Expresso
das Ilhas, editorial
Finalmente
elegeu-se o presidente do Tribunal Constitucional. Infelizmente aconteceu mais
de quatro meses depois da tomada de posse, a 14 de Maio, dos juízes eleitos
pela Assembleia Nacional. A demora acabou por alimentar especulações quanto a
eventuais compromissos feitos no processo que culminou com a eleição dos juízes
pela Assembleia Nacional. As sucessivas fugas de informação com o
posicionamento dos juízes ora como candidatos, ora como não candidatos e ainda
o inesperado voto branco na eleição do presidente do TC deixam a impressão que
pressões e jogadas políticas podem não ter terminado com a eleição dos juízes.
Não é um bom começo, mas espera-se que os juízes saibam ultrapassar os
percalços iniciais com espírito de missão e a consciência do papel único de
estarem a edificar uma instituição tão fundamental para a república.
Percalços
no processo da instalação do Tribunal Constitucional surgiram desde da sua
criação na revisão constitucional de Novembro de 1999. Não é por acaso que se
levou 15 anos para o instalar. A lei que estabelece a competência, organização
e funcionamento do TC só foi aprovada em Janeiro de 2005. As tentativas
anteriores de uma lei orgânica para o TC foram goradas. Ao longo dos primeiros
dez anos vozes diversas vindas designadamente da presidência da república, do
governo e de sectores do PAICV puseram em causa o modelo do Tribunal
Constitucional, mas nunca ninguém apresentou uma proposta de revisão para se
voltar ao que existia na Constituição de 1992. Preferiu-se manter o modelo e
não agir de forma coerente para o cumprir. Entretanto, o presidente da
república continuava a nomear um juiz para o Supremo Tribunal de Justiça e a
Assembleia Nacional a eleger juízes nos anos de renovação do mandato do STJ em
2003 e 2009 de acordo com o figurino constitucional anterior. Os magistrados
viam a sua carreira limitada essencialmente aos tribunais da primeira
instância.
O
incumprimento deliberado não deixava de afectar negativamente as instituições
democráticas. Ficava a pairar no ar a ideia que se houvesse vontade firme de
algum sector da sociedade podia-se não cumprir integralmente o que estava
estabelecido na Constituição. Uma noção extremamente grave particularmente numa
democracia jovem em vias de consolidação das suas instituições e que ainda se
ressente nas atitudes e formas de acção dos efeitos de uma cultura política de
natureza voluntarista, revolucionária e que não olha a meios para atingir os
fins.
Na
base da alteração constitucional que retirava ao Supremo Tribunal de Justiça as
competências em matéria de justiça constitucional e as passava para o TC estava
a convicção de que o STJ deveria ser constituído apenas por magistrados de
carreira. As funções do TC implicavam a nomeação de alguns juízes - dois no
caso de ser ter um colectivo de cinco juízes e três em sete - por órgãos de
poder político, o presidente da república e a assembleia nacional. A separação
dos dois tribunais além de abrir espaço para a evolução da carreira dos juízes
contribuía também para uma maior independência dos tribunais judicias.
Naturalmente que houve quem se opusesse à essa opção. A existência de um
Tribunal Constitucional não é pacífica em todos os países. Em Cabo Verde, o
argumento mais esgrimido tem sido o da escassez relativa de recursos humanos e
materiais. A realidade não demonstra, porém, que haja poupanças significativas.
Pelo contrário, tem riscos e custos escondidos que acabam por se manifestar na
produtividade, motivação e efectividade do poder judicial como parte importante
dos checks and balance do sistema político.
Na
revisão da Constituição, em 2010, não houve qualquer tentativa de alteração do
figurino no que respeita ao TC. Pelo contrário, deu-se maior autonomia e
independência ao sector da Justiça e foram criados os tribunais de relação.
Tudo porém ficou dependente da instalação do TC. Os novos juízes conselheiros
nomeados na sequência de concursos públicos deveriam poder ocupar os seus
lugares no STJ assim como os juízes desembargadores nos tribunais de relação. O
novo arranjo deveria ser feito num prazo de três anos, mas vozes contrárias
continuaram a fazer-se ouvir aqui e além e acções atempadas não aconteceram. Em
consequência, está-se no quinto ano e só agora com a instalação definitiva do
TC, o STJ vai poder reorganizar-se e todo o sistema poderá mover-se para se
conformar a Justiça com o figurino constitucional estabelecido. Espera-se que a
reorganização aconteça da forma mais harmoniosa e traga mais produtividade,
celeridade e independência à administração da justiça nesta terra.
A
autêntica saga que tem sido o processo de instalação do Tribunal Constitucional
deveria servir de alerta para a persistência de resquícios de uma certa cultura
política que não reconhece que democracia não significa apenas governo da
maioria. É o sistema do governo limitado. O Estado tem que se submeter à
Constituição e à Lei, respeitar os direitos fundamentais dos cidadãos e a
independência dos tribunais e desenvolver a sua actividade tendo em devida
consideração a autonomia do poder local e o princípio da descentralização
democrática. O que se perdeu em não ter uma justiça moderna, célere e efectiva
tem similaridades com o que se vai perdendo em eficiência e eficácia na
crispação política, falta de transparência e em capital de confiança devido às
más práticas de contornar e esvaziar instituições e de as substituir por
entidades paralelas. Há que mudar de atitude e de comportamentos.
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