Ivo de Carvalho –
Jornal de Notícias, opinião
Seis meses de
revelações surpreendentes, acusações carnudas e interpretações várias sobre o
sentido da verdade não foram suficientes para lançar à lama o competente
trabalho realizado pela comissão parlamentar de inquérito ao descalabro do BES.
Em particular, o
relevante serviço prestado pelos deputados de todos os partidos. Mais do que
relevante: diria mesmo patriótico. Sim, porque durante aquele meio ano de
diretos televisivos foi boa parte do que somos enquanto organização coletiva
que repousou no divã da sala seis do Parlamento.
Eu sei que é mais
fácil falar mal dos deputados. São todos iguais, obedecem cegamente aos chefes,
são uns mandriões. Encarnam, no fim da linha, o espírito errático que
politicamente tem minado o regime. Mas no caso do BES é fácil falar bem dos
deputados e do Parlamento. Da imagem que uma instituição com uma credibilidade
mais frágil do que um castelo de areia projetou, do respeito conquistado. De
algum modo, foi também o desempenho parlamentar que esteve ali a ser julgado.
E o que vimos?
Deputados bem preparados, acutilantes nas perguntas, jocosos quando necessário.
Vimos entreajuda. Vimos um presidente da comissão, Fernando Negrão, a vestir
impecavelmente a fatiota do "juiz". Vimos, sobretudo, e não
interpretem mal as minhas palavras, um sentido de missão e abnegação a que não
estamos habituados. Foi claro para todos que, na comissão parlamentar de
inquérito ao BES, não podia repetir-se o ridículo, por exemplo, das comissões a
Camarate (acidente ou crime, acidente ou crime?). Ficou claro para todos que a
dimensão da borrasca era tal que o fim desta história não podia ser uma
narrativa emaranhada e inconsequente.
O relatório
preliminar produzido pelo social-democrata Pedro Saraiva, sendo um bom
documento, não é definitivo. Sobram, ainda, algumas questões por esclarecer. E
é agora, na fase que se segue, dos "acrescentos" partidários e do
debate até à produção de um relatório final, que tudo pode resvalar. Se o
apuramento cabal dos factos sucumbir à partidarização. Algo que, até aqui, felizmente
não vimos acontecer.
Se o BES foi um
terramoto com início previsto mas que ninguém acautelou; se o BES foi um
tsunami que poucos esperavam ver chegar tão longe; se o BES foi,
paradoxalmente, o resultado de uma natural e necessária desintoxicação a
práticas e costumes enviesados do Bloco Central, não queiramos, agora, que o
BES se transforme naquilo que, em Portugal, é tão lamentável quão útil em
demasiados assuntos. Não queiramos que o BES se transforme numa "questão
política". Isso seria meio caminho andado para não haver culpados.
Editor-exrcutivo-adjunto
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