quinta-feira, 23 de abril de 2015

Portugal. António Costa copia FMI e quer ampliar condição de recursos




Grupo de peritos do PS propõe prolongar congelamento das pensões e avisa que o salário mínimo não pode subir por decreto

Luís Reis Ribeiro e Lucília Tiago - Dinheiro Vivo

António Costa defende "a introdução progressiva da exigência da condição de recursos nas prestações sociais não contributivas", acolhendo assim uma proposta do grupo de peritos para a próxima legislatura, mas também do Fundo Monetário Internacional (FMI), que pediu exatamente o mesmo na primeira avaliação pós-troika, em janeiro.

O grupo de trabalho coordenado por Mário Centeno entregou anteontem ao líder socialista um documento em que defende a "reavaliação e reforço da coerência do modelo de aplicação da condição de recursos a todas as áreas de transferência social não contributiva".

Além disso, sabe o Dinheiro Vivo, é assumido que todas as pensões de reforma (exceto as mínimas) devem continuar congeladas até 2019. As pensões da maioria dos reformados em Portugal não são atualizadas desde 2010, inclusive. Nos últimos anos, apenas as mínimas das mínimas (as "de miséria") têm tido subidas. António Costa não se pronunciou sobre essa questão, ainda.

Ir com muita calma no salário mínimo

Os 12 especialistas, muitos deles do PS, também comunicaram anteontem ao secretário-geral que o salário mínimo não deve subir por decreto, por iniciativa unilateral do Governo, devendo passar pela concertação social. Sobre isso, Costa já falou. No ano passado, antes do aumento aprovado, defendeu uma subida para 522 euros a 1 de janeiro.

O ordenado mínimo, que subiu 20 euros para 505 euros brutos mensais em outubro, não foi considerado um instrumento de política económica relevante para a elaboração do documento do grupo de trabalho. O salário mínimo esteve congelado em 485 euros desde 2011, inclusive. Os anos da troika e do governo PSD/CDS, basicamente.

Mas é com a sustentabilidade da Segurança Social que, aparentemente, o PS está muito preocupado. Que o diga o secretário-geral que na terça-feira foi direto ao assunto. "A sustentabilidade das nossas finanças públicas, e em particular a sustentabilidade da Segurança Social, é algo que é absolutamente necessário alcançar. E ao contrário do que nos tem sido dito, não há uma alternativa entre acabar com a austeridade e não haver rigor".

"O fim da austeridade é essencial para que haja crescimento, mas o rigor é uma condição essencial para que o crescimento seja saudável."

A palavra "rigor" foi repetida até o socialista constatar a importância das "medidas que estão previstas para assegurar o processo de convergência entre o sector público e o sector privado" e da "introdução progressiva da exigência da condição de recursos nas prestações sociais não contributivas".

O futuro candidato a primeiro-ministro sublinhou que "a criação de emprego é a mais importante condição para a sustentabilidade" da Previdência.

Mais condição de recursos

A ideia de limitar gradualmente as prestações sociais não contributivas (as não financiadas pela TSU, pelos salários) de acordo com o grau de carência do beneficiário tem feito o seu caminho nos sucessivos governos do PS.

Foi Eduardo Ferro Rodrigues (governo Guterres), enquanto ministro da Solidariedade, que acabou com a universalidade do abono de família, mas foi Helena André (governo Sócrates), sucessora de José Vieira da Silva, que criou a condição de recursos, em 2010.

Esta leva em conta rendimentos de salário, empresariais, de capitais, prediais, pensões, apoios à habitação, seja de quem pede o apoio, seja da família. A regra já é aplicada a prestações não contributivas importantes, como complemento solidário para idosos, abono de família, rendimento social de inserção e subsídio social de desemprego.

Alargar mais, como defendem Costa, os peritos e o FMI significa há margem para racionar. É o caso de muitos apoios especiais à deficiência e a idosos.

Que tipo de prestações?

Alguns exemplos: subsídio por frequência de estabelecimento de educação especial, complemento por dependência, pensão de viuvez, complemento extraordinário de solidariedade, regime especial de proteção na invalidez (esclerose múltipla, esclerose lateral amiotrófica, Parkinson, Alzheimer), subsídio mensal vitalício, subsídio por morte, reembolso de despesas de funeral.

O grupo de peritos assume que há um problema e é preciso agir.

Além de propor o congelamento de pensões e cortes nas pensões futuras por conta do alívio temporário na TSU até 2018, Centeno revelou ontem na TVI que é a favor da "revisão do fator de sustentabilidade", que "significa considerar um conjunto mais vastos de indicadores da reforma".

Se for caso disso, "significa adiar a idade da reforma", concluiu. Hoje ninguém com menos de 66 anos se reforma sem penalização.

Um choque de procura num programa incompleto

As medidas do choque de procura (consumo e investimento) proposto pelos economistas do PS agravam o défice de 2016 em 460 milhões de euros, segundo um documento que ontem o partido fez circular pelas redações. É o mesmo que dizer que o rácio do défice, a medida pela qual Portugal é avaliado em Bruxelas, Frankfurt e no FMI, será de 3% do Produto Interno Bruto (PIB).

É certo que o cenário do grupo de peritos ainda não reflete um programa de governo completo (será apresentado a 6 de junho), mas já dá para perceber que Portugal ficará no limite máximo fixado pelo pacto de estabilidade. A Comissão Europeia, cujo cenário serviu de base de trabalho aos 12 peritos, prevê um défice de 2,8% no próximo ano, assumindo as políticas atuais.

Foi justamente por aqui que os partidos do governo atacaram ontem a proposta apresentada por António Costa na véspera, acusando o PS de estar a atalhar caminho para o regresso da troika. O PS responde com números de crescimento e emprego mais vigorosos.

Só com as medidas apresentadas, a economia estará em condições de crescer 2,4% no ano que vem e o desemprego baixa para próximo de 12%, chegando a 7,4% em 2019, de acordo com o modelo trabalhado no Largo do Rato. Um número que não reúne consenso no grupo dos economistas comissionados por Costa.

O consumo e o investimento (público também) ganham um fôlego pouco visto em anos recentes, mas a dívida desce mais devagar. Em 2016, será 128,8% do PIB.

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