quinta-feira, 23 de abril de 2015

Portugal. O BES BOM



Ivo de Carvalho – Jornal de Notícias, opinião

Seis meses de revelações surpreendentes, acusações carnudas e interpretações várias sobre o sentido da verdade não foram suficientes para lançar à lama o competente trabalho realizado pela comissão parlamentar de inquérito ao descalabro do BES.

Em particular, o relevante serviço prestado pelos deputados de todos os partidos. Mais do que relevante: diria mesmo patriótico. Sim, porque durante aquele meio ano de diretos televisivos foi boa parte do que somos enquanto organização coletiva que repousou no divã da sala seis do Parlamento.

Eu sei que é mais fácil falar mal dos deputados. São todos iguais, obedecem cegamente aos chefes, são uns mandriões. Encarnam, no fim da linha, o espírito errático que politicamente tem minado o regime. Mas no caso do BES é fácil falar bem dos deputados e do Parlamento. Da imagem que uma instituição com uma credibilidade mais frágil do que um castelo de areia projetou, do respeito conquistado. De algum modo, foi também o desempenho parlamentar que esteve ali a ser julgado.

E o que vimos? Deputados bem preparados, acutilantes nas perguntas, jocosos quando necessário. Vimos entreajuda. Vimos um presidente da comissão, Fernando Negrão, a vestir impecavelmente a fatiota do "juiz". Vimos, sobretudo, e não interpretem mal as minhas palavras, um sentido de missão e abnegação a que não estamos habituados. Foi claro para todos que, na comissão parlamentar de inquérito ao BES, não podia repetir-se o ridículo, por exemplo, das comissões a Camarate (acidente ou crime, acidente ou crime?). Ficou claro para todos que a dimensão da borrasca era tal que o fim desta história não podia ser uma narrativa emaranhada e inconsequente.

O relatório preliminar produzido pelo social-democrata Pedro Saraiva, sendo um bom documento, não é definitivo. Sobram, ainda, algumas questões por esclarecer. E é agora, na fase que se segue, dos "acrescentos" partidários e do debate até à produção de um relatório final, que tudo pode resvalar. Se o apuramento cabal dos factos sucumbir à partidarização. Algo que, até aqui, felizmente não vimos acontecer.

Se o BES foi um terramoto com início previsto mas que ninguém acautelou; se o BES foi um tsunami que poucos esperavam ver chegar tão longe; se o BES foi, paradoxalmente, o resultado de uma natural e necessária desintoxicação a práticas e costumes enviesados do Bloco Central, não queiramos, agora, que o BES se transforme naquilo que, em Portugal, é tão lamentável quão útil em demasiados assuntos. Não queiramos que o BES se transforme numa "questão política". Isso seria meio caminho andado para não haver culpados. 

Editor-exrcutivo-adjunto

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