segunda-feira, 12 de outubro de 2015

O ANGOLANO AINDA SE COMOVE



Kalaf Epalanga – Rede Angola, opinião

Se perturbo o tão merecido sossego da nação, voltando ao assunto dos revús, espero que me seja perdoada a persistência. Entre o desassossego, à falta de melhores notícias para os angolanos e aproveitando que hoje é sábado, mas fugindo a tentação do rescaldo semanal, sinto o apelo de assinalar, neste 283.º dia do ano no nosso calendário gregoriano, o estado de espírito dos seres que ocupam este espaço, diante dos números. Estes, na sua infinita frieza, esbofeteiam-nos com a dura realidade do lugar que ocupamos. Olhemos então para esta casa, os homens e mulheres que a habitam, tendo em conta a intimidade umbilical que os une a todos e à luz deste que é um dos acontecimentos mais marcantes da nossa jovem democracia.

112. Este não representa somente o número de dias em que os 15 activistas se encontram em cativeiro. Este é também o número de dias em que muitos angolanos se aperceberam que se encontram igualmente enclausurados, em circunstâncias diferentes como é evidente, absorvidos no seu sobe-e-desce quotidiano, mas com as suas liberdades condicionadas pelas grades invisíveis do medo. Só assim se justificam tantas costas curvadas, tantas cabeças baixas, tantas vozes silenciadas diante de tanta injustiça.

Quantas conversas se iniciaram com o nome do cidadão Luaty Beirão, pai, filho, irmão, compatriota? Os que o invocam, dividem-se. Uns lamentam-lhe o sofrimento e outros insultam-lhe a inteligência. “Que Deus o proteja” rogam os preocupados, “bem feito” bufam alguns insensíveis. Os restantes, deixam-se estar na sombra, numa apatia ou prudência que à distância tanto se confunde com sensatez, ou com covardia. Na Angola dos nossos dias, os dois tipos de comportamento podem significar a mesma coisa. E é isso que entristece, pois diante de tamanha consternação social esperávamos outro tipo de comportamento. Mesmo que seja um posicionamento contrário, quem disse que posições antagónicas não podem co-existir? Pior é a ambiguidade daqueles que se penduram em cima do muro à espera que passe a tempestade.

Mas nem tudo esta perdido. Ainda que denunciando uma certa timidez, conforta-nos saber que outros angolanos, os mais descrentes, têm vindo a atenuar os seus discursos mais extremistas, caminhado para um posicionamento liberto dos exageros que nos preocupam a todos. Estamos todos a aprender, a democracia é um exercício contínuo e exigente. Se este for o caminho que escolhermos, e se entretanto não mudarmos de ideias nas eleições de 2017 é certo que encontraremos assuntos mais fraturantes, mais desafiadores em todos os sectores da sociedade. Corrupção, abusos de poder, direitos humanos e liberdades civis, são alguns dos desafios que nos esperam e continuarmos a adiar ou negarmos um debate aberto e honesto sobre estes e outros assuntos bicudos, com a participação de todos, é no mínimo contraproducente.

Ainda entre o desassossego e à falta de melhores noticias para os mwangolés: sem esquecer que hoje é sábado, aproveito para informar os mais distraídos, que a vigília realizada no largo da igreja Sagrada Família em solidariedade ao estado de saúde crítico de Luaty, veio provar que nós angolanos, dentro e fora do território, ainda conseguimos nos comover diante da dor de um semelhante. A compaixão ainda habita nesta casa a qual chamamos Angola.

Queremos o Luaty vivo.

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