O
problema sempre foi complexo mas a dúvida sempre foi simples: era tudo muito
burro ou era tudo muito inteligente no BES?
Pedro
Santos Guerreiro – Expresso, opinião
O
problema sempre foi complexo mas a dúvida sempre foi simples: era tudo burro ou
era tudo inteligente no BES? Ou seja: houve negligência ou houve intenção no
colapso do Banco Espírito Santo?
Chamar-lhe
dúvida é uma previdência jurídica. Não é dúvida, é suspeita: o contágio do GES
ao BES, isto é, a forma como administradores do BES torpedearam nos últimos
meses a "cerca" ("ring fencing") que o Banco de Portugal
havia colocado separando o banco do Grupo Espírito Santo, foi deliberada? E se
sim, por quem?
Sempre
foi difícil imaginar que tudo aconteceu por acaso. A ESI já estava falida há
muito, o que o Banco de Portugal soube no final de 2013. Mas foi por acaso que
a ESFG passou para dentro da Rio Forte a uma valorização de 22 euros por ação
(quando valia em bolsa um décimo disso), assim contaminando irremediavelmente
esta "holding"? Foi por acaso que se passaram cartas de conforto à
Venezuela? Foi por acaso que se usaram praças financeiras no exterior para nos
últimos 15 dias clientes do BES financiarem o GES, arriscando sem saber perder
tudo? Foi por acaso que a ordem de não colocar mais papel comercial foi
desrespeitada?
Embora
toda a gente seja inocente até prova em contrário, é preciso ter caído no
caldeirão da presunção de inocência em criança para acreditar em tantos acasos. Henrique Granadeiro disse na CPI que a luta de poder no BES foi tratada como
"entre um bando de ciganos", mas foi um bando de banqueiros que gerou
e distribui tanto prejuízos.
O
Banco de Portugal pensará o mesmo. E, para se munir, e porque se sentiu traído
por aqueles que deixou (incompreensível e ingenuamente) que permanecessem à
frente do BES, encomendou uma auditoria forense.
Palavras
são palavras mas "auditoria forense" quer dizer uma só coisa:
procuram-se indícios de ilícitos criminais. Esta auditoria da Deloitte, que o
Banco de Portugal entregou à Comissão Parlamentar de Inquérito e que ja saiu
nos jornais (no Negócios em primeira mão e logo depois no Expresso), tem um
destino certo: a Procuradoria Geral da República.
Houve
crime ou não no BES?
Claro
que houve. Burla, fraude, manipulação de contas, falsificação de documentos, é
só determinar entre as várias possibilidades.
Mas
se houve crime, quem são os criminosos?
Aqui
a pergunta muda radicalmente. Porque embora todas as dúvidas apontem para um
nome, muitos mais nomes estavam envolvidos no GES e no BES. Os outros não
viram? Não souberam? Não fizeram?
Estas
são perguntas a responder posteriormente. Para já, temos publicada a auditoria
forense ao BES e os indícios são aterradores. Entre as confirmações de muitas
notícias publicadas ao longo dos últimos meses e as novidades agora
reveladas, nada é bom e tudo é grave. E tudo é repugnante.
Folheia-se
as 45 páginas da auditoria forense e depara-se com uma galeria de horrores de
suspeitas de violações de ordens do Banco de Portugal e de indícios de gestao
ruinosa.
O
BES usou o Panamá, a Suíça e a Líbia para financiar o GES à revelia do Banco de
Portugal, contra credores do grupo e clientes do banco. Ricardo Salgado
garantiu empréstimos à Venezuela sem que ninguem soubesse - nem sequer a sua
própria administração. Houve esquemas "de financiamento fraudulento"
através de obrigações nos últimos 15 dias. Havia administradores do BES a
movimentar como queriam contas bancárias que supostamente serviam para pagar
papel comercial. Suspeita-se que parte do dinheiro foi usado para pagar a
alguns credores, favorecendo-os em detrimento de outros e em violação das
ordens do supervisor. O BES emprestava dinheiro a acionistas. O Banco de
Portugal foi ostensivamente ignorado. Houve administradores do BES que, em
conflito de interesses, não respeitavam as regras internas e não enviavam
informação para o departamento de controlo e risco. E por aí fora: basta ler as
notícias relacionadas pelo Expresso sobre o documento.
Ainda
havemos de perceber por que razão o Banco de Portugal confiou tanto em quem
aparentemente o desrespeitou ao longo de tantos meses. Não é essa aliás a única
dúvida. Como questionou Sílvia Caneco, jornalista do i, "como é que o
Banco de Portugal, que continuamente insistiu na necessidade de constituição da
conta escrow, com regras muito específicas, não controlou o que nela era feito
em tempo real?" Sim", como é que o Banco de Portugal foi tão
facilmente enganado em tantas frentes?
Ricardo
Salgado está na linha da frente destas dúvidas, que agora serão investigadas
enquanto indícios de crime pela Justiça. Até aqui, o caso era ruidoso. Pode
substituir a palavra por outra: ruinoso.
A
palavra já não está só nos jornais. Hoje, é palavra de auditor. Agora, falta
outra: a palavra do juiz.
Chegou
a hora.
Leia
mais em Expresso
Dinheiro entrava e saída do GES sem dar cavaco ao Banco de Portugal - para beneficiar credores?"Negócios": Salgado desobedeceu ao supervisor e praticou atos degestão ruinosa
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