O
Tribunal de Luanda, onde decorre a inaudita farsa de julgamento dos 17 jovens
acusados de preparem uma rebelião e mais uma série de crimes contra o Estado,
prolongou a encenação por mais uma semana.
Assim,
depois de em cinco dias apenas ter sido concluída a audição de dois arguidos,
para além de outras peripécias do anedotário jurídico do regime, como foi a
leitura integra do livro de Domingos da Cruz, foi decido o prolongamento por
mais uma semana. Depois se verá.
David
Mendes, um dos advogados dos jovens, referiu exactamente que a audição de
professor universitário Domingos da Cruz, autor do livro que segundo a acusação
esteve na origem dos actos preparatórios em causa, iniciada na quinta-feira,
ainda não terminou.
“O
juiz decidiu que o livro deveria ser lido durante o julgamento. Estivemos nisso
na quinta-feira durante a tarde, hoje de manhã e parte da tarde e depois o juiz
não fez nenhuma pergunta sobre o livro. A audição do autor continua na segunda-feira”,
criticou o advogado.
Embora
o livro esteja escrito em português, admite-se que o juiz Januário José
Domingos tenha tido alguma dificuldade de entendimento, aventando-se a
possibilidade de haver necessidade de uma espécie de tradução para completa percepção
do que está escrito. De facto, o que está escrito – e que foi lido – não
corresponde ao que o juiz pretendia ouvir ou que, em alternativa, dava jeito
ouvir.
O
julgamento tinha sessões diárias marcadas para toda esta semana e, por decisão
do juiz, segundo David Mendes, continua na próxima semana, entre 23 e 27 de
Novembro, na 14ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda, em Benfica, sem a
presença de jornalistas.
A
cereja no cimo do bolo registou-se quando o juiz inquisidor apresentou um
relatório produzido pelos SIC (Serviços de Investigação Criminal). “Desconheço
este relatório e o que nele está escrito, não me vincula”, respondeu com
serenidade o arguido Nito Alves. Inconformado o juiz continuou, tentando obter
algum comprometimento do réu. E eis que o jovem preso político, que amedronta o
regime, questiona o juiz, sobre se o mesmo relatório estaria por ele assinado:
“Não!”, responde o magistrado.
Mas,
mais grave, o célebre relatório não está assinado nem por Nito Alves nem pelo
investigador, logo é um documento processual apócrifo, que deveria envergonhar
o próprio juiz.
Registe-se
que a maioria das questões colocadas pelo juiz Domingos José Januário não
constam sequer da acusação do Ministério Público. Mesmo assim, o juiz assumiu o
papel que não lhe cabe, procurando legitimar o que é ilegítimo.
É
claro, como fez notar Nito Alves, no respeito pela Constituição vigente, ler e
pretender a alternância em democracia não pode ser crime, salvo se estivermos
diante de uma ditadura.
Tudo
leva a crer, aliás, que o juiz Januário José Domingos pensa de acordo com as
regras de uma ditadura, pelo que muito lhe custa adaptar-se aos trâmites de
algo que, afinal, Angola (ainda) não é: uma democracia. Muito menos um Estado
de Direito.
Folha
8
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