Fretilin
evitou guerra civil em 2006 - Lu-Olo
Díli,
30 nov (Lusa) - Timor-Leste poderia ter entrado numa guerra civil se em 2006 a
Fretilin tivesse "reagido em força" à situação que levou à
destituição de Mari Alkatiri como primeiro-ministro, disse à Lusa o presidente
do partido, Lu-Olo.
"Poderíamos
ter entrado sim. A Fretilin não quis isso", disse em entrevista à Lusa,
explicando que ele próprio e Mari Alkatiri (secretário-geral da Frente
revolucionária do Timor-Leste Independente [Fretilin] e na altura chefe do
Governo) travaram a entrada em Díli de 30 mil militantes que estavam
concentrados nos arredores da cidade.
"Fomos
ao encontro dos nossos militantes e acalmámos um bocadinho os ânimos e
estivemos reunidos com eles até de madrugada do dia seguinte para depois entrar
em Díli. E quando entram em Díli entraram mais calmamente e não fizeram cair
nenhum fio de cabelo a ninguém", acrescentou.
Para
o líder da Fretilin, ex-presidente do Parlamento Nacional, a situação foi uma
demonstração "de um profundo sentido de Estado dos militantes da Fretilin
e da sua liderança" e um reconhecimento "profundo da necessidade de
garantir a paz e a estabilidade do nosso país.
Os
contornos exatos do que ocorreu em 2006 continuam por ser detalhados, com
vários dos intervenientes a permanecerem calados sobre muitos dos aspetos do
que ocorreu ou a remeterem para mais tarde as suas declarações.
Uma
complexidade que envolveu manifestações lideradas pelo bispo de Díli contra a
intenção do Governo não tornar a religião e moral obrigatória na escola, uma
movimentação política forte contra o executivo liderado por Mari Alkatiri e
conflitos e tensão no seio das forças de defesa (F-FDTL) e entre estas e a
polícia (PNTL).
Um
barril de pólvora em que se intensificou um conflito mais antigo, entre o então
Presidente Xanana Gusmão e Mari Alkatiri e que ficou marcado pela deserção do
então comandante da Polícia Militar, Alfredo Reinado, e a aproximação deste a
Gastão Salsinha, ex-tenente das F-FDTL, que também entrou em choque com a
hierarquia militar.
Alguns
falam de um quase golpe ao Governo, outros dizem que a guerra civil esteve
próxima, com críticas ao papel da Austrália, ao embaixador americano em Díli e
de outros intervenientes políticos nacionais e estrangeiros.
Lu-Olo
insiste que nessa altura havia "muitas pressões" internas e externas
sobre Xanana Gusmão, por descontentamento de muitos que, desde a primeira hora
tentaram derrubar o Governo da Fretilin.
"Quando
a Fretilin começou a governar este país enfrentava manifestações, quase todos
os dias, em frente ao palácio. Isso não estava a dar certo, como não
conseguiram derrubar politicamente o primeiro-ministro tiveram de fazer
aquilo", afirmou.
"Tinham
que optar por aquela forma para derrubar o governo da Fretilin, destituindo
Mari Alkatiri do cargo de primeiro-ministro", disse.
Questionado
sobre o papel da Xanana Gusmão na altura, Lu-Olo considera que foi "uma
decisão mal tomada" ter dado "aval" a que Alkatiri fosse
destituído, um "erro que Xanana Gusmão já reconheceu publicamente".
Sobre
a sua relação com Xanana Gusmão, Lu-Olo explica que há "dois pratos",
um do período da resistência em que tem "muito respeito" e outro, já
depois da independência onde explicar haver "alguma diferenças, às vezes
profundas" nos temas da governação.
E
rejeita comentários dos que pensam que Xanana Gusmão "comprou" as
pazes com Mari Alkatiri com os projetos da Região Administrativa Especial de
Oecusse, criada quando o primeiro era chefe do Governo e que é agora dirigida
pelo segundo.
Considera
que a imagem de Xanana Gusmão foi prejudicada "pelos que o rodeiam" e
que a entrega de Oecusse a Mari Alkatiri pretende criar "um ponto de
referência para o desenvolvimento do país".
Sobre
o futuro, se a Fretilin continuará ou não a trabalhar com o Congresso Nacional
da Reconstrução Timorense (CNRT), partido liderado por Xanana Gusmão e que é
atualmente o mais votado, Lu-Olo não exclui qualquer hipótese.
Mas
considera que "no governo, ou na oposição a Fretilin já deu provas de que
se deve dar o contributo necessário para estabilizar e desenvolver o país"
e de que é importante o esforço atual de unir esforços.
"Devemos
maximizar os recursos que Timor-Leste tem. Não falo apenas de recursos
minerais. Volto outra vez para as pessoas que nós temos. Temos que maximizar
isso, o mais importante é saber onde colocar as pessoas para fazer alguma coisa
de jeito para o nosso país", disse.
As
eleições são uma oportunidade da população fazer as suas escolhas mas a
governação do país, considerou, deve procurar reunir talentos, sem "negar
a ninguém a capacidade de participar na governação do país".
Lu-Olo
rejeita ainda os que criticam a cooperação entre a Fretilin e o Governo e os
que exigem mais oposição, insistindo que o seu partido quer colaborar para
ajudar a melhorar a governação.
"Essa
cooperação que estamos a dar ao Governo não nega à Fretilin a capacidade de
fazer críticas ao próprio Governo. Isso é o que os outros não compreendem.
Dizem que estamos a pactuar com o Governo, que estamos no mesmo saco. Não
estamos no mesmo saco, estamos a propor soluções, estamos a dizer que devem governar
da melhor forma possível", frisou.
ASP
// EL
"Se
a Fretilin pedir desculpas, quem pede desculpas à Fretilin?"
Díli,
30 nov (Lusa) - O presidente da Fretilin, Lu-Olo, defendeu hoje o papel
histórico do seu partido em Timor-Leste afirmando que não tem que pedir desculpas
e que se não fosse a proclamação da independência, em 1975, dificilmente o país
seria independente.
"Acho
que seria muito difícil. Se não fosse a independência proclamada pela Fretilin
(Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente) a 28 de novembro de 1975,
ninguém estaria em condições de oferecer uma resistência durante 24 anos contra
a ocupação militar indonésia e nem as Falintil existiam", disse em
entrevista à Lusa.
A
Fretilin, afirmou, foi "a força principal que lutou contra a invasão
militar indonésia", e o seu braço armado lutava para defender essa
independência pelo que, se não tivesse sido proclamada, não haveria um objetivo
a defender, explicou.
Questionado
sobre se a Fretilin tem ou não que pedir desculpas por eventuais exageros
cometidos no passado, Lu-Olo, responde com uma pergunta, defendendo o partido a
que preside desde 2001: "Pedir desculpa a quem? A quem é que a Fretilin
vai pedir desculpas, quando a própria Fretilin é que lutou para termos a
independência? E pergunto também: quem é que vai pedir desculpa à
Fretilin?" questionou.
"Nós
lutámos por um objetivo e conseguimos cumpri-lo, apesar da Fretilin passar por
muitas, muitas vicissitudes. Mesmo assim aguentou com todos os rigores da luta
e ganhou a luta", afirmou.
Sobre
exageros cometidos no período da guerra civil ou posteriormente, Lu-Olo afirma
que a liderança "não partiu desse pressuposto" ainda que "numa
guerra possa ter havido sempre qualquer coisa", e considera que a Fretilin
"tinha os melhores métodos de resolução dos problemas".
Ao
mesmo tempo, relembra, Timor-Leste viveu uma situação diferente da de Angola e
Moçambique, países onde se "prepararam todas as condições políticas para
passarem a uma resistência armada".
"No
caso de Timor-Leste não. Uma independência, uma política, uma independência
seguida de uma invasão, tudo muito rápido. Mas tivemos, como disse, uma
instituição político-partidária que estava a dirigir e a orientar a resistência
no seu todo. Sem isso era difícil", defendeu.
Quanto
ao processo de despartidarização da luta, Lu-Olo considera que foi
"necessário na altura", acabando por dar "a imagem da unidade
dos timorenses, na luta contra a ocupação militar indonésia" o que teve um
impacto mais positivo na arena internacional.
Mas
esse processo, disse, partiu da própria Fretilin que "era liderada por
Xanana Gusmão, como comissário político e comandante das Falintil" pelo
que foi o partido "quem propôs essa solução negocial do conflito".
Os
que eventualmente considerem essa decisão de Xanana Gusmão uma traição à Fretilin,
afirmou, "não compreendem, nem conhecem quem é Xanana Gusmão", homem
que fez tudo para libertar Timor-Leste.
"Ele
foi meu comandante e eu devo dizer como guerrilheiro, como quadro político que
estive na resistência armada durante 24 anos eu devo muito a esse grande
comandante que se chama Xanana Gusmão e o povo de Timor-Leste ainda deve muito
a este grande homem", salientou.
"Ele
fez tudo para libertar o país até ao último momento em que foi capturado.
Muitos estavam desiludidos, muitos até lhe chamaram nomes. Mas nós lá no mato
não nos assustámos com isso", afirmou.
Perante
as reações de desilusão dos seus companheiros no mato, aquando da prisão de
Xanana Gusmão em 1992, Lu-Olo recorda o que disse na altura: "a Indonésia
levantou uma pedra, mas vai deixar essa pedra cair sobre a sua própria
cabeça".
"Mais
vale ele ser capturado para ganharmos a guerra do que ser morto como herói nas
montanhas e foi o que Xanana fez durante o processo todo", disse.
"Quando
o tribunal indonésio julgou Xanana Gusmão, ele virou-se para os indonésios e
disse: Eu sou um cidadão português e o tribunal indonésio não tem legitimidade
para me julgar", vincou.
ASP
// EL
Radicalismo
foi necessário para disciplinar a luta timorense - Lu-Olo
Díli,
30 nov (Lusa) - O radicalismo foi necessário para dar força e disciplinar a
luta timorense contra a ocupação indonésia, já que adotar uma postura mais
flexível teria enfraquecido a capacidade da resistência, disse à Lusa o
presidente da Fretilin.
Na
entrevista à Lusa, o ex-presidente do Parlamento Nacional - que passou toda a
ocupação indonésia no mato integrado nas Falintil, o braço armado da resistência
- recordou que o mundo "estava dividido em dois" e que era necessário
fazer escolhas.
"O
radicalismo era necessário para dar força, para lutar contra a Indonésia.
Qualquer luta de libertação nacional tinha de fazer escolhas", disse,
considerando que o mais importante era defender a independência que foi
proclamada pela Frente Revolucionária do Timor-Leste Independente (Fretilin) em
28 de novembro de 1975.
"E
então temos que radicalizar, digo radicalizar entre aspas. O mais importante é
tomar posições duras em relação a uma guerra que estava a ser imposta ao povo
timorense. Se nós optássemos por uma posição mais flexível, dificilmente
conseguiríamos chegar a essa vitória que conseguimos", explicou.
Lu-Olo,
60 anos, que como presidente da Assembleia Constituinte proclamou, a 20 de maio
de 2002 a restauração da independência timorense, insiste que esse radicalismo
"trouxe disciplina e orientou de certa forma a conduta do povo do
Timor-Leste" para "oferecer resistência contra a ocupação militar
indonésia".
Mas
a desigualdade de forças tornou a luta contra a Indonésia "realmente
complicada", com os guerrilheiros timorenses a verem ser destruídas,
"uma por uma", as bolsas de resistência criadas nos primeiros anos da
guerra, recordou.
Uma
situação que levou a resistência a alterar, por duas vezes a sua forma de
atuar, passando de uma guerra convencional, de posição - nos primeiros anos da
ocupação indonésia, que começou a 07 de dezembro de 1975 - para a guerrilha e
depois para a guerrilha urbana.
Lu-Olo
recorda o ataque cerrado que a Indonésia fez às "bolsas de
resistência" que a Fretilin montou, com a população que levou para o
interior.
"Estava
dividido em vários sectores e as forças estavam enquadradas dentro dessa
divisão territorial a oferecer resistência, juntamente com a população. Posso
dizer que o guerrilheiro que estava a combater as forças indonésias levava o
seu filho e a sua esposa. Tínhamos que fazer esse tipo de guerra para defender
a nossa posição e não deixar a nossa população cair nas mãos do inimigo",
recordou.
"Havia
também um motivo político, porque a indonésia na altura controlava 5% da
população, na altura. 95% da população estava nas montanhas com a Fretilin a
oferecer resistência. O que a Indonésia queria era apanhar o maior número da
população possível para dizer ao mundo a integração era um facto consumado, que
a população tinha escolhido livremente, sem pressão nenhuma a integração de
Timor-Leste na Indonésia", afirmou.
As
várias bolsas de resistência (fonteira norte e sul, centro norte e sul e leste)
foram destruídas "uma por uma pelo inimigo até à ponta leste" onde os
guerrilheiros timorenses tentaram até ao último momento resistir aos ataques
constantes.
"Na
altura os bombardeamentos eram intensos e por dia morriam quase 200 civis. Já
não estávamos a aguentar essa situação e tivemos de romper com o cerco",
recordou.
A
situação tornou-se insustentável e as Falintil, braço armado primeiro da
Fretilin e posteriormente de toda a resistência, tiveram que mudar de
estratégia, "entregando" a população e passando para "a
guerrilha propriamente dita".
"Foi
muito complicado realmente. Nós não tínhamos nenhum apoio militar de nenhum
país. Estou a falar de apoio militar, não do apoio político e moral que
tínhamos de vários países, designadamente de Portugal. Mas apoio militar nunca
houve", insiste.
No
arranque da resistência as Falintil contavam com as armas deixadas pelos
portugueses, "metralhadores, morteiros, G3 mas rapidamente esse material
se tornou insuficiente, com muitas deterioradas ou inutilizadas por falta de
munições.
"Portanto,
no plano militar só tínhamos uma solução. A única maneira de conservar as
nossas próprias forças era aniquilar o inimigo em cada combate, capturar as
suas armas e munições para continuar a resistir", afirmou.
Quanto
a Indonésia invadiu Timor-Leste, a 07 de dezembro de 1975, 10 dias depois da
proclamação unilateral da independência, Lu-Olo estava já no mato, na região de
Ossú - integrado no pelotão comandado por Lino Olokassa, no Monte Perdido.
Tornou-se
um dos poucos guerrilheiros timorenses que passou toda a ocupação indonésia no
mato, integrado nas Falintil, o braço armado da resistência timorense, descendo
"à vila" em raras ocasiões até à saída do último soldado indonésio em
outubro de 1999.
"Fui
muito jovem para as montanhas, nessa altura com 20, 21 anos de idade e, pronto,
foi a escolha que eu fiz, na minha adolescência e então pronto lá fiquei no
mato a resistir contra a ocupação militar da Indonésia, até ao fim da
guerra", recordou.
Um
período difícil em que Timor-Leste, sublinha, viveu uma "experiência
única, muito diferente da experiência da guerra de libertação" de países
como Angola, Moçambique ou Guiné-Bissau, que tinham tido alguma formação de
quadros ou até a preparação de jovens para a resistência à presença colonial.
Jovem
na altura em que os partidos políticos começaram a dar os seus primeiros
passos, Lu-Olo recorda os debates dentro do Comité Central da Fretilin onde
"já estavam a falar da independência de Timor-Leste e que era melhor que
Timor-Leste ficasse independente, a gerir o seu próprio destino".
"Eu,
como era jovem e apesar de não ter experiencia política, fiquei inspirado com
aquilo que eles diziam na altura. E pronto isso ajudou-me bastante na escolha
da minha vida, da resistência contra a ocupação militar indonésia",
afirmou.
Depois
da guerra, relembra, sobravam pouco mais de uma centena de guerrilheiros que
tinham lutado desde 1975 até 1999, motivo pelo qual considera "um
engano", um "erro" haver dezenas de milhares de pessoas que
hoje, em Timor-Leste, recebem pensões de veteranos.
"Se
tivéssemos esse número de veteranos na resistência armada tínhamos escorraçado
os indonésios em metade do dia, não precisávamos de 24 anos para resistir
contra a ocupação militar indonésia", afirmou.
"Portanto,
essas pessoas que receberam medalhas, que estão a recebendo pensões, algumas
são verdadeiras, poucas são verdadeiras. Muitas são pessoas falsas e isso está
a gerar um problema", disse, considerando que é uma política que "menospreza
os verdadeiros veteranos".
ASP
// EL
*Título
PG - Na foto: Lu-Olo guerrilheiro. Luta de mais de duas décadas pela independência timorense
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