Artur
queiroz e Adalberto Ceita, Cuito Cuanavale – Jornal de Angola
A
relevância da Batalha do Cuito Cuanavale ultrapassa as fronteiras de Angola e
os seus efeitos projectaram-se no mundo, afirmou ontem no município do Cuito
Cuanavale, o ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, que
representou o Presidente da República, José Eduardo dos Santos,na cerimónia
comemorativa do 27º aniversário do acontecimento que mudou África e o Mundo.
Nos
meses de Fevereiro e Março de 1988, com o epicentro no Triângulo do Tumpo, a 23
de Março, os invasores sul-africanos e seus aliados da UNITA foram derrotadas
pelos militares das FAPLA. Ontem, uma delegação ministerial e os Heróis
sobreviventes que defenderam a soberania nacional, participaram num vasto
programa que incluiu visitas guiadas aos locais onde ainda hoje estão os
destroços dos tanques Oliphant sul-africanos.
O ministro Bornito de Sousa, no seu discurso frente à Bandeira Nacional no Triângulo do Tumpo, recordou que o regime de apartheid foi derrotado na Batalha do Cuito Cuanavale e na sequência da derrota os combatentes da SWAPO, sob a liderança do Presidente Sam Mujoma, levaram a Namíbia à conquista da independência no dia 21 de Março de 1990. Mas também referiu que quando Nelson Mandela deu “os primeiros passos fora da prisão” onde esteve encarcerado longos anos “poucos viram que isso só foi possível porque o regime de apartheid foi derrotado no Triângulo do Tumpo.
Bornito de Sousa recordou que, quando o regime racista empreendeu diligências no sentido de impedir a implantação de bases do Congresso Nacional Africano (ANC) no território dos países vizinhos, Angola e o Presidente José Eduardo dos Santos carregaram quase que exclusivamente o apoio e a solidariedade à luta do povo sul-africano contra o apartheid.
Em Angola, as bases do ANC nunca foram encerradas, disse o ministro Bornito de Sousa: “A Batalha do Cuito Cuanavale constituiu o golpe final ao regime racista sul-africano, tendo assim contribuído decisivamente para acabar com o apartheid, libertar Nelson Mandela e abrir portas à democracia multipartidária e multiracial na África do Sul”.
Monumento do mundo
O ministro da Administração do Território considerou que o Cuito Cuanavale é em si “um monumento de Angola, da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, de África e do mundo”. E propôs o desencadear de “um processo de apreciação política da consagração do 23 de Março como dia de celebração nacional”.
Bornito de Sousa defendeu que o Memorial aos Heróis da Batalha do Cuito Cuanavale deve integrar um roteiro para o turismo histórico militar, que pode incluir outros locais históricos. A título de exemplo, indicou Kifangondo, na província de Luanda, Ebo, Cuanza Sul, Cahama, no Cunene, Ntó, em Cabinda, Luena, no Moxico, e Cuito, no Bié.
Um dos momentos mais marcantes da intervenção do ministro da Administração do Território foi quando recordou a participação das forças da UNITA ao lado dos racistas de Pretória. “A Europa e o mundo derrotaram o regime de Hitler e hoje os ideais nazis estão banidos”. Em Angola quem destruiu, matou e torturou ao lado das forças do apartheid “são o lobo que se apresenta como cordeiro. Mas “acabou o estado de graça”, não podemos consentir que se apresentem como inocentes e culpem as suas vítimas dos crimes que eles cometeram, disse o ministro Bornito de Sousa.
Um cerco infernal
O ministro citou o Presidente da República: “O Cuito Cuanavale foi a maior batalha militar efectuada até aqui no continente africano a Sul do Sahara e foi ganha brilhantemente pelas FAPLA que resistiram a mais de 60 dias de cerco. Foi o símbolo da determinação do nosso povo de vencer ou morrer pela defesa da pátria”.
O Cuando Cubango, antes denominado “terras do fim do mundo”, tem vindo a mudar o seu figurino para “terras do progresso”. Por isso, “é importante que os angolanos, em especial os jovens, mas também o mundo, conheçam a História, quanto nos custou a liberdade, porque assim melhor compreenderão que devemos estimar a nossa independência que custou tantos sacrifícios”.
Bornito de Sousa sublinhou que as comemorações do 27º aniversário da Batalha do Cuito Cuanavale acontecem num ano
As flores de Mimi
No fim do discurso, o ministro Bornito de Sousa depositou uma coroa de flores na base da Bandeira Nacional, que está desde ontem desfraldada no Triângulo do Tumpo. Depois todos os convidados depositaram uma flor em memória dos Heróis que deram a vida em defesa da Pátria. A ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva, também deixou um bonito ramo.
Mas longe dos convidados, uma menina toda vestida de branco, de mão dada à mãe, esperava a sua vez de se aproximar com o seu ramo de flores. Perguntei-lhe o nome mas estava tão intimidada que não consegui ouvi-la. Pedi-lhe que me dissesse, em segredo, porque estava no Triângulo do Tumpo. Os seus olhos brilharam e segredou:
- Vim trazer flores aos Heróis e à nossa Bandeira. Mais à vontade disse como se chama: Mimi!
Quando deixou as suas flores na base da Bandeira Nacional, os velhos soldados que há 27 anos ali combateram, deixaram cair uma lágrima.
Mimi não vai esquecer que no Triângulo do Tumpo nasceu um mundo novo onde ela é uma princesa.
Todas as crianças de Angola têm agora o seu trono de justiça e liberdade.
Um momento alto das comemorações do 23 de Março foi o hastear da Bandeira Nacional na aldeia de Samaria.
Aldeia heróica
A delegação oficial, constituída pelo ministro Bornito de Sousa, ministra da Cultura, Rosa Cruz e Silva, e o ministro da Comunicação Social, José Luís de Matos, estava presente. Os comandantes das Brigadas das FAPLA que defenderam o Triângulo do Tumpo e derrotaram o apartheid na Batalha do Cuito Cuanavale também lá estavam na primeira linha.
O general Carlos Feijó explicou o porquê do hastear da Bandeira Nacional na aldeia: “O povo de Samaria nunca abandonou o seu chão. Quando os bombardeamentos eram mais intensos, fugiam todos para uma ilha no rio Cuito. Mal acabavam as explosões, voltavam. Foi esta comunidade que nos ajudou a socorrer os feridos e reabasteceu as nossas tropas. Esta é uma aldeia de heróis”.
Samaria desde ontem tem uma Bandeira Nacional desfraldada, indicando que ali também estão os Heróis da Batalha do Cuito Cuanavale. A aldeia precisa de equipamentos sociais básicos, habitações dignas, melhores acessos. Mas neste aspecto há boas notícias. Uma empresa de construção civil já montou o estaleiro e começou a rasgar a estrada entre o Cuito Cuanavale e o Triângulo do Tumpo. A ponte metálica sobre o rio Cuito vai ser substituída por uma definitiva.
Depoimento dos heróis
António Valeriano era capitão das FAPLA e comandava a 25ª Brigada de Infantaria Motorizada, unidade destacada no Triângulo do Tumpo. Foi ele que montou uma armadilha aos sul-africanos, que se revelou fatal e os levou à derrota. Depois de vários ataques das tropas invasoras, António Valeriano, que é hoje tenente general, lembra um momento marcante no teatro das operações: “Foi quando a equipa de técnicos das FAPLA especialistas em minas preparou uma extensa área do Triângulo do Tumpo com explosivos para impedir o avanço das tropas sul-africanas. Essa acção teve uma importância fundamental na vitória das nossas tropas”.
Arnaldo Hyshendyelekwa era capitão e comandante da 52ª Brigada de Infantaria Motorizada. na Batalha do Cuito Cuanavale. Entre os inúmeros episódios da batalha, um marcou-o para sempre: “A alta determinação das tropas das FAPLA, que sem olharem para trás e com espírito de patriotismo e coragem derrotaram a poderosa máquina de guerra do exército racista sul-africano”.
Joaquim da Silva Moniz foi comandante da artilharia do comando superior. Participou em todas as investidas realizadas no Triângulo do Tumpo. Mas viveu um momento marcante: “Os disparos de canhões que insistente e desesperadamente as FAPLA faziam, apesar do fraco poder de fogo que possuíam em relação aos tanques inimigos. Mas foi justamente às primeiras horas do dia 22 até Março de 1988, e no dia seguinte, 23, que vivi os momentos mais duros da minha vida. Devido à intensidade dos bombardeamentos só via fumo e poeira no ar. Parecia o fim do mundo. Mas vencemos a guerra”.
Evaristo Domingos Mety era capitão. Tinha funções de estado-maior na 52ª Brigada de Misseís Anti-Áereos e a tarefa de garantir a protecção do espaço aéreo, pois no Triângulo do Tumpo o inimigo iniciou os primeiros passos com ataques por ar, com aviões não pilotados. Guarda na memória o desenrolar dos combates: “Devido à minha posição privilegiada, até hoje não me sai da cabeça a forma quase cinematográfica como se desenrolavam os combates, com o avanço e desdobramento dos tanques inimigos em solo angolano e a defesa corajosa das nossas tropas”.
Remígio do Espírito Santo é hoje tenente general das Forças Armadas Angolanas. Era segundo-tenente. Nos três ataques aoTriângulo do Tumpo tinha a função de comandar o Terceiro Batalhão de Tanques do Agrupamento do Cuito Cuanavale: “Marcou-me a intensidade do fogo de artilharia imprimido na batalha do dia 23 de Março de 1988. Foi para mim o momento que ditou a derrota do exército sul-africano no Cuando Cubango, sobretudo, porque era considerado o exército mais temido de África e enfrentá-los com a capacidade militar que tinham foi um momento ímpar”.
Um anfitrião à altura
O governador do Cuando Cubango, Higino Carneiro, foi o anfitrião à altura da grande cerimónia do 27º aniversário da Batalha do Cuito Cuanavale.
Em todas as acções do programa esteve sempre presente e deu o seu apoio inestimável à organização.
O general Fernando Mateus,
presidente da Associação dos Combatentes da Batalha do Cuito Cuanavale, foi
inultrapassável no apoio à Imprensa.
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