Pedro
Bacelar de Vasconcelos* – Jornal de Notícias, opinião
A
Presidência da República é uma instituição "soberana" que a evolução
do sistema político transformou num arcaísmo, um "acessório"
disfuncional na arquitetura do poder, sem influência real na condução da vida
política nem autoridade para prevenir crises e mediar conflitos, como tem
demonstrado, à saciedade, Aníbal Cavaco Silva. Por isso, faz sentido perguntar:
o que motiva tamanho frenesim em torno das eleições para essa função que o
atual titular esvaziou de sentido, em dois mandatos consecutivos, ao longo de
toda a última década?
Antes
das eleições legislativas de 2009, tinha anunciado a sua preferência por um
Governo com o apoio maioritário da Assembleia da República mas depois acabaria
por nomear um Governo minoritário que, aliás, cautelosamente evitou hostilizar
até à sua própria reeleição para um segundo mandato. Teríamos de aguardar pelo
discurso de tomada de posse, já em março de 2011, para o ouvir, pela primeira
vez, criticar frontalmente a governação, críticas que, para além do incómodo
provocado ao primeiro-ministro, não tiveram qualquer outra consequência. Com
efeito, o Governo minoritário continuou a gozar da total solidariedade das
instituições europeias - incluindo a chanceler alemã e o seu ministro das
Finanças - que lhe foram renovando sucessivos "programas de estabilidade e
crescimento". Os "avisos" de Cavaco Silva - que por essa altura
proclamava que não era admissível pedir mais sacrifícios aos portugueses (!) -
não afetaram o curso da governação, não preveniram nem amorteceram a catástrofe
que se avizinhava.
O
Governo viria, de facto, a cair, não por qualquer intervenção presidencial mas
apenas em consequência da rejeição do quarto "programa de estabilidade e
crescimento", promovida através de um acordo expresso entre todos os
partidos da Oposição com assento parlamentar: o PSD, o PCP, o CDS e o Bloco de
Esquerda! Inviabilizado desta forma o plano previamente acertado com Bruxelas,
o primeiro-ministro pediu a demissão que, uma vez aceite, determina a queda
automática do Governo. O que fez o presidente para prevenir a crise ou evitar o
pedido de resgate financeiro? Não fez absolutamente nada! Limitou-se a convocar
eleições legislativas antecipadas - com o país à beira da bancarrota e um
Governo de gestão encarregado de negociar com a troika de credores -
resignando-se aos factos consumados e à vontade dos partidos políticos, numa
confissão pungente da irrelevância dos poderes de que é titular.
Mas
a derradeira demonstração de inutilidade da presidência iria ser exibida na
crise de 2013, quando Paulo Portas tentou abandonar o barco da governação mas
foi obrigado por Passos Coelho a engolir a célebre demissão irrevogável. O
presidente foi uma vez mais desautorizado e, admitido o fracasso das
conversações entre o Governo e a Oposição que ele próprio exigiu, acabou por se
render aos imperativos de sobrevivência do primeiro-ministro e resignar-se às
suas conveniências e caprichos.
Como
se comprova por esta breve retrospetiva dos últimos 10 anos da nossa democracia
constitucional, o presidente é uma figura residual, sem papel próprio nem real
influência política. Um poder fictício que todavia continua a suscitar
irresistível atração e um inesperado sentimento de urgência, até no interior
dos partidos políticos envolvidos naquela que é a disputa decisiva para o
destino dos portugueses - as eleições legislativas do próximo mês de outubro.
Este
vazio do poder moderador do Presidente da República não o torna inócuo nem
retira legitimidade às candidaturas que se vão anunciando à direita e à
esquerda. Nem é fatal que a Presidência se reduza à alternativa entre pura
perversidade ou mero ruído. Mas serão as eleições de outubro a marcar o destino
dos diferentes candidatos e a específica relevância dos seus desvairados
desígnios.
*Professor
de Direito Constitucional
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