ser uma obra de referência quase obrigatória. Se muitos fracassos podem ser atribuídos ao Partido, as conquistas das China atual não lhes podem ser negadas. Assim, compreender o Partido é uma condição sinequa non para entender as movimentações do Estado chinês, tanto no plano interno, quanto em suas relações com os outros Estados.

A cultura tradicional chinesa, com seu grande legado histórico, é outro elemento que se destaca no livro. Aliás, em quase todos os textos são recorrentes as citações ou referências a diferentes obras clássicas chinesas, como os múltiplos ensinamentos de Confúcio. Se em um determinado período histórico a cultura tradicional foi duramente combatida pelo Partido, agora ela é não sóapreciada, mas amplamente valorizada e instrumentalizadapara os propósitosnacionais bem definidos.

Em umaatenciosa leitura do livro também fica mais fácil compreender o porquê do afloramento de alguns fenômenos culturais, como a internacionalmente propagada especulação sobre a volta do confucionismo na China. Na verdade, esse fenômeno está diretamente associado à questão do nacionalismo, elemento-chave que tem sido diligentemente forjado pelo Partido.

Quando se sente as entranhas da China, logo se percebe que o confucionismo e, assim como o taoísmo, são partes da maneira de ser chinesa. Ou seja, continuam a existir mesmo quando negados, pois depois que apareceram nunca mais deixaram de existir, mesmo quando renegados ou impronunciados. No caso do confucionismo, vale enfatizar que, ainda que seja um elemento sempre presente, o mesmo não é um elemento dirigente. No caso do Estado chinês, esse papel continua nas mãos do Partido, que é tipicamente marxista-leninista, obviamente com características chinesas.

Em seu livro, Xi Jinping fala com todos. Explica a China e o seu projeto de China para o mundo e para os próprios chineses, onde quer que estes estejam. De forma clara e firme, orienta o sentido da atividade econômica segundo as prerrogativas estabelecidas no 18° Congresso Nacional do Partido, para a construção das metas dos “dois centenários” (O do Partido, no início de 2021 e da República Popular, em 2049) e a concretização do sonho chinês de grande revitalização da nação.

Em tom de amizade e com cuidadosa diplomacia, Xi Jinping dialoga com os líderes das grandes nações, dos países vizinhos e com todos os que se relacionam com a China. Como um professor, aponta erros, objetivando o processo de aprendizagem e, com seu próprio exemplo, procura orientar um padrão de comportamento para todos os chineses,vivam na China ou no Exterior. Como pai, procura instruir as crianças e os jovens chineses, segundo os padrões morais que acredita serem corretos.

Em resumo, o livro de Xi Jinping é também uma ferramenta para compreensão da diplomacia chinesa no mundo contemporâneo. Diríamos que a China não pretende dominar os outros países, mas dominar-se, ou melhor, governar-se. Quer ouvir e ser ouvida. E como diz uma máxima do Daxue (O Grande Estudo), apêndice de um dos clássicos confucionista, e sempre mencionada pelo professor e amigo Severino Cabral, “Sabendo reconhecer as prioridades, estarás ao alcance da via”. No livro, fica claro que Xi Jinping conhece bem as prioridades de seu país; por isso o seu sonho é tão objetivo. 

*José Medeiros da Silva, Dr. em Ciência Política pela Universidade de São Paulo e Investigador convidado do Instituto Internacional de Macau.

Rafael Gonçalves de Lima é bacharel em Relações Internacionais pela Faculdades de Campinas (FACAMP) e atualmente faz mestrado em Relações Internacionais na Universidade de Jilin, na China. 

Portuguese People - Diário do Povo Online, em português - Editor: Juliano Ma

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