quinta-feira, 25 de junho de 2015

PROVAS DE VIDA




1 – A União Europeia e a CELAC (“Comunidade de Estados Latino Americanos e Caribenhos”), estiveram recentemente frente a frente a fim de melhor concertar os assuntos de comum interesse para ambas as regiões.

Há um contraste gritante entre as opções sobre a mesa:

- Do lado da União Europeia adensam-se as que estão a formatar um estado de “democracia representativa”, cada vez mais referentes aos interesses das oligarquias europeias enfeudadas à aristocracia financeira mundial, detentora de processos de globalização caracterizados por uma acérrima cultura de hegemonia unipolar que inclui a opção da promoção de conflitos, tensões e guerras;

- A trilha da América Latina, CELAC incluída, está em processo de ruptura em relação aos processos típicos de “democracia representativa”, o que comporta o direccionamento da democracia para plataformas muito mais amplas, de integração, de emergência, mas também de participação popular, de luta apontada ao primado social, de aproximação a culturas que respeitam equilíbrio, justiça e solidariedade social, como de respeito pela Mãe Terra, que promove a paz (a América Latina declarou-se “zona de paz”)…

Olhos nos olhos, ainda que num nível tímido muito por culpa da União Europeia, as duas organizações sentaram-se à mesma mesa, havendo algum rescaldo público por via das mensagens que dois dos presidentes da CELAC deixaram via “Euronews”: Evo Morales e Rafael Correa.

Perante as provas de vida, não é por falta de mensagens construtivas, com todos os ensinamentos e experiências que elas comportam, que a União Europeia está “fora dos carris democráticos”!
  
2 – A mensagem do Presidente Evo Morales referiu-se ao seu país, à perspectiva de entrada da Bolívia no MERCOSUL, aos entraves dum melhor relacionamento do MERCOSUL com a União Europeia, às questões que se prendem com o tráfico internacional de droga, às estatísticas relativas ao assassinato de mulheres na Bolívia, aos problemas inerentes às migrações humanas e, por fim, à corrupção que afecta a FIFA, que ultimamente tem sido foco das atenções dos “mídia” globais.

O Presidente Evo Morales preocupou-se na transmissão das mensagens com interesse recíproco que a União Europeia precisa ouvir, com responsabilidade e coerência, até por que nada é embaraçoso para quem procura transparência em processos sustentáveis de democracia.

Eis o que ele disse em relação à migração:

"Eu não aceito a emigração. Discordo que se deva migrar porque, o mais importante para nós, é a forma como podemos construir, juntos, uma cidadania universal."

(…)
Sinto que nunca houve uma política de entendimento entre os dois continentes. Mas os tempos são outros, são tempos de mudança. Os nossos povos precisam de mudanças profundas, para o seu bem. Eu não aceito a emigração. Discordo que se deva migrar porque, o mais importante para nós, é a forma como podemos construir, juntos, uma cidadania universal. Segundo os últimos dados da Organização Internacional para as Migrações, há mais europeus a chegarem à América Latina e ao Caribe do que o inverso. Nós, latino-americanos, nunca aprovámos leis para expulsar os europeus, não construímos prisões para os mal-amados imigrantes. Mas não vemos a mesma resposta da Europa.”
  
3 – O Presidente Rafael Correa por seu turno debruçou-se sobre a situação económica no Equador e na Venezuela, assim como em relação ao “caso Assange”.

Eis os ensinamentos que transmitiu sobre as questões económicas e financeiras:

“O ano passado foi um ano difícil para a América Latina; a região cresceu 2,1% e o Equador cresceu 3,8%. A economia não petrolífera cresceu 4,3%, o que nos coloca numa posição de vantagem na região. Como o fizemos? Pois bem, conhecemos a economia, sabíamos que a chave está na protecção da nossa produção e dos postos de trabalho. Não fomos nas cantigas do salve-se quem puder e do mercado livre.

Privilegiámos a nossa produção, os nossos empregos com um programa de investimento público muito forte o que atrai investidores privados. Investimos em infra-estruturas, energia e educação.

Nós, latinos, somos peritos em crises. Passámos por elas e estamos preocupados com a Europa pois estão a cometer os mesmos erros que nós cometemos.

Falemos da Grécia, por exemplo. Falemos das condições a que o país está sujeito: pacotes do FMI, nós, latino-americanos, já por lá passámos. Todas estas medidas não servem para ultrapassar a crise, trata-se apenas de liquidar a dívida. Por um lado, eles oferecem dinheiro e fundos, por outro, impõem medidas duras: salários baixos, eliminação de subsídios, despedimentos em massa no setor público… tudo isto para ir buscar dinheiro a fim de liquidar uma dívida privada.

No fim de contas, os países endividam-se através de tratados multilaterais. Tudo isto apenas para garantir uma dívida privada. As pessoas não ganham nada. Não saem da crise. Vimos isto a repetir-se na Europa.

É a supremacia do capital sobre os seres humanos em nome do chamado liberalismo que de facto não é mais do que uma ideologia”.

Nós passámos por tudo isto. Foi a crise da dívida na América Latina nos anos oitenta.

Antes de 1976 os banqueiros não vinham à América Latina, nem mesmo de férias. Após 1976 eles começaram a chegar aos magotes e iam directamente ao ministério da economia com sacos cheios de dinheiro, subornos, oferecendo armas a ditaduras e não promovendo a democracia. Criaram a enorme dívida latino-americana e contaram com a ajuda da comunicação social. Eles diziam que era endividamento agressivo, que os projectos eram ultra lucrativos e iriam permitir o pagamento das dívidas etc… a realidade era totalmente diferente.

Graças aos choques petrolíferos, os países árabes obtiveram muito dinheiro que foram colocar nos bancos dos países desenvolvidos. O negócio dos bancos não é guardar o dinheiro mas investi-lo. Eles não sabiam o que fazer ao dinheiro e vieram investi-lo na América Latina. Eles não sabiam que os países também podiam falhar, até 1982 quando o México declarou que já não podia pagar mais a dívida. Foi então que os banqueiros chegaram à brilhante conclusão de que se tratava de uma questão de sobre endividamento, o que eles não disseram é que se tratava igualmente de um problema de excesso de empréstimos. Os bancos conheciam as condições económicas de vários países, existiam dívidas corruptas que serviam para comprar armas e perpetuar as ditaduras no poder.

Agora, poderá perguntar-me se os bancos não sabiam da situação na Grécia? Os enormes défices fiscais mascaravam outras dívidas. E agora querem responsabilizar apenas a Grécia por isso? Ao menos vamos partilhar responsabilidades. É daí que surgem as soluções.

Sou o primeiro presidente perito em economia deste país. O governo conta com uma boa equipa de peritos económicos. Somos muito cuidadosos com o nosso endividamento. A nossa constituição proíbe o endividamento para a construção de projectos sociais. Parece um paradoxo. Porquê? Porque por um lado eles pressionam-nos para pagarmos uma dívida ilegal dizendo que o país precisa de hospitais e escolas. A seguir vem o FMI e o Banco Mundial que nos oferecem dinheiro para desenvolvimento social, eles parecem sempre bem-intencionados. Os projectos sociais podem ser muito lucrativos mas mesmo assim são precisos dólares para se pagarem dívidas em dólares.

Agora só podemos endividar-nos quando os projectos geram lucros em dólares. Temos muito cuidado com o endividamento. E temos muito cuidado com o programa de investimento também e para onde vai o dinheiro. Podemos pagar dívidas mas queremos apenas projectos muito rentáveis”.
  
4 – As mensagens que ambos os Presidentes latino-americanos deixaram na Europa, não se prendem apenas às relações comuns entre a CELAC e a União Europeia, apesar dos seus focos.

Elas constituem lições universais e, no caso africano, constata-se que em relação a elas, há mesmo muito que aprender!

Foto: Intervenção do Presidente Rafael Correa durante a reunião UE-CELAC; mensagens que os europeus não querem ouvir?

A consultar: 

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