Carta
aberta da jornalista Conceição Branco em solidariedade com as mães dos
activistas detidos
Conceição
Branco. – Rede Angola
É
com um nó na garganta, mas de olhos enxutos, porque não é tempo de lágrimas,
que as mulheres – mães, avós, esposas, filhas, irmãs – ficam ao lado das
angolanas que exigem a liberdade dos seus filhos, os 15 activistas presos há
mais de 65 dias em várias cadeias de Angola.
Elas
estão a fazer o mesmo que as mães e as avós argentinas fizeram, ao criar o
movimento da Praça de Maio: exigir que as injustiças e atrocidades da ditadura
da Junta Militar da Argentina não caíssem no esquecimento. Todas as quintas-feiras,
cobrindo a cabeça com um lenço branco, as mulheres argentinas encontravam-se na
Praça de Maio.
A
primeira manifestação foi no dia 30 de Abril de 1977. A ditadura enviava os
soldados que as reprimiam e ordenavam que circulassem. E foi isso mesmo que elas
fizeram, todas as quinta-feiras, sempre às 15h30, durante 37 anos. Foram 1.945
as quintas-feiras em que as Mães circularam em torno da Pirâmide da Praça de
Maio, impedindo o poder e a sociedade argentina de esquecer.
Uma
das palavras de ordem desse movimento, que começou pelo amor maternal mas se
transformou num dos mais poderosos movimentos cívicos e políticos da América do
Sul, proclamava: “A única luta que se perde é aquela que se abandona”.
Mas
as mães, em qualquer parte do mundo, nunca desistem. Não abandonaram as Mães da
Praça de Maio em Buenos
Aires , mesmo quando as três fundadoras foram sequestradas,
torturadas e mortas por um grupo de militares, em Dezembro de 1977.
As
Mães de Angola também já sofreram na pele as bordoadas da polícia, quando se manifestaram
em Luanda, reivindicando a liberdade dos seus filhos. Mas vão voltar a
manifestar-se, desta vez no dia do aniversário do presidente José Eduardo dos
Santos.
A
28 de Agosto. Dia em que a mãe de José Eduardo dos Santos, com sangue e
lágrimas de dor, como todas as mães, deu à luz o seu filho.
Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987), um dos poetas maiores da lusofonia, escreveu:
“Mãe não tem limite,/é tempo sem hora,/luz que não apaga/quando sopra o vento/e
chuva desaba, /veludo escondido/na pele enrugada,/água pura, ar puro,/puro
pensamento.”
Mas
da boca das Mães de Angola não sairá apenas o grito de dor maternal, o apelo de
mulheres pelos seus filhos, maridos, pais e irmãos. Será também um grito contra
a injustiça, contra um regime que está a truncar o futuro do país.
As
mães de Junho em Angola lutaram – muitas delas de armas na mão – pela
independência do seu país, contra o regime colonial. Alimentaram o sonho e a
esperança da Paz. Quiseram ver os seus “candengues” na escola a aprenderem a
ser homens. Esperaram até cansar pelos hospitais, pelas vacinas.
Elas
olharam com olhos de mágoa para os que exibiam obscenas riquezas, quando as
suas famílias não tinham o que comer, nem tecto onde se abrigar. Choraram os
que foram mutilados pelas minas, ao tentar fazer uma lavra, plantar o milho e
mandioca. Exigiram saber dos desaparecidos, dos assassinados.
Foram
elas que ensinaram os seus filhos a não desistir, a procurar sempre uma vida
melhor, a reivindicar mais justiça, a exigir que a democracia saltasse da
Constituição de Angola para as ruas das cidades, para o mato ou o mar do país.
O que elas também estão a fazer é não permitir que palavras como “liberdade”,
“luta”, “solidariedade”, “democracia”, “memória”, “verdade” ou “justiça” tenham
um sentido falseado pelos que estão ao serviço do despotismo e da tirania.
Porque
quando as Mães de Junho de Angola usam essas palavras estão a falar de uma luta
pela vida que se renova todos os dias. E estas palavras ganham significado e
força quando são ditas por mulheres simples, que usam palavras iguais às de
muitas mães de língua rápida e termos populares, aquelas que mostram o caminho
aos cobardes e aos indecisos, aos distraídos e aos inconscientes da cidadania
humana e solidária.
É
isso que as mães quase sempre fazem: ensinar os filhos a ser homens e mulheres
que se empenhem em construir futuros. Nestes dias de dor e tristeza, as mães
não ficam a chorar as mágoas. Erguem-se, vão à luta e nunca desistem. Pelos
seus filhos, pelos filhos dos seus filhos, pelos filhos do país.
Elas
sabem da sua força, sabem que é, desde o princípio da vida, da mão que embala o
berço, que depende um mundo melhor. E também sabem, no coração, nos ossos, no
pensamento, que nunca irão desistir e por isso nunca irão ser vencidas. As Mães
de Angola merecem o respeito das mulheres e dos homens que se dizem democratas.
É
isso. Elas precisam da solidariedade dos que não se calam, para que os seus
filhos sejam libertados, para que possam continuar a construir o futuro de
Angola.
Conceição
Branco (parida em Benguela), na foto
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