sábado, 13 de junho de 2015

O PCP TORNADO INVISÍVEL PELA COMUNICAÇÃO SOCIAL



Pacheco Pereira – Sábado, opinião

Esta semana, a chamada Marcha Nacional A Força do Povo, feita em nome da CDU, mas na realidade feita pelo PCP, juntou muitos milhares de pessoas em Lisboa. O assunto foi tratado de passagem nas televisões, sem grandes meios e cobertura apenas de circunstância, e na maioria dos casos "existiu" nas páginas interiores dos jornais, também quase por obrigação de agenda.

Eu conheço os argumentos de muitos jornalistas para não darem importância nenhuma (e por isso não noticiarem a não ser por obrigação, ou seja, mal) às manifestações do PCP, mas não me convencem. Não tem novidade, é o que é esperado, é sempre a mesma coisa, já sabemos que o PCP tem esta capacidade única de levar pessoas para a rua. Vêm de todo o País, vêm em centenas de autocarros, são os comunistas convencidos e mais umas franjas, não alteram nada da vida política. Atenção a este último argumento – não alteram nada – porque aí começamos a tocar no lado sensível e ideológico do objectivo desprezo com que estas manifestações são tratadas pela comunicação social. E não é o resultado de uma conspiração dos grandes interesses na comunicação social, muito colados à "situação" (também é, principalmente pelas escolhas das chefias), mas algo que vem das próprias redacções. Uma pequena iniciativa cultural na moda, que nem uma centena de pessoas junta, é muito mais bem tratada.

Há muitas razões de ordem geracional, cultural, de vida, de mentalidade do meio, da precariedade que se vive nas redacções para justificar esta falta de interesse. Mas que o mundo que desfila em Lisboa, à torreira do sol, feito de gente com causas bizarras como os baldios, não interesse a uma jornalista de vinte e poucos anos, saída de uma escola de comunicação social, estagiária, mas na prática desempregada, que não sabe o que é um sindicato, detesta greves e do mundo conhece o que vem na Time Out, percebe-se. O que não se percebe é que na sua redacção não se vá mais longe e se perceba que "aquilo" no Portugal dos dias de hoje é mais excepcional do que parece, "aquilo" implica mais esforço e cidadania do que andar horas a discutir a migração de treinadores entre clubes, como se o mundo estivesse parado nessa logomaquia futebolística.

"Aquilo" é o outro Portugal que não tem nada a ver com os salamaleques do "meu caro Pedro", "meu caro Paulo", muito mais bem tratados do que a vida de centenas de milhares de pessoas invisíveis porque não são o "arco da governação certo", do País "europeísta", da classe social certa. "Aquilo" é uma parte da sociedade portuguesa que existe e que protesta, e que se não protestasse não existia para ninguém. Eles são parte da economia expendable dos nossos tecnocratas, a mesma que impede a jovem jornalista de conhecer mais mundo, ter sido mais bem preparada na escola, e ter um emprego conforme as suas qualificações. Um emprego e não um estágio. E que, a seu tempo, pode precisar do seu sindicato e, imagine-se, ter de fazer greve e protestar. Nesse dia, ela perceberá melhor a condição das pessoas que ali estão a protestar, podendo até ela ser… do PSD, do PS ou de nada.

Não gosto de bater em quem está em baixo

Uma das coisas que mais me repugnam nos nossos costumes nacionais é a subserviência ao poder, quando alguém está em cima, e o correr para atirar uma pedra quando esse mesmo alguém está em baixo. Já vi isto acontecer várias vezes, umas vezes a pretexto das malfeitorias verdadeiras do poderoso em queda, outras vezes com imensa injustiça, seguindo-se apenas uma sanha qualquer da opinião pública.

Poucas pessoas em Portugal criticaram com mais dureza José Sócrates, muitas vezes sozinho, sujeito aos violentos ataques de uma claque de fãs de José Sócrates que não poupava nos insultos (e ainda anda por aí), e sem qualquer apoio entre os "meus" companheiros, que chegaram tarde e a más horas à crítica a Sócrates, muitas vezes depois de o incensarem. Há muita tendência para varrer a memória desses tempos que não são politicamente convenientes, mas não é preciso muito esforço para reconstituir os tempos em que uma parte considerável da direita questionava se partidos como o PSD podiam sobreviver com o seu programa "roubado" por esse "menino de ouro" do PS, que queria fazer "reformas", pôr o défice na ordem e combater as "corporações" que mandavam indevidamente em Portugal. Onde é que eu ouço isto hoje? Na "narrativa" da coligação.

Escrevo isto porque desde que Sócrates foi preso – e eu tenho uma convicção interior de culpabilidade, o que não tem qualquer valor em si –, tenho evitado entrar no gozo e na humilhação que muitos mostram com o destino do homem e penso continuar a fazê-lo – claro que Sócrates não ajuda, porque ao colocar a ênfase numa defesa política, justifica que a sua condição seja discutida politicamente no espaço público. Isso inquina o debate, mas é compreensível do ponto de vista subjectivo, e é por isso que eu espero que a justiça (bem sei, uma abstracção) proceda com todo o cuidado e rigor possível quer na elaboração do processo, quer nos procedimentos tomados em relação com o arguido.

Sócrates não é um preso qualquer, não deve ter privilégios excepcionais, mas também não pode ser alvo de uma enorme tentação da nossa justiça que é querer encontrar exemplos forçando as provas. Se fizerem isso com Sócrates é mau para ele, mas é muito pior para qualquer outro cidadão que encontre à sua frente uma justiça que faz o que quer, deturpa a lei, abusa do seu poder e entende que o pode fazer com impunidade porque a opinião pública está do seu lado. O meu desejo é que o caso contra Sócrates seja muito bem investigado, demonstrado e provado. Muito bem, sem dúvidas, sem julgamentos "por convicção", mas com provas.

Tenho muito receio de que a corrupção possa ficar impune, se a houver neste caso, mas tenho igualmente receio da prepotência da justiça, porque será o cidadão comum a principal vítima e não virá nos jornais e ninguém o defenderá.

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