sábado, 2 de maio de 2015

África. BOKO HARAM ESTÁ MESMO PERTO DO FIM?




Anúncio da libertação de centenas de reféns na Nigéria é bem-vindo. Mas é também suspeita a coincidência entre supostas vitórias militares do governo e eventos políticos, opina Thomas Mösch, chefe da redação hauçá da DW.

No momento, tudo indica que um dos mais sanguinários grupos terroristas do mundo esteja à beira da derrota militar, simplesmente travando as últimas batalhas de retirada com os países atingidos, a Nigéria e seus vizinhos Chade, Camarões e Níger. Na verdade, é algo quase inacreditável, depois de seis anos de manobras basicamente fracassadas das Forças Armadas nigerianas.

Entretanto é preciso encarar com ceticismo as notícias de sucesso por parte dos militares nigerianos. Por demasiadas vezes, porta-vozes já anunciaram a vitória sobre o Boko Haram ou a libertação de reféns, sem que nada acontecesse de concreto.

Os acontecimentos das últimas semanas reforçam a suspeita de que o Boko Haram seja, acima de tudo, um fenômeno local inflacionado por interesses políticos. Duas dinâmicas explicam o sucesso dos terroristas nos últimos anos.

Em primeiro lugar, durante anos tanto o Exército da Nigéria e sua liderança quanto o governo em Abuja não levaram a sério o perigo da matança no empobrecido nordeste. Por isso, desviaram para outros canais as verbas bilionárias destinadas às forças de combate – à custa dos soldados rasos e de centenas de milhares de cidadãos que perderam a vida, a saúde ou o local de morada.

A elite política e militar só passou a agir quando reconheceu que um fracasso diante do Boko Haram colocaria em perigo sua reeleição e, assim, o acesso às riquezas do país. A rigor, já passava da hora para tal iniciativa, e por isso o pleito teve que ser adiado.

Em apenas seis semanas, as Forças Armadas dos países atingidos forçaram os terroristas a recuarem, ao ponto de não conseguirem perturbar seriamente as eleições nem mesmo em sua região de origem. Tarde demais, pois mesmo assim os eleitores optaram pela oposição.

Em segundo lugar, a súbita vulnerabilidade do grupo terrorista – tão temido até há pouco – indica que seus recursos estão se esgotando. O Boko Haram não foi capaz de financiar seus ultramodernos armamentos apenas com o saque de filiais bancárias nos territórios ocupados ou com das quantias de resgate de ocasionais sequestros.

Até o momento, não há provas conclusivas de contribuições financeiras partindo de redes internacionais. A maior parte do apoio ao Boko Haram deve ter vindo da própria Nigéria. No passado, por diversas vezes as elites nigerianas instrumentalizaram e armaram grupos militantes a fim de impor os próprios interesses hegemônicos – tanto no Delta do Níger como em outras áreas do norte do país.

Não foi mero acaso a coincidência cronológica entre a ascensão do Boko Haram a exército terrorista capaz de abalar todo o país, e a posse de Goodluck Jonathan como chefe de Estado, em 2010. Logo após a morte do presidente muçulmano Umaru Musa Yar'Adua, partes da elite norte-nigeriana já haviam ameaçado tornar o país ingovernável, caso o partido governista PDP apresentasse Jonathan como candidato na campanha eleitoral de 2011.

O passado já mostrou repetidamente que os estrategistas políticos da Nigéria não hesitam em passar por cima milhares de cadáveres quando se trata de defender os próprios interesses. Agora Jonathan perdeu a presidência e quase não se ouve mais falar do Boko Haram. Acaso?

Até agora não há indícios de que o presidente eleito Muhammadu Buhari esteja em conluio com os financiadores do Boko Haram. Ele sempre manteve distância dos corruptos por trás da política norte-nigeriana. Mesmo assim, é possível que esses manipuladores acalentem a esperança de voltar a ter mais influência agora, sob o novo presidente muçulmano, do que sob Jonathan.

É de se duvidar que Buhari tenha poder de desativar as redes que controlam o terror, ou mesmo de expô-las. No melhor dos casos, agora elas se acalmarão, retirando seu apoio dos terroristas. E se algo restar do Boko Haram, serão no máximo pequenas gangues de salteadores arruaceiros, como as que também existem em outras partes da Nigéria.

Thomas Mösch – Deutsche Welle, opinião

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