quinta-feira, 2 de julho de 2015

JURISTA ELOGIA NOVO CÓDIGO PENAL MOÇAMBICANO APESAR DAS CONTRADIÇÕES




De uma maneira geral, o novo Código Penal moçambicano tem muitos aspetos positivos, considera Custódio Duma, presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos. Mas vários pontos não tiveram o devido tratamento, diz.

Por exemplo, explica o jurista Custódio Duma, o Código Penal prevê penas para violações de menores até aos 12 anos, quando a Carta Africana dos Direitos Humanos considera menores pessoas com menos de 18 anos.

O aspeto mais controverso da nova lei é precisamente a forma como trata como menores apenas as crianças até aos 12 anos em vários crimes como a violação sexual. Assim, quem violar um menor de 12 anos incorre na pena máxima de 24 anos, mas se a vítima tiver menos de 16 o castigo baixa para oito anos.

Em entrevista à DW África, o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) começou por falar dos pontos positivos do instrumento legal em vigor desde 1 de julho de 2015 e que revoga um texto de 1886, quando Moçambique ainda estava sob o jugo colonial português.

DW África: Que aspectos positivos apresenta o novo Código Penal?

De uma maneira geral, o novo Código Penal moçambicano tem muitos aspetos positivos, considera Custódio Duma.

Custódio Duma (CD): O primeiro grande ponto positivo é a entrada em vigor do código. Na verdade, já estávamos com o código há mais de duas centenas de anos. Por isso, Moçambique está de parabéns por ter quebrado um pouco este espírito criminal de há dois séculos atrás e que estava imbuído de princípios religiosos católicos e outros que já não se adequavam aos tempos modernos.

Em segundo lugar, um aspeto importante também é a introdução de penas alternativas à prisão. Hoje em dia, a prisão é contestada em vários círculos de pensamento de discussão de assuntos criminais. E há outras medidas para que as pessoas paguem pelos seus erros dignificando a sua própria pessoa e a sociedade que eventualmente terá ofendido. A introdução dessas novas penas alternativas à pena de prisão é positiva. Mostra uma evolução por parte do nosso direito penal.

DW África: Por outro lado, o novo Código Penal também pode ser considerado um retrocesso se considerarmos a atual tendência de redução de penas. Porque o Código prevê aumento de penas para algumas situações.

CD: De facto, é um pouco contraditório. No geral, ele introduziu penas alternativas à prisão, que é uma ideia que não quer eliminar a prisão em si, mas tornar a prisão menos onerosa, tanto para aquele que está a cumprir a pena como para o Estado. E introduz-se penas alternativas à prisão porque essas pessoas muitas vezes continuam na sua própria casa e alimentam-se com aquilo que vão ganhando, prestando serviços à comunidade. E o Estado deixa de investir muito nas prisões.

Mas, por outro lado, também agrava as penas que tínhamos de 24 anos e que agora passam para 30, 40 anos. É um pouco contra-senso. Não é um contra-senso com o próprio Código, mas com a evolução do direito criminal no mundo nos tempos modernos. Quer dizer, para não dignificar o ser humano e esse será o grande problema deste Código Penal.

DW África: Que valor concreto tem a remoção de artigos que previam, por exemplo, a criminalização do aborto e da homossexualidade, uma vez que não há relatos de penalizações até hoje, apesar de o anterior Código ter vigorado por mais de cem anos?

CD: Na verdade, o valor é mais simbólico. Em primeiro lugar, os tais artigos não criminalizavam, embora existisse um artigo que aplicava medidas de segurança, mas não como se estivesse a praticar um ato doloso ou criminoso, como se pretende dizer. Em Moçambique, essa questão ligada à homossexualidade tocava numa situação de sensibilidade, porque o artigo mencionava atos contrários à natureza, sem definir que atos contrários à natureza.

O debate é o facto desse artigo, que pode criar confusão entre os juízes, ser retirado do Código Penal. O Estado moçambicano está a emitir mensagens de mais inclusão na sociedade moçambicana.

DW África: O novo Código Penal estabelece uma pena para violações de crianças até aos 12 anos, quando a Carta Africana dos Direitos Humanos prevê que são menores pessoas com menos de 18 anos. Isso significa que muitos violadores continuarão impunes?

CD: Cada Estado acaba por determinar de forma legal quais são as idades das suas crianças. Por isso é que temos muitas idades para designar criança ou menor. Esta também é uma questão de harmonização legislativa na questão das idades e da responsabilização ligada ao crime. Este nosso Código Penal , em algum momento, não foi muito bem discutido em matérias como essa. São as lacunas que o Código Penal deixou. Mas tínhamos uma oportunidade soberana de rectificar isso no Código. E o legislador praticamente não deu muito espaço para discutir isso. É uma matéria com a qual teremos de lidar e, se calhar, tem que ser aprovada uma norma para poder conciliar esta questão das idades.

Nádia Issufo – Deutsche Welle

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