sábado, 24 de outubro de 2015

Angola. Instrução do caso Kalupeteka sem autorização para ir ao monte Sume



Defesa diz que reconstituição dos acontecimentos são um passo essencial na defesa de José Kalupeteka e mais nove elementos daquela seita.

O tribunal do Huambo começou ontem o debate instrutório do caso da seita “A luz do mundo”, cujos fiéis e polícia se envolveram em confrontos mortais, mas a defesa abandonou a sessão em protesto.

A posição foi transmitida à agência Lusa pelo advogado David Mendes, da associação Mãos Livres, explicando que “mais uma vez” foi negada a pretensão da defesa, desta vez pelo juiz que conduz o debate instrutório, de fazer uma reconstituição dos crimes no local onde terão ocorrido, no monte Sume, município da Caála, no Huambo.

“Não ocorreu e até agora continuámos impedidos de chegar ao monte Sume, de saber o que aconteceu no terreno. Pensávamos que o juiz tomaria a decisão de ir lá reconstituir o crime, mas lamentavelmente não o fez, não permitiu”, observou David Mendes, que reclama tratar-se de um passo essencial na defesa de José Kalupeteka e mais nove elementos daquela seita acusados pelo Ministério Público (MP).

Kalupeteka, nome pelo qual também é conhecida a seita, de 46 anos, está detido preventivamente na sequência dos confrontos na Caála que levaram à morte, segundo a versão oficial, de nove polícias e 13 fiéis, a 16 de Abril de 2015.

O debate instrutório deste processo tinha sido requerido no início deste mês pela defesa dos arguidos, para “aclarar” dúvidas na acusação.

Contudo, face a esta recusa do juiz, denunciada pelo advogado da associação Mãos Livres, David Mendes confirmou à Lusa que abandonou o debate instrutório, hoje iniciado, desconhecendo se foram marcadas novas sessões neste processo, que antecede a marcação do julgamento e o despacho de pronúncia dos arguidos.

“Não aceitámos [participar na instrução] enquanto não se for ao terreno, é imprescindível este passo. Ninguém pode fazer uma defesa sem se conhecer o local do crime, sem saber o que se passou no terreno, ficando apenas com o que diz a polícia. É contra todas as regras do Direito”, criticou o advogado.

Na origem do caso estão os confrontos entre os fiéis e a polícia, cujos agentes tentavam dar cumprimento a um mandado de captura de Kalupeteka e outros dirigentes daquela seita não reconhecida pelo Estado, e alguns dos seguidores que estavam concentrados no acampamento daquela igreja, no monte Sume.

Na acusação deduzida contra os dez homens, com idades entre os 18 e os 54 anos, que Lusa noticiou a 2 de Outubro, José Julino Kalupeteka é o principal visado. Está indiciado pela co-autoria material (juntamente com os restantes arguidos) de um crime de homicídio qualificado consumado, um crime de homicídio qualificado frustrado e ainda crimes de desobediência, resistência e posse ilegal de arma de fogo.

“A título de exemplo, Kalupeteka é acusado de um homicídio qualificado como autor material. Mas como é possível alguém o fazer quando está algemada [acusação]? Isso só se explica no terreno, como e de que forma matou. Por isso, sem reconstituir o crime no terreno não aceitamos participar”, disse ainda David Mendes.

No despacho de acusação, o MP do Huambo refere que as mortes dos agentes policiais decorreram essencialmente de agressões com objectos contundentes, inclusive paus, punhais e catanas, às quais alguns polícias responderam com disparos.

Sobre esses disparos da polícia, a acusação refere apenas que causaram “a morte de alguns dos seguidores da seita”.

Este tem sido precisamente um dos pontos da discórdia neste caso, com outras versões, sempre desmentidas pelo governo e pela polícia, apontando para a morte de centenas de fiéis da seita nestes confrontos.

A oposição e associações de defesa dos direitos humanos, nacionais e estrangeiras, pediram mesmo uma investigação internacional a este caso, igualmente recusada pelo Governo.

Lusa, em Rede Angola

Sem comentários:

Mais lidas da semana