Mariana
Mortágua – Jornal de Notícias, opinião
Imaginem
que o jornal que têm na mão, ou à frente do vosso computador, não é o
"Jornal de Notícias". Imaginem que se chama, em vez disso,
"Diário de um país nada recomendável". Não importa o país. Pode ser
um qualquer, daqueles que gostamos de pensar que só existem longe da nossa
polida e reconfortantemente honesta "democracia social de mercado".
Nesse
país há um sistema de autocarros que pertence ao Estado. Chamemos-lhe STCP.
Durante
décadas, os governos desse país subfinanciaram as empresas de transportes,
empurrando-as para um endividamento bancário que se tornou insustentável. Nesse
momento a solução encontrada foi pôr os trabalhadores e os utentes a pagar os
erros de governos incapazes. E assim, desde 2011, aumentaram os preços em mais
de 20% e reduziram a qualidade dos serviços. Os motoristas passaram a trabalhar
horas extras e, mesmo assim, assistimos a quebras sucessivas no serviço
prestado. A STCP perdeu 3 em cada 10 dos seus passageiros.
E
este é o momento de perguntar: será incompetência o problema deste país? A
resposta é não. A estratégia é pensada: habituar a população a conviver com um
pior serviço, mais caro, que possa ser fornecido por um operador privado. O
objetivo é mesmo transformar um serviço público, que para ter qualidade precisa
necessariamente de investimento público, num negócio atrativo para um operador
privado.
E
assim, apesar da contestação, o Governo abriu um concurso para entregar a STCP
a privados. Um processo apressado, que estava condenado a fracassar por
ausência de candidatos em condições de sequer apresentar as garantias
bancárias. Se acha que o Governo se deteve perante as dificuldades,
desengane-se. Dias depois, pela voz do secretário de Estado das privatizações,
o processo é reaberto, mas desta vez sem concurso. A venda será feita por
ajuste direto, e os candidatos terão 12 dias para apresentar propostas.
Mais
uma vez, a pergunta impõe-se. Por que é que uma empresa que não foi vendida por
concurso ao longo de meses, sê-lo-á por ajuste direto a dias das eleições? Será
porque a falta de transparência, rigor e controlo público tornam o processo
mais atrativo e simples? Será porque o tal Governo está prestes a sair de
funções e quer deixar os negócios fechados? Certamente as duas coisas, mas uma
coisa é certa: se soa a vigarice, parece vigarice e cheira a vigarice, talvez
seja mesmo vigarice. E o país nada recomendável é mesmo Portugal.
O
que fazer? Votar. Votar para garantir que não terão mais quatro anos de
negócio, votar para manter a STCP e a Metro do Porto em mãos públicas, que é
onde devem estar. Enquanto o 4 de outubro não chega, juntem-se hoje ao cordão
humano contra a privatização dos transportes do Porto, às 18 horas, na estação
da Trindade.
*Deputada do BE
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