A
nova roupa da direita
Marina
Amaral, da Agência Pública – Carta Capital
Rede
de conservadores dos EUA financia jovens latino-americanos para combater
governos de esquerda da Venezuela ao Brasil e defender velhas bandeiras com um
nova linguagem
“O
corpo é a primeira propriedade privada que temos; cabe a cada um de nós decidir
o que quer fazer com ele”, brada em espanhol a loirinha de voz firme, enquanto
se movimenta com graça no palco do Fórum da Liberdade, ornado com os logotipos
dos patrocinadores oficiais – Souza Cruz, Gerdau, Ipiranga e RBS(afiliada
da Rede Globo). O auditório de 2 mil lugares da PUC-RS, em Porto Alegre ,
completamente lotado, explode em risos e aplausos para a guatemalteca Gloria
Álvarez, 30 anos, filha de pai cubano e mãe descendente de húngaros.
Gloria
ou @crazyglorita (55 mil seguidores noTwitter e 120 mil em sua fanpage do
Facebook) ascendeu ao estrelato entre a juventude de direita latino-americana
no final do ano passado, quando um vídeo em que ataca o “populismo” na América
Latina durante o Parlamento Iberoamericano da Juventude em Zaragoza (Espanha)
viralizou na internet. No principal fórum da direita brasileira, Gloria e o
ex-governador republicano da Carolina do Sul David Bensley são os únicos entre
os 22 palestrantes, brasileiros e estrangeiros, escalados para os keynote –
palestras-chave que norteiam os debates nos três dias do evento, batizado de
“Caminhos da Liberdade”.
Radialista
há dez anos, hoje com um programa na TV, Gloria é uma show-woman cativante.
Conduz com desenvoltura a plateia formada majoritariamente por estudantes da
PUC gaúcha, uma das melhores e mais caras universidades do Sul do país. “Quem
aqui se declara liberal ou libertarista que levante a mão?”, pede ao público,
que responde com mãos erguidas. “Ah, ok”, relaxa. Sua missão é ensinar a seus
pares ideológicos como “seduzir e enamorar os públicos de esquerda” e vencer
“os barbudos de boina de Che”, explica a jovem líder do Movimiento Cívico
Nacional (MCN), uma pequena organização que surgiu em 2009 na Guatemala na
esteira dos movimentos que pediam – sem êxito – oimpeachment do presidente social-democrata Álvaro
Colom.
A
primeira lição é utilizar nas redes sociais o hashtag criado por ela,
“república x populismo”, para superar “a divisão obsoleta entre direita e
esquerda”. “Um esquerdista intelectualmente honesto tem de reconhecer que a
única saída é o emprego, e um direitista do século 21, que já se modernizou,
tem de reconhecer que a sexualidade, a moral, as drogas são um problema de cada
um; ele não é a autoridade moral do universo”, continua, sob uma chuva de
aplausos. Nada de culpa, nem moral nem social, ensina. A mensagem é liberdade
individual, “empoderamento” da juventude, impostos baixos, Estado mínimo – a
plataforma da direita liberal (em termos econômicos) no mundo todo: “A riqueza
não se transfere, senhores, a riqueza se cria a partir da cabecinha de cada um
de vocês”, diz. Da mesma maneira, Gloria rebate programas sociais de
assistência aos mais pobres, política de cotas para mulheres, negros,
deficientes e até mesmo a existência de minorias: “Não há minorias, a menor
minoria é o indivíduo, e a ele o que melhor serve é a meritocracia”.
“Há
uma verdade que todo ser humano deve alcançar para ter paz, se não quiser viver
como um hipócrita. Todos nós, 7 bilhões e meio de seres humanos que habitamos
este planeta, somos egoístas. É essa a verdade, meus queridos amigos do Brasil,
todos somos egoístas. E isso é ruim? É bom? Não, é apenas a realidade”, diz,
definitiva. “Há pessoas que não aceitam essa verdade e saem com a maravilhosa
ideia: ‘Não! [imita a voz de um homem], eu vou fazer a primeira sociedade não
egoísta’. Cuidem-se, brasileiros; cuide-se, AméricaLatina! Esses espertinhos
são como Stálin, na União Soviética, como Kim Jong-il, Kim Jong-un, na Coreia
do Norte, Fidel Castro, em Cuba, Hugo Chávez, na Venezuela.” E por que
“seguimos como carneirinhos” atrás desses “hipócritas”? Porque [faz careta e
vozinha de velha] “nos ensinam que é feio ser egoísta e que pensar em nós
mesmos é pecado. Quantos de vocês já não viram alguém dizer ‘ah, necessitamos
de um homem bom, que não pense só em si”, diz, encurvando-se à medida que fala
para em seguida recuperar a postura altiva: “Mira, señores, a menos que seja um
marciano, esse homem não existe, nunca existiu, nem existirá jamais”. Aplausos
frenéticos.
Mas,
explica, os “defensores da liberdade” também tem sua parcela de
responsabilidade. Eles não sabem comunicar suas ideias, usar a tecnologia para
“empoderar os cidadãos” e “libertar” a América Latina. “Se ficarmos discutindo
macroeconomia, PIB etc., vamos perder a batalha. Temos que aprender com os
populistas a falar o que as pessoas entendem, fazer com que se identifiquem”,
ela diz. “E aqui vou lhes dar outro conselho porque dizem que nós, os liberais,
somos malditos exploradores”, ironiza. “Encontrei um maneira muito bonita de
definir o conceito de propriedade privada. E com esse conceito de propriedade
privada os esquerdistas fazem assim: Ôooooo! [inclina o corpo para trás].” A
propriedade privada, diz, é o que acumulamos em toda uma vida, a partir de nossas
primeiras propriedades: corpo e mente. O passado, afirma, não é igual para
ninguém, esse acúmulo é pessoal. “Isso nos humaniza, dá um coraçãozinho a nós,
liberais, tão desgraçados.” Risos. Aplausos.
“Há
pessoas que querem o direito à saúde, à educação, ao trabalho, à moradia. A ONU
agora quer até o direito universal à internet”, desdenha, embora tenha acabado
de dizer que a tecnologia é a chave para mudar o mundo. “Imaginem que, nesse
auditório, alguns queiram o direito à educação, outros o direito à saúde,
outros o direito à moradia. Então, se eu dou a vocês a educação, todos aqui vão
pagar por isso, e vocês vão ser VIPs, e eles, cidadãos de segunda categoria. Se
eu dou a eles a saúde, todos neste auditório vão pagar pela saúde deles, e eles
vão ser VIPs. Se eu dou a esses as moradias, vou ter que tirar de todos vocês
para dar moradia a eles, e eles vão ser esses VIPs. Isso não é justiça social,
é desigualdade perante a lei”, conclui, novamente sob risos e aplausos.
“Se
cada um na América Latina tiver direito à vida, liberdade e propriedade
privada, então cada um que vá atrás da educação que queira, da saúde que
queira, da casa onde quer morar, sem precisar de super-Chávez, super-Morales,
super-Correa”. Ovação. Assobios. Antes de encerrar os 40 minutos de exposição,
Gloria convida os presentes a contrapor a visão de mundo que “vitimiza os
latino-americanos”, “joga a culpa nos ianques”, mina a “autoestima” e a coragem
de assumir riscos que exige o espírito empreendedor. A plateia aplaude de pé.
Neoliberais
e libertaristas
Gloria
Álvarez não representa nada exatamente novo. A grande diferença é a linguagem.
O MCN (movimento a que ela pertence) recebe “fundos de algumas das maiores
empresas da elite empresarial tradicional, conta o jornalista investigativo
Martín Rodríguez Pellecer, diretor do site guatemalteco Nómada, parceiro da
Pública. “Por fontes próximas, soube que uma das indústrias que os apoiam para
campanhas de massa e lobby no Congresso é a Azúcar de Guatemala, um cartel
poderosíssimo de treze empresas (a Guatemala é o quarto maior exportador
mundial de açúcar) e as usinas guatemaltecas têm, inclusive, investimentos em
usinas no Brasil.”
O
mesmo pode-se dizer em relação a suas ideias. Apesar do título sedutor, os
libertarians – libertaristas em português – “são um segmento minoritário entre
as correntes que ganharam influência no pós-guerra em oposição às políticas
intervencionistas de inspiração keynesiana”, explica o economista Luiz Carlos
Prado, da Universidade Federal no Rio de Janeiro.
A
partir da crise do petróleo dos anos 1970, economistas pró-mercado como o
austríaco Friedrich Hayek (Prêmio Nobel de 1974), monetaristas da Escola de
Chicago de Milton Friedman (Prêmio Nobel de 1976) e os novo-clássicos
associados a Robert Lucas (Prêmio Nobel de 1995) passaram a dominar o
pensamento econômico global e se tornaram conhecidos do grande público sob um
único rótulo: “neoliberal”. Seus conceitos foram trazidos para a América Latina
pelo setor mais conservador americano, representado principalmente pelos think
tanks ligados a Ronald Reagan, que depois de ter perdido as primárias
republicanas em 1968 e 1976, se elegeu presidente em 1980, tendo Friedman como
principal conselheiro. Também predominaram no governo de Margaret Thatcher
(1979-1991) na Inglaterra. “Os defensores do liberalismo clássico eram também
defensores da liberdade política, mas a corrente chamada de ‘neoliberal’
defendia essencialmente a não intervenção do Estado na economia sem uma preocupação
particular com a questão da liberdade política, chegando, em alguns casos, a
apoiar sem constrangimentos governos ditatoriais como o de Pinochet no Chile”,
observa Luiz Carlos Prado.
A
Guatemala de Gloria Álvarez é um bom exemplo de como as ideias libertarians se
traduziram na América Latina. Em 1971,“uma parte muito representativa da elite
econômica guatemalteca assumiu como projeto político o libertarismo de direita,
quando fundou a Universidade Francisco Marroquín (UFM)”, conta o jornalista
Martín Rodríguez Pellecer. “O fundador da universidade, Manuel Ayau, conhecido
como El Muso, em alusão a Mussolini, se uniu ao projeto fascista anticomunista
da MLN. Desde então, a UFM vem formando quadros políticos e acadêmicos para
desacreditar o Estado e a justiça social e converter a Guatemala no país que
arrecada menos impostos na América Latina (11% em relação ao PIB) e o que menos
redistribui”, explica. Foi nessa universidade que Gloria estudou e “se
converteu em uma libertarista um tanto menos conservadora que seus professores,
uma mistura de neoliberais e Opus Dei. Álvarez se declara ateia e a favor do
aborto e, embora tenha se tornado uma estrela da direita latino-americana, na
Guatemala é uma referência menor para a direita, não tem base política nem vai
ser candidata. Eu a vejo mais como uma enfant terrible libertarista”, diz
Martín.
Os
libertarians ressurgiram com força nos Estados Unidos depois da crise de 2008 –
e ao clamor subsequente pela regulamentação do mercado – e em decorrência da
ascensão do democrata Barack Obama ao poder. Pregam a predominância do
indivíduo sobre o Estado, a liberdade absoluta do mercado, a defesa irrestrita
da propriedade privada. Afirmam que a crise econômica que jogou 50 milhões de
pessoas na pobreza não se deveu à falta de regulação do mercado financeiro, mas
pela proteção do governo a alguns setores da economia. E rejeitam enfaticamente
os programas sociais do governo Obama. No entanto, uma parte significativa dos
libertaristas tem se distanciado do tradicionalismo da direita no campo do
comportamento, defendendo posições associadas à esquerda, como a defesa da
liberação das drogas e a tolerância aos homossexuais, em nome da liberdade do
individual. O senador republicano Rand Paul, pré-candidato à presidência, é um
de seus representantes mais conhecidos.
“Os
libertarians que estão com os conservadores no Tea Party (a corrente radical de
direita no Partido Republicano americano) estão em think tanks como o Cato
Institute e compõem a direita pós-moderna, representada, por exemplo, por
Cameron, na Inglaterra, que modernizou a agenda da redução do estado do
bem-estar social”, resume o professor. Ele acha graça quando falo em
libertarians brasileiros, seguidores da escola austríaca de economia de Ludwig
von Mises e Friedrich Hayek. “A escola austríaca é uma corrente muito
minoritária mesmo na academia”, diz. “Quem são esses libertarians? O que temos
no Brasil são economistas sofisticados que seguem correntes como a dos
novo-clássicos do prêmio Nobel Robert Lucas e outras similares, políticos de
direita pouco elaborados como o Ronaldo Caiado (senador do DEM-GO) e essa
classe média conservadora que lê Rodrigo Constantino na Veja”, resume.
Caiado
e Constantino são participantes veteranos do Fórum da Liberdade em Porto Alegre. A
novidade é que os libertarians do Tea Party mostraram-se enfim capazes de se
apresentar como a face convidativa da direita para a juventude brasileira.
Vem
pra rua, ciudadano
Na
véspera do Fórum, no dia 12 de abril, Gloria Álvarez discursou contra o
“populismo maldito” vestida com uma camiseta de lantejoulas formando a bandeira
do Brasil para cerca de 100 mil pessoas na avenida Paulista, em São Paulo , na segunda
rodada de manifestações “Fora Dilma”. Do alto do caminhão do Vem pra Rua, o
líder do movimento, Rogério Chequer, a apresentou à multidão como “uma das
maiores representantes da batalha contra o populismo do Foro de São Paulo” e se
manteve o tempo todo ao seu lado. Gloria, que havia anunciado antecipadamente
sua presença nos protestos em uma entrevista no programa de Danilo Gentili no
SBT, tinha dado uma palestra no Instituto Fernando Henrique Cardoso, assistida
pelo próprio ex-presidente, três dias antes.
Entre
os que lideraram os protestos de março e abrilcontra o governo, o movimento de
Chequer foi um dos últimos a assumir a bandeira do impeachment, o que lhe valeu
um pito público do vetusto Olavo de Carvalho, que o acusou de “paumolice
tucana”. O Movimento Brasil Livre, conhecido principalmente através da figura
de Kim Kataguiri, assumiu desde o início a bandeira do impeachment e rompeu
publicamente com Chequer, divulgando fotos dele ao lado do senador José Serra
(PSDB-SP) na campanha de Aécio Neves – tachado de “traidor” pela hesitação em
pedir o impeachment da presidente eleita. Voltaram às boas depois que a
comissão de senadores liderada por Aécio e Ronaldo Caiado (DEM-GO) fez sua
controversa expedição a Caracas.
Caiado,
aliás, estava no debate de abertura da edição do Fórum deste ano. Sem a graça
irreverente de Glorita, o senador ruralista conservador arrancou aplausos da
plateia com frases de efeito contra a corrupção do governo, menções ao “Foro de
São Paulo”, pedido de “renúncia” à presidente Dilma e ataques ao BNDES.
Curiosamente, as acusações de Caiado foram feitas sob os logotipos da Gerdau e
Ipiranga – do grupo Ultra –, que estão entre os maiores tomadores de
empréstimos do BNDES segundo os dados levantados pela Folha de S.Paulo. Ambos
obtiveram individualmente mais de R$ 1 bilhão de recursos do banco apenas entre
2008 e 2010.
O
empresário gaúcho Jorge Gerdau é um dos idealizadores do Fórum da Liberdade,
que surgiu em 1988 com a intenção de promover o debate entre diversas correntes
de pensamento. Em suas primeiras edições, o Fórum incluiu o ex-presidente Lula,
o ex-ministro José Dirceu e o falecido ex-governador Leonel Brizola entre os
debatedores, sem prejudicar sua identidade como principal fórum conservador do
país.
Foi
ali que, em 2006, foi lançado oficialmente o principal think tank da direita no
Brasil, o Instituto Millenium. Armínio Fraga (escolhido para ser ministro da
Fazenda de Aécio Neves se ele vencesse as eleições) é sua figura mais conhecida
no campo econômico. Seus mantenedores são a Gerdau, a editora Abril e a
Pottencial Seguradora, uma das empresas de Salim Mattar, dono da locadora de
veículos Localiza. A Suzano, o Bank of America Merrill Lynch e o grupo Évora
(dos irmãos Ling) também são parceiros. William Ling participou da fundação do
Instituto de Estudos Empresariais (IEE) em 1984, que, formado por jovens
líderes empresariais, organiza o Fórum desde a primeira edição; seu irmão,
Wiston Ling, é fundador do Instituto Liberdade do Rio Grande do Sul; o filho, Anthony Ling, é
ligado ao grupo Estudantes pela Liberdade, que criou o MBL. O empresário do
grupo Ultra, Hélio Beltrão, também está entre os fundadores do Millenium,
embora tenha o próprio instituto, o Mises Brasil.
A
rede de think tanks liberais e libertaristas no Brasil se completa com mais
duas entidades: o Instituto Ordem Livre – que realiza seminários para a
juventude – e o Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do
Rio de Janeiro, ligado ao Opus Dei. O jurista Ives Gandra, autor do controverso
parecer sobre a existência de base jurídica para o impeachment da presidente
Dilma, faz parte de seu conselho.
A
exemplo do Millenium, a grande maioria desses institutos foi criada
recentemente. A semente original foi o Instituto Liberal, criado em 1983 pelo
engenheiro civil carioca Donald Stewart Jr., falecido em 1999. De acordo com a
tese de doutorado do historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, da Universidade
Federal Fluminense (UFF), “A ditadura dos empreiteiros (1964-1985)”, a Ecisa
(Engenharia Comércio e Indústria S.A.), empresa de Stewart Jr., foi uma das
maiores empreiteiras durante a ditadura militar e Stewart Jr. se associou à
construtora norte-americana Leo A. Daly para construir escolas no Nordestepara
a Sudene. A participação de companhias dos EUA nas obras era exigência dos
financiamentos da Usaid – a agência de desenvolvimento americana que funcionava
como braço da CIA durante as ditaduras latino-americanas.
Donald
Stewart Jr. também era um velho amigo de um personagem crucial nessa história,
o argentino radicado nos Estados Unidos Alejandro Chafuen, 61 anos, ambos
membros da seleta Mont Pelèrin Society, fundada pelo próprio Hayek em 1947 na
Suíça e sediada nos Estados Unidos, que reúne os mais fiéis libertarians. El
Muso, o fundador da universidade onde estudou Gloria Álvarez, foi o primeiro
latino-americano a presidir aMont Pelèrin, e seu atual reitor, Gabriel Calzada,
participa da diretoria com a brasileira Margaret Tsé, CEO do Instituto da
Liberdade, o suporte ideológico do IEE. O atual presidente da Mont Pelèrin
Society é o espanhol Pedro Schwartz Girón, semeador de think tanks vinculados à
FAES, a fundação do Partido Popular (PP) presidida por José María Aznar, que
promoveu o Parlamento Iberoamericano da Juventude, de onde Gloria Álvarez foi
catapultada para a fama. Pedro Schwartz, Alejandro Chafuen e o colombiano
Plinio Apuleyo Mendoza, coautor do livro Manual do perfeito idiota
latino-americano, um hit da juventude de direita, participaram do painel
“América Latina”, no Fórum da Liberdade. Chafuen também participou
discretamente dos protestos de 12 de abril em Porto Alegre. Não
resistiu, porém, a postar em
seu Facebook uma foto em que aparece vestido com a camisa da
CBF abraçado ao jovem cientista político Fábio Ostermann, da coordenação do
Movimento Brasil Livre – nome que assumiu nas ruas o grupo Estudantes pela
Liberdade (EPL).
O
gaúcho Ostermann, o mineiro Juliano Torres e o gaúcho Anthony Ling são
fundadores do EPL, a versão local do Students for Liberty, uma
organização-chave na articulação entre os think tanksconservadores
americanos – especialmente os que se definem como libertários – e a juventude
“antipopulista” da América Latina. Mr. Chafuen, presidente da Atlas Network
desde 1991, é o seu mentor.
A
Atlas Network (nome fantasia da Atlas Economic Research Foundation desde
2013) é uma espécie de metathink tank, especializada em fomentar a criação
de outras organizações libertaristas no mundo, com recursos obtidos com
fundações parceiras nos Estados Unidos e/ou canalizados dos think tanksempresariais
locais para a formação de jovens líderes, principalmente na América Latina e
Europa oriental. De acordo com o formulário 990, que todas as organizações
filantrópicas tem de entregar ao IRS (Receita nos EUA), a receita da Atlas em 2013 foi de US$ 11,459 milhões. Os
recursos destinados para atividades fora dos Estados Unidos foram de US$ 6,1
milhões: dos quais US$ 2,8 milhões para a América Central e US$ 595 mil para a
América do Sul.
Com
exceção do Instituto Fernando Henrique Cardoso, todas as organizações citadas
até agora compõem a rede da Atlas Network no Brasil, incluindo o MCN de Gloria
Álvarez, a Universidade Francisco Marroquín e o Estudantes pela Liberdade, uma
organização que nasceu dentro da Atlas em 2012. Como veremos, além dos recursos
citados há projetos bem mais vultosos financiados por outras fundações e
executados pela Atlas.
Students
For Liberty e o Movimento Brasil Livre
Juliano
Torres, o diretor executivo do Estudantes pela Liberdade (EPL), foi mais claro
sobre a ligação entre o EPL e o Movimento Brasil Livre (MBL), uma marca criada
pelo EPL para participar das manifestações de rua sem comprometer as
organizações americanas que são impedidas de doar recursos para ativistas
políticos pela legislação da receita americana (IRS). “Quando teve os protestos
em 2013 pelo Passe Livre, vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam
participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e
a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá, eles não podem
desenvolver atividades políticas. Então a gente falou: ‘Os membros do EPL podem
participar como pessoas físicas, mas não como organização para evitar
problemas. Aí a gente resolveu criar uma marca, não era uma organização, era só
uma marca para a gente se vender nas manifestações como Movimento Brasil Livre.
Então juntou eu, Fábio [Ostermann], juntou o Felipe França, que é de Recife e
São Paulo, mais umas quatro, cinco pessoas, criamos o logo, a campanha de
Facebook. E aí acabaram as manifestações, acabou o projeto. E a gente estava
procurando alguém para assumir, já tinha mais de 10 mil likes na página,
panfletos. E aí a gente encontrou o Kim [Kataguiri] e o Renan [Haas], que
afinal deram uma guinada incrível no movimento com as passeatas contra a Dilma
e coisas do tipo. Inclusive, o Kim é membro da EPL, então ele foi treinado pela
EPL também. E boa parte dos organizadores locais são membros do EPL. Eles atuam
como integrantes do Movimento Brasil Livre, mas foram treinados pela gente, em
cursos de liderança. O Kim, inclusive, vai participar agora de um torneio de
pôquer filantrópico que o Students For Liberty organiza em Nova York para arrecadar
recursos. Ele vai ser um palestrante. E também na conferência internacional em
fevereiro, ele vai ser palestrante”, disse em entrevista por telefone na
sexta-feira passada.
Remunerado
por seu cargo na EPL, Juliano conta que tem duas reuniões online por semana com
a sede americana e que ele e outros brasileiros participam anualmente de uma
conferência internacional, com as despesas pagas, e de um encontro de
lideranças em
Washington. O budget do Estudantes pela Liberdade no Brasil
deve alcançar R$ 300 mil este ano. “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos
R$ 8 mil, o segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu
bastante. A gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas.
A Atlas, junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No
Brasil, as principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma
organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas
para a gente. Então houve um encontro no Sul e no Sudeste, em Porto Alegre e Belo
Horizonte. Eles alugaram o hotel, a hospedagem, pagaram a sala do evento, o
almoço e o jantar. E tem alguns doadores individuais que fazem doação para a
gente.”
A
fundação da EPL no Brasil veio depois de Juliano ter participado de um
seminário de verão para trinta estudantes patrocinado pela Atlas em Petrópolis,
em 2012. “Ali mesmo a gente fez um rascunho, um planejamento e daí, depois, a
gente entrou em contato com a Students for Liberty para oficialmente fazer
parte da rede”, diz.
Depois
disso, ele passou por quase todo tipo de treinamento na Atlas. “Tem um que eles
chamam de MBA, tem um treinamento em Nova York também, treinamentos online. A gente
recomenda para todas as pessoas que trabalham em posições de mais
responsabilidade que passem pelos treinamentos da Atlas também.”
Os
resultados obtidos pelos brasileiros têm impressionado a sede nos Estados
Unidos. “Em 2004, 2005 tinha uma dez pessoas no Brasil que se identificavam com
o movimento libertário. Hoje, dentro da rede global do Students for Liberty, os
resultados que a gente tem são muito bons. Uma das maneiras de medir o
desempenho das regiões é o número de coordenadores locais. Em todas as regiões,
contando a América do Norte, a África, a Europa, a gente tem mais coordenadores
que qualquer região separadamente. Nos Estados Unidos, a organização existe há
oito anos; na Europa, há quatro; aqui, há três anos. Então, a gente está tendo
mais resultado em muito pouco tempo que acaba traduzindo em maior influência na
organização.”
Há
dois brasileiros no International Board do Students for Liberty (entre dez
membros), e o relatório deste ano dedica uma página especialmente às
manifestações do MBL no Brasil. A brasileira Elisa Martins, formada em Economia
na Universidade de Santa Maria (RS), é a responsável pelos programas
internacionais de bolsas de estudo e treinamento de lideranças jovens na Atlas
Network.
Os
programas são realizados em parceria com outras fundações, principalmente o
Cato Institute, a Charles G. Koch Charitable Foundation e o Institute of Human
Studies – fundações ligadas à família Koch, uma das mais ricas do mundo.
Juntas, as 11 fundações dos Koch despejaram 800 milhões de dólares nas duas
últimas décadas na rede americana de fundações conservadoras. Outra parceira
importante é a John Templeton Foundation, de outro bilionário americano. Essas
fundações têm orçamentos bem maiores do que a Atlas e desenvolvem programas de
fellowships em que entram com recursos e a Atlas, com a execução. Um exemplo
desses projetos é o financiamento da expansão da Rede Students for Liberty com
recursos da John Templeton, fechado em 2014 com mais de US$ 1 milhão de orçamento.
Por
isso, embora apareça em terceiro lugar entre as financiadoras do Students for
Liberty, a Atlas levanta um volume bem maior de recursos para a organização
através de suas parceiras. Todos os maiores doadores do Students for Liberty
também são doadores da Atlas. Nem sempre é possível saber a origem do dinheiro,
apesar da obrigação legal de publicar os formulários 990 – entregues ao IRS
(Receita). As fundações conservadoras americanas escoam dinheiro por uma grande
multiplicidade de canais, o que torna impossível, ao final, saber qual a origem
inicial do dinheiro que chega a cada um dos receptores.
Além
disso, preocupadas com a vigilância que exercem sobre elas projetos como o
Transparency Conservative e órgãos de imprensa, que já revelaram uma série de
escândalos envolvendo o uso desses recursos para lobbies no Congresso e nos
governos estaduais, bem como para causas controversas como a negação do
aquecimento global, em 1999 as fundações criaram dois fundos de investimento
filantrópico – Donors Trust e Donors Capital Management – que dispensam os
doadores de ter o nome exposto em formulários 990. O Donors Trust é o maior
doador do Donors Capital Management (e vice-versa). Como se vê no quadro, o
primeiro está entre os maiores doadores da Atlas, e o segundo é o maior doador
do Students for Liberty. As fundações Koch são as maiores suspeitas de despejar
dinheiro nesses fundos.
O
relatório 2014-2015 da Students for Liberty mostra uma arrecadação de fundos
impressionante: US$ 3,1 milhões comparados a apenas US$ 35,768 mil dólares
obtidos em 2008, quando a organização foi fundada. Desses, US$ 1,7 milhão veio
de fundações, segundo o relatório que não detalha o volume doado por cada
instituição. O Charles Koch Institute consta no relatório da Students for Liberty,
mas, segundo o formulário, doa bolsas apenas para estudantes americanos,
enquanto a Charles Koch Foundation, que doa bolsas para estudantes em uma série
de fundações, não é citada no relatório. O Institute of Human Studies
(IHS) – outra fundação da família Koch – é um dos principais responsáveis pelos
programas de Fellowship para estudantes. Só em 2012 foram distribuídos 900 mil
dólares em doações de acordo com o formulário entregue ao IRS.
A
Atlas é uma das principais parceiras do IHS. O currículo de Fábio Ostermann,
por exemplo, coordenador do MBL, diz que ele foi Koch Summer Fellow na Atlas
Economic Research Foundation. Ostermann é assessor do deputado Marcel van
Hattem (PP-RS), apontado por Kim Kataguiri como o único político a abraçar
totalmente as convicções do MBL. O jovem deputado, que foi eleito com doações
da Gerdau e do grupo Évora – do pai de Anthony Ling, fundador do EPL –, também
participou de cursos na Acton Institute University, a mais religiosa das
fundações libertaristas que compõem a rede de fellowship da Atlas e da Koch
Foundation. Entre os seus princípios consta o “pecado”, por exemplo,
relacionado de maneira singular com a necessidade de reduzir o Estado.
A
festa do mate
O
Fórum da Liberdade, afinal, se encerrou como as manifestações de rua que o
antecederam: aos gritos de “Fora Dilma”, “Fora PT”. O deputado Marcel van
Hattem fez uma apresentação exaltada, depois de ter agradecido ao fórum o cargo
– “Se eu sou deputado hoje, devo também ao Fórum da Liberdade” – e fez uma
interessante distinção entre as manifestações de 2013 – pluripartidária e
desorganizada – e as deste ano – “quando tínhamos pauta”.
O
programa foi modificado com a chegada de Kim Kataguiri, que não constava como
palestrante. Foi abraçado pelos patrocinadores, como Jorge Gerdau e Hélio
Beltrão, posou para fotos com diversos fãs e, com o amigo Bene Barbosa, que
lançava um livro pela liberação das armas de fogo para qualquer cidadão, foi
para o auditório, novamente lotado de estudantes.
Sentadinho
no sofá, Kim esperou Van Hattem desfiar as acusações de praxe – contra o Foro
de São Paulo, o poder totalitário do PT e “o maior escândalo de corrupção do
universo” –, arrancando aplausos a cada frase de efeito. Também despertou
entusiasmo mostrando sua identificação com a plateia: “A vanguarda, hoje, não é
esquerdista, é liberal. O jovem bem informado vai para as ruas e pede menos
Marx, mais Mises. Curte Hayek, não Lênin. Levanta cartazes hashtag ‘Olavo
tem razão’”.
Então,
Van Hattem saiu do púlpito e, caminhando pelo palco, foi em direção a Kim. “O
próximo passo depende de vocês, mas é difícil. O sistema brasileiro é
refratário a novas ideias. Hoje mesmo, Kim, o deputado comunista Juliano Roso
te chamou de fascista”, disse. E por fim: “Eu só quero concluir dizendo aquilo
que as ruas estão dizendo: ‘Fora PT’. Aplausos, gritos. A plateia canta em
coro: “Olê, olê, olê, olê, estamos na rua só pra derrubar o PT”.
Foi
a deixa para a entrada de Kim. De tênis, andando pelo palco, Kim conclamou “os
institutos liberais “a sair da nossa bolha liberal, da nossa bolha libertária,
da nossa bolha conservadora e tomar o país.” E afirmou: “Chegou a hora da gente
tirar o monopólio da esquerda da juventude. A gente tem que acabar com essa
imagem de que quem defende o livre mercado é aquele tiozão de coturno que
defende o regime militar. A oposição é a gente. A gente quer privatizar a
Petrobras. A gente quer o Estado mínimo. Brasília não vai pautar o povo. É o
povo que vai pautar Brasília”.
Três
dias depois do Fórum, Kim Kataguiri partia para sua Marcha pela Liberdade em
direção a Brasília, com minguada adesão, enquanto Gloria Álvarez
empreendia um périplo que a levaria da Argentina a Venezuela noticiado
efusivamente em suas redes sociais. Na Argentina, passou por Buenos Aires e
pela cidade de Azul, convidada pela Sociedade Rural de Argentina. Em Tucumán,
suas palestras na Universidade Nacional foram organizadas pela Fundación
Federalismo y Libertad, que tem em seu conselho internacional a Atlas
Foundation, a Heritage Foundation, Cato Institute, o Hispanic American Center
for Economic Research, o CEDICE Libertad (Venezuela) e o Instituto Ecuatoriano
de Economía Política (Equador).
Todas
essas organizações fazem parte da Atlas Network, assim como as outras
fundações que encomendaram o passeio de Glorita: Estudiantes pela Libertad
(Bolívia e do Equador), o Cedice, na Venezuela, e a Fundación Para El
Progresso, no Chile.
O
episódio mais interessante de sua viagem, porém, não foi registrado em suas
redes sociais, nem mesmo nos jornais do Chile. No dia 23 de abril, ela e a
blogueira cubana Yaoni Sanchez, encontraram-se com o ex-presidente conservador
Sebastián Piñera depois de terem realizado palestras na Universidade Adolfo
Ibañez em Viña del Mar.
O
encontro com o ex-presidente – que também é a única foto em que aparecem juntas
– foi noticiado pelo twitter do economista Cristián Larroulet, ex-ministro de
Piñera com a legenda “O Presidente Piñera com Yoani Sánchez e Gloria Álvarez,
dois exemplos de mulheres latino-americanas que lutam pela liberdade”.
Larroulet, é fundador do think tank Libertad y Desarrollo, obviamente
parceiro da Atlas Network.
Originalmente
publicado na Agência Pública
Na
foto a guatemalteca Gloria Álvarez durante evento em Porto Alegre / Fernando
Conrado
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