Kalaf
Epalanga – Rede Angola, opinião
Se
perturbo o tão merecido sossego da nação, voltando ao assunto dos revús, espero
que me seja perdoada a persistência. Entre o desassossego, à falta de melhores
notícias para os angolanos e aproveitando que hoje é sábado, mas fugindo a
tentação do rescaldo semanal, sinto o apelo de assinalar, neste 283.º dia do
ano no nosso calendário gregoriano, o estado de espírito dos seres que ocupam
este espaço, diante dos números. Estes, na sua infinita frieza, esbofeteiam-nos
com a dura realidade do lugar que ocupamos. Olhemos então para esta casa, os
homens e mulheres que a habitam, tendo em conta a intimidade umbilical que os
une a todos e à luz deste que é um dos acontecimentos mais marcantes da nossa
jovem democracia.
112.
Este não representa somente o número de dias em que os 15 activistas se
encontram em cativeiro. Este é também o número de dias em que muitos angolanos
se aperceberam que se encontram igualmente enclausurados, em circunstâncias
diferentes como é evidente, absorvidos no seu sobe-e-desce quotidiano, mas com
as suas liberdades condicionadas pelas grades invisíveis do medo. Só assim se
justificam tantas costas curvadas, tantas cabeças baixas, tantas vozes
silenciadas diante de tanta injustiça.
Quantas
conversas se iniciaram com o nome do cidadão Luaty Beirão, pai, filho, irmão,
compatriota? Os que o invocam, dividem-se. Uns lamentam-lhe o sofrimento e
outros insultam-lhe a inteligência. “Que Deus o proteja” rogam os preocupados,
“bem feito” bufam alguns insensíveis. Os restantes, deixam-se estar na sombra,
numa apatia ou prudência que à distância tanto se confunde com sensatez, ou com
covardia. Na Angola dos nossos dias, os dois tipos de comportamento podem
significar a mesma coisa. E é isso que entristece, pois diante de tamanha
consternação social esperávamos outro tipo de comportamento. Mesmo que seja um
posicionamento contrário, quem disse que posições antagónicas não podem
co-existir? Pior é a ambiguidade daqueles que se penduram em cima do muro à
espera que passe a tempestade.
Mas
nem tudo esta perdido. Ainda que denunciando uma certa timidez, conforta-nos
saber que outros angolanos, os mais descrentes, têm vindo a atenuar os seus
discursos mais extremistas, caminhado para um posicionamento liberto dos
exageros que nos preocupam a todos. Estamos todos a aprender, a democracia é um
exercício contínuo e exigente. Se este for o caminho que escolhermos, e se
entretanto não mudarmos de ideias nas eleições de 2017 é certo que
encontraremos assuntos mais fraturantes, mais desafiadores em todos os sectores
da sociedade. Corrupção, abusos de poder, direitos humanos e liberdades civis,
são alguns dos desafios que nos esperam e continuarmos a adiar ou negarmos um
debate aberto e honesto sobre estes e outros assuntos bicudos, com a
participação de todos, é no mínimo contraproducente.
Ainda
entre o desassossego e à falta de melhores noticias para os mwangolés: sem
esquecer que hoje é sábado, aproveito para informar os mais distraídos, que a
vigília realizada no largo da igreja Sagrada Família em solidariedade ao estado
de saúde crítico de Luaty, veio provar que nós angolanos, dentro e fora do
território, ainda conseguimos nos comover diante da dor de um semelhante. A
compaixão ainda habita nesta casa a qual chamamos Angola.
Queremos
o Luaty vivo.
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