terça-feira, 14 de abril de 2015

Cabo Verde. TENTAÇÃO POPULISTA



Expresso das Ilhas, editorial

Desde as manifestações de 30 de Maio contra o estatuto dos titulares de órgãos de soberania sente-se no ar uma espécie de euforia “revolucionária”. Sobressai em conversas de café, em opiniões e análises políticas e em vários exercícios informais de futurologia política.

Em parte é provavelmente produto da novidade. Também virá da satisfação e surpresa de se ouvir protesto nas ruas por algo controverso, quando tanta coisa não anda bem e ninguém questiona ruidosamente.  

Largos anos se tinham passado em Cabo Verde sem que se assistisse a manifestações frontalmente políticas. Problemas persistentes como o desemprego, o baixo crescimento, o aumento de insegurança e a falta de perspectiva para os jovens não conseguiram mobilizar as pessoas contra a governação. A perspectiva de aumento de salários e regalias para os detentores de cargos políticos pelo contrário já pôde. De uma postura aparentemente conformista, num ápice, passou-se para a acção. Para os jovens manifestantes que nunca viram nem participaram em acontecimentos do género terá tido um efeito catártico.

Tudo isso compreende-se. O que parece não se justificar são as esperanças desmedidas que se procura projectar nelas. Há quem veja sinais de uma sociedade civil activa. Outros imaginam um novo partido que à imagem do Podemos espanhol ou do Syriza grego poderia reformar o actual sistema de partidos. E certamente há quem veja motivação político-partidária como parece ser o caso do Primeiro-ministro, a confirmar a presença de “dirigentes e militantes destacados do Paicv na linha de frente das manifestações”.

 Independentemente do que originariamente foi ou pretendeu ser e o que virá a constituir no futuro, o mais certo é que algo mudou no país. Uma nova era de manifestações de agravos públicos poderá ter surgido em que ninguém se vai sentir grandemente inibido com eventuais interpretações ou acusações de conveniência ou de instrumentalização política. Dois factos porém vão contra a ideia de que algo radicalmente novo aconteceu: por um lado, o protesto não é dirigido contra o governo. Foca-se no Parlamento e nos deputados e associa, mas de forma quase difusa, os outros políticos. Por outro lado, não parece ser totalmente espontâneo, enquanto reacção da sociedade civil. Dá sinais de resultar também da luta da nova líder do Paicv para se afirmar no seu partido e apresentar-se, a pensar nas eleições de 2016, como o rosto de renovação na política cabo-verdiana.

De todo o modo, o problema maior a evitar nessas movimentações é cair na tentação populista: as soluções fáceis, as paixões exacerbadas, o discurso anti-político e anti-partido e a minimização das instituições democráticas. Não é algo fácil como já se pode constatar nos ataques violentos dirigidos aos deputados, no tipo e forma de pressão que se coloca ao presidente da república e na apologia da chamada democracia participativa em detrimento da democracia representativa. Outrossim, a busca de soluções para os  desempregados e empregados mal pagos via uma putativa redistribuição de recursos que estariam ilegitimamente apropriados por alguns privilegiados políticos só pode exacerbar o ressentimento social, diminuir a confiança nas instituições e mobilizar pessoas para protestos. Certamente não abre caminho para se encontrar a via ou as vias de prosperidade para todos com mais emprego e mais crescimento económico.

Cabo Verde vive um ano pré-eleitoral. Nenhum observador atento duvida que a campanha eleitoral já está em pleno progresso. A questão que se coloca é quem ganha com os ataques ao Parlamento que também são ataques ao pluralismo. Quem ganha com o apontar de defeitos à democracia representativa que apesar das suas imperfeições é a única forma de democracia que historicamente tem conservado as liberdades e tem garantido a prosperidade geral. Finalmente, quem ganha com a aparente disfunção do PAICV que parece de um lado estar com o “povo” e do outro continua a suportar o eixo governativo do país, o governo e a maioria parlamentar, cuja posição em matéria de estatuto de titular de órgãos de soberania é repudiada em manifestações desse mesmo “povo”.

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