Paula
Ferreira – Jornal de Notícias, opinião
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Marcelo Rebelo de Sousa classificou a declaração como clara falta de
inteligência. É, sem dúvida, sobretudo vinda de um político, do atual
primeiro-ministro, que, apesar do estado em que se encontra o país, aspira
voltar a ganhar as eleições. Mas é muito mais do que isso: é uma agressão a
todos, e são muitos milhares de portugueses, os privados do direito à dignidade
que o trabalho confere. Eis a declaração: "Alguém que está desempregado
algum problema deve ter, senão teria conservado o seu emprego". Esta visão
cultural prejudica quem vai a uma entrevista de emprego, disse o
primeiro-ministro. A intenção de Pedro Passos Coelho até pode ter sido bondosa.
Vamos acreditar. O primeiro-ministro não partilha da perigosa visão cultural do
desemprego, mas verbalizá-la numa entrevista em horário nobre é, no mínimo, de
uma enorme falta de sensibilidade social. De tamanha inabilidade, que Clara de
Sousa, a entrevistadora, sem deixar passar em claro o deslize, desafiou Passos
a colocar-se no papel do desempregado que em casa o estaria a ver e ouvir. O
primeiro-ministro acredita que o desempregado, sem posto de trabalho quem sabe
se por incompetência de algum gestor - esse quase sempre inocentado -, o
compreenderá. Afinal, falamos do mesmo primeiro-ministro que considerou o
desemprego uma oportunidade para mudar de vida (disso não restam dúvidas), do
mesmo primeiro-ministro que nos convidou a emigrar. Tudo generosas intenções de
um homem que apenas e só pretende incentivar, em cada português, a faceta
adormecida de empreendedor.
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Milhares de estudantes iniciaram, ontem, o processo de candidatura a um curso
superior. Agora, são em menor número a fazê-lo. Porque há menos condições
económicas para prosseguir estudos, mas também porque se criou a ideia de que
um canudo de pouco vale. Ou seja, não muda nada, quando se trata de arranjar
emprego. Outra ideia falsa, perigosa numa sociedade democrática, que de tantas
vezes repetida se torna verdade incontestada. Os números estão aí a prová-lo.
Uma licenciatura, com efeito, não é garantia de emprego. Mas as estatísticas
revelam que o desemprego é sempre menor entre detentores de um grau académico,
em relação à média nacional. Por outro lado, pôr o foco da formação na
empregabilidade é uma visão cruel da realidade. A formação dos cidadãos é
equivalente à riqueza do país - e não perceber isso pode ser fatal para o
futuro.
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