Há
uns dias, um ex-governante socialista perguntava-me: já leste a coluna de hoje
do líder de opinião da nova direita? Fui ler.
Francisco Louçã
– Esquerda.net, opinião
Escreve
Vital Moreira, no seu estilo do-alto-da-escada-monumental-eu-vos-contemplo: “O
Governo Syriza fez tudo para tornar a divida insustentável e agora invoca a
insustentabilidade autoprovocada para reclamar a reestruturação da dúvida. Os
contribuintes dos demais países da União que paguem os irresponsáveis desmandos
do Syriza”. Portanto, a culpa foi do Syriza, eles é que tornaram a dívida
insustentável e agora querem que paguemos a conta, coitados de nós. Prova do
crime, o relatório do FMI da semana passada.
Eis
o que o trecho que Moreira triunfalmente apresenta, apoia e
cita para demonstrar o “desmando” do Syriza:
“o
FMI acrescenta que se fossem tomadas as medidas recomendadas na última revisão
do programa agora terminado, a dívida grega não se tornaria insustentável:
If
the program were implemented as specified at the last review, debt servicing
would have been within the recommended threshold of 15 percent of GDP on
average during 2016–45 . This would require primary surpluses of 4+ percent of
GDP per year and decisive and full implementation of structural reforms that
delivers steady state growth of 2 percent per year (with the best productivity
growth in the euro area) and privatization.”
Leia
com cuidado, se faz favor. Diz o FMI e repete o embevecido Moreira: se a
austeridade tivesse sido aplicada como convinha, o serviço da dívida seria 15%
do PIB de 2016 a 2045. Trinta anos. Para garantir esse pagamento, a Grécia só
teria que assegurar um saldo primário acima de 4%. Durante trinta anos
seguidos. Mas para isso ainda seria preciso que tivesse um crescimento real
anual de 2% durante trinta anos, o que implicaria nada menos do que o “melhor
crescimento da produtividade da zona euro”. Durante trinta anos.
A
mais forte economia da Europa, a Alemanha nunca teve saldos primários de 4%
durante uma década seguida nos tempos modernos, quanto mais durante trinta
anos. Ou seja, a condição imposta à Grécia é uma impossibilidade, nunca houve
nada de comparável, é uma impostura.
A
hermenêutica do texto sagrado do FMI produz estes absurdos: onde o FMI indica
que o plano é impossível, Moreira ou Passos Coelho descobrem as virtudes
salvíficas da política de austeridade. Para eles, quanto pior melhor, se se
cobrarem ainda mais impostos ou se se reduzirem as pensões então sobrará para
pagar aos credores e aos seus juros, estamos salvos.
Se
tivesse lido este relatório como ele é, a demonstração triste do fracasso do
“ajustamento”, Moreira não teria ficado estarrecido com o resultado do
referendo. Agora, escreveu ele na noite do referendo, “só pode esperar-se o
pior, ou seja, a impossibilidade de um acordo de assistência financeira a curto
prazo e a rápida degradação financeira, económica, social e política na
Grécia”.
O
percurso fulminante de Moreira leva-o por isso a afastar-se da “austeridade
inteligente” para se aproximar da versão bruta de Sigmar Gabriel e, entre nós,
do PaF. Passos Coelho não podia ter melhor aliado nas diatribes contra a
Grécia, que são o seu argumento eleitoral último. Humilhem os gregos, corram
com eles, incendeiem Atenas, que nós, “os contribuintes dos demais países da
União” não pagamos “os irresponsáveis desmandos” da esquerda. Faltava-lhe um
“professor de direito de Coimbra pelo amor de Deus” para avalizar a sua pose
austeritária.
Artigo
publicado em blogues.publico.pt a 7 de julho de 2015.
*
Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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