O
ex-primeiro-ministro espanhol, Felipe González, dividiu o PSOE depois de se ter
mostrado a favor de uma reformulação na Constituição que permita que a
Catalunha seja reconhecida como uma nação independente. O assunto lembra-me a
situação de Cabinda.
Orlando
Castro – Folha 8, em Mukandas
Mas
terá Cabinda similitudes com a Catalunha, com Timor-Leste ou com o Kosovo?
Claro que tem.
Embora
a comunidade internacional (CPLP, União Europeia, ONU, União Africana) assobie
para o lado, o problema de Cabinda existe e não é por não se falar dele que ele
deixa de existir. Muito menos deixa de existir porque o regime de José Eduardo
dos Santos diz que ele não existe.
Cabinda
é um território ocupado por Angola e nem o potência ocupante como a que o
administrou pensaram, ou pensam, em fazer um referendo para saber o que os
cabindas querem. Seja como for, o direito de escolha do povo não prescreve, não
pode prescrever, mesmo quando o importante é apenas o petróleo.
É
claro que tanto Angola como Portugal apenas olham para Cabinda como um negócio
altamente rentável. Se o território fosse um deserto, certamente já seria
independente. Mas, ao contrário das teses de Luanda e Lisboa, Cabinda não é só
petróleo. É sobretudo gente, pessoas, povo, história e cultura.
Quando
o governo português reconheceu formalmente a independência do Kosovo, o seu
então ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, justificou que “é do
interesse do Estado português proceder ao reconhecimento do Kosovo”.
E
se é no interesse do Estado português… está tudo dito. Espero que, neste
contexto, Cabinda continue a dizer da forma que achar mais apropriada ao
governo das ocidentais praias lusitanas que fazem fronteira com um país onde
existe o País Basco, onde existe a Catalunha, que, se calhar, era do seu
interesse olhar para este território ocupado por Angola e onde, recordam-se?,
já estiveram norte-americanos a explorar petróleo guardados por cubanos.
O
ministro português apontou então quatro razões que levaram à tomada de decisão
sobre o Kosovo: a primeira das quais foi “a situação de facto”, uma vez que,
depois da independência ter sido reconhecida por um total de 47 países, 21
deles membros da União Europeia e 21 membros da NATO, “é convicção do governo
português que a independência do Kosovo se tornou um facto irreversível e não
se vislumbra qualquer outro tipo de solução realista”.
Deve
ter sido o mesmo princípio que, em 1975, levou o Governo de Lisboa a reconhecer
o MPLA como legítimo e único governo de Angola, embora tenha assinado acordos
com a FNLA e a UNITA.
Como
segunda razão, Luís Amado referiu que “o problema é político e não jurídico”,
afirmando que “o direito não pode por si só resolver uma questão com a
densidade histórica e política desta”. Luís Amado sublinhou, no entanto, que
“não sendo um problema jurídico tem uma dimensão jurídica de enorme
complexidade”, pelo que “o governo português sempre apoiou a intenção sérvia de
apresentar a questão ao Tribunal Internacional de Justiça das Nações Unidas”.
Ora
aí está. Cabinda (se é que os governantes portugueses sabem alguma coisa sobre
o assunto) também é um problema político e não jurídico, “embora tenha uma
dimensão jurídica de enorme complexidade”.
“O
reforço da responsabilidade da União Europeia”, foi a terceira razão apontada
pelo chefe da diplomacia portuguesa. Luís Amado considerou que a situação nos
Balcãs “é um problema europeu e a UE tem de assumir um papel muito destacado”,
referindo igualmente que a assinatura de acordos de associação com a Bósnia, o
Montenegro e a Sérvia “acentuou muito nos últimos meses a perspectiva europeia
de toda a região”.
No
caso de Cabinda, a União Europeia nada tem a ver. Tem, no entanto, a CPLP
(Comunidade de Países de Língua Portuguesa) onde – desculpem se me engano –
Portugal desempenha um papel importante.
O
ministro português frisou ainda que Portugal, ao contrário dos restantes países
da UE que não reconheceram o Kosovo, não tem problemas internos que
justificassem as reticências. Pois. Os que tinha (Cabinda é, pelo menos de
jure, um problema português) varreu-os para debaixo do tapete.
Como
última razão, indicou a “mudança de contexto geopolítico que entretanto se
verificou” com o conflito entre a Rússia e a Geórgia e a declaração de
independência das regiões georgianas separatistas da Abkházia e da Ossétia do
Sul que Moscovo reconheceu entretanto.
Isto
quer dizer que, segundo Lisboa, no actual contexto geopolítico, Cabinda é
Angola. Amanhã, mudando o contexto geopolítico, Portugal pensará de forma
diferente. Ou seja, a coerência é feita ao sabor do acaso, dos interesses
unilaterais.
Comparativamente
a Timor-Leste que, depois do abandono de Portugal se tornou numa província
indonésia, o regime angolano nunca aceitará de livre vontade um referendo,
similar – por exemplo – ao timorense porque sabe que a opção “independência”
também teria de ser colocada e que, nesse caso, certamente seria a opção
escolhida.
Tal
como nunca o regime de Salazar aceitou referendar o futuro de Angola, colónia
ou província, porque sabia que maioritariamente os naturais e residentes
optariam pela independência.
Nota:
Artigo de opinião especialmente dedicado à Procuradoria-Geral (do regime) e ao
Serviço de Investigação Criminal (também do regime).
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