terça-feira, 8 de setembro de 2015

A EUROPA EGOÍSTA, RACISTA E SEM MEMÓRIA SE MOSTRA




Setenta anos depois da II Guerra Mundial a Europa volta a enfrentar uma crise massiva de refugiados, ainda que bem longe em números da que ocorreu àquela altura. Desta feita em sentido contrário e com responsabilidades políticas, econômicas e morais a que ela mesma, juntamente com os EUA, não se pode isentar. 

Porém, apesar de tanto alarido, com viés nitidamente xenófobo e racista pelo meio, a União Europeia (UE), acolhe uma percentagem irrisória de refugiados. António Guterres, o Alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), instou recentemente a Europa a receber até 200 mil refugiados pois tem capacidade para os acolher e a muitos mais.

Em artigo publicado na BBC, Alexander Betts, diretor do Centro de Estudos de Refugiados da universidade britânica de Oxford diz que ''somente uma pequena proporção dos 20 milhões de refugiados em todo o mundo vem à Europa: 95% estão em países vizinhos a conflitos e crises, a maioria em regiões em desenvolvimento''. Uma matéria recente do ''Economist'' mostra que o fluxo de asilo em toda a UE conta apenas 0.03% do total de sua população, estimada em pouco mais de 500 milhões. Uma percentagem ínfima para a região mais rica do mundo.

Proscreve-se a palavra ''refugiado'', faz-se de maldito o vocábulo ''imigrante econômico'', funde-se ambos como se fossem o mesmo, enfatiza-se o segundo e com esta receita dá-se o golpe suave na Carta Universal de Direitos Humanos, nas disposições jurídicas e legais nela estabelecidas e adotadas tanto pela Carta Europeia de Direitos Fundamentais como por diversas constituições nacionais que protegem tanto um como outro.

O uso negativo do termo ''imigrante econômico'' para classificar um refugiado tem objetivos meramente políticos. Não que entre os milhares de refugiados que buscam apenas a vida na Europa não existam também migrantes econômicos, pessoas igualmente desesperadas por um futuro melhor. Todavia, segundo a ACNUR, mais de 90% das chegadas são de pessoas que fogem de conflitos como os da Síria, Afeganistão, Iraque, Somália, Eritreia e Líbia, entre outros.

Com o foco nos vocábulos ''imigrante econômico'' ou ''imigrante ilegal'', os governos europeus (e não só) evitam ativar mecanismos de proteção internacional afirmados nos instrumentos jurídicos atrás referidos que comprometem os Estados a proteger pessoas que fogem de guerra ou de perseguição política. Isentam-se, assim, de assumir compromissos com o refugiado, protegido pelo princípio fundamental de não-devolução previsto no direito internacional que o protege de ser expulso ou devolvido a ambientes que ameaçam suas vida e liberdade.

O ''imigrante econômico'' não tem o mesmo tipo de proteção legal internacional, estando sujeito apenas a leis e processos de imigração próprias de cada país ou acordados em bloco de países como a UE. É visto um como problema social e de responsabilidade individual em que não existe risco de voltar ao país de origem. 

A confusão dos termos serve perfeitamente os desígnios políticos de governos que não querem arcar com responsabilidades internacionais, de políticos que não querem perder o poder ou dos que o querem ganharem explorando sentimentos internos contrários à presença de estrangeiros, refugiados e migrantes em particular. Prioriza-se, assim, por egoísmo e falta de humanidade, a defesa de fronteiras em detrimento da proteção de pessoas num jogo vergonhoso e imoral em que refugiados e migrantes não passam de números.

Tal como ex-impérios coloniais se recusam a debater a escravatura e o colonialismo com o pretexto imoral de que ela faz parte do passado, governos de países que prontamente disponibilizam milhões em recursos financeiros para guerras desestabilizadores em benefício próprio e mantêm instituições político-financeiras e militares de domínio aos mais fracos, se recusam igualmente a debater as causas que os implicam nas migrações e a aceitar refugiados por eles mesmo causados.

Para uma parte da Europa egoísta, xenófoba e racista revelada pela atual crise humanitária, gente desesperada conta apenas como números e problemas. A história não interessa, provavelmente sequer a conhece. E bastaria recuar apenas 70 anos para saber das razões que levaram milhões de europeus desesperados, famintos, amedrontados a partir em busca da vida em paragens então mais pacíficas. Para a África e as Américas fizeram-no maioritariamente em navios de passageiros, protegidos e com um mínimo de dignidade. Não em embarcações precárias que cruzam rotas perigosas ou fatais de um Mediterrâneo tragicamente transformado em cemitério. E para lá do Saara e do Atlântico foram acolhidos com dignidade e humanidade.

Com o foco em refugiados e migrantes que chegam da África e Oriente Médio, pouca atenção se presta ao leste da Europa onde em países em conflito armado como a Ucrânia se estima existir mais de 1,2 milhões de pessoas desabrigadas ou desalojadas internamente. Em 2014 eram mais de um milhão em busca refúgio e um novo recomeço na UE e em países vizinhos, sendo a Rússia o que mais os abriga mesmo com todos os seus problemas econômicos resultantes das sanções  impostas pelos EUA e UE. A Rússia foi no ano passado o maior receptor de solicitações de asilo no mundo, um total de 275 mil, na sua maioria ucranianos, de acordo com a ACNUR.  

Não há números exatos de ucranianos que imigraram ou se refugiaram em países da UE desde o início do conflito. Segundo a Gazeta Russa, apenas no fluxo legal antes dos conflitos do final de 2013, ''os ucranianos foram o maior grupo de cidadãos de fora da UE a receber permissões de residência de membros do bloco''. Com o eclodir do conflito é de aceitar um aumento substancial tanto de imigrantes econômicos como de refugiados da Ucrânia que buscaram a UE. Exceptuando ruídos histéricos de xenófobos e populistas, sobre eles não se ouve barulho na maioria de políticos e da mídia europeia ocidental, mais interessados em demonizar Putin.

Tal silêncio leva a questionar sobre um racismo velado na seletividade de refugiados e imigrantes oriundos de umas ou de outras latitudes.  É sabido que, por envelhecimento da população e escassez e mão de obra, a UE necessita de mais de 40 milhões de imigrantes até 2050 para revitalizar o crescimento econômico e manter a segurança social. Porque fazer mais ruído contra aqueles que chegam de paragens não europeias? Porque não se faz barulho contra os que chegam de paragens de eurodescententes, principalmente anglo-saxônicas, como a Austrália, Canadá , EUA ou Nova Zelândia?

Talvez para os mais ruidosos e hostis a resposta esteja, última análise, na perspectiva para eles aterrorizadora do surgimento de novos e diversos europeus. E não foi a mesma Europa que criou novos e diversos africanos, australianos, latino e norte-americanos, pra citar apenas alguns exemplos?

A Europa que emigra

Um relatório da ONU sobre tendências migratórias publicado em 2013 mostra que naquele ano um total de 232 milhões de pessoas, o equivalente a 3.2% da população mundial, migrou em busca de outros países para viver. As razões apontadas para tamanho movimento de pessoas foram a eclosão da crise financeira em 2008, oportunidades de voos baratos e fronteiras mais abertas. A Europa com 72 milhões e a Ásia com 71 foram os destinos mais buscados das migrações internacionais naquele ano.

A Europa não só viu aumentar as migrações e imigrações como foi igualmente ponto de partida de milhões de emigrantes econômicos e climáticos que procuraram e procuram outras paragens um pouco por todo o mundo. Uns, como os portugueses, foram mesmo convidados por seu próprio primeiro-ministro a sair em busca de melhores condições da vida em outras paragens. As pessoas que emigram ou imigram em busca de melhores condições para si mesmas não podem ser criminalizadas por o fazer. As migrações fazem parte da história da humanidade desde os primeiros seres humanos.
   
Por exemplo, cerca de 5 milhões de britânicos vivem fora e um terço deles com idade abaixo dos 40 pensa mudar de país, tal como o fazem todos os anos 78 mil súbditos de sua Majestade que deixam o Reino Unido por razões econômicas e climáticas indo um pouco para todo o mundo inclusive para paragens impensáveis. Entre estas a Coreia do Norte que em 2013 era país de residência  de 294 expatriados britânicos, o que faz supor que muitos outros ocidentais vivam voluntariamente no país de King Jong-un, retratado como uma brutal ditadura.   

O mesmo movimento de pessoas, todo ele pelas mesmas razões, se passa em maior ou menor escala em outros países da UE. Um país de tendência emigratória como Portugal, por exemplo, tinha em 2013 cerca de 2,3 milhões emigrados, número que representa mais de mais de 20% da população do país  a viver e trabalhar fora, segundo o Observatório da Emigração luso.  

Sobre o movimento massivo de refugiados e imigrantes econômicos do leste europeu e, principalmente, o movimento de emigrantes econômicos e climáticos do ocidente continental para fora o silêncio é quase de catedral. No geral, quando abordados, tanto um movimento como outro são apresentados com narrativas mais positivas possíveis, mostrando geralmente os migrantes europeus como gente altamente qualificada, agregadora de mais-valias às sociedades de acolhimento. 

Ao contrário, os outros são permanentemente desumanizados, criminalizados, tornados seres humanos ilegais e retratados como "praga" de gente que chega para causar distúrbios socioculturais e religiosos, islamizar a Europa, dominá-la, fazê-la perder a sua identidade.Como se a identidade de um povo fosse algo de estático e não resultado de dinâmicos processos de encontros, nem sempre pacíficos ao longo da história da humanidade, de culturas diversas em que as migrações desempenham um papel fundamental. E os europeus, melhor do que outros, deveriam saber disso. Todavia, note-se, esse é um tipo de discurso não exclusivo do velho e envelhecido continente. 

Evidentemente que a Europa não pode receber todos os refugiados e migrantes do mundo e compreende-se o receio dos que temem quem chega. Mas ela tem responsabilidades históricas e morais perante as quais não deve fugir, tem o dever de debater com o resto do planeta problemas que são comuns, muitos deles por ela mesma criados, e de contribuir com soluções para os mesmos. Afinal, esse é o único mundo que temos, o NOSSO mundo e não o meu ou o teu mundo. Felizmente ainda tem uma Europa que assim o entende como temos visto em vários exemplos de solidariedade para com refugiados e imigrantes.

*Alberto Castro (na foto) é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

SEM PAPAS NA LÍNGUA

Veja este vídeo: A escritora senegalesa Fatou Diome fala sobre imigração e racismo em debate do programa francês “Ce soir (ou jamais!)”, exibido no dia 24/04/2015 no canal France 2. Esta é parte I de III extratos do debate que o canal Curta! está difundindo.

Crise na Hungria expõe falhas da política migratória da União Europeia




Autoridades húngaras, que há meses convivem com o afluxo migratório tanto da Síria como do Afeganistão, tentam distorcer as regras do Tratado de Dublin em favor próprio. No impasse, quem mais sofre são os migrantes.

Virando uma esquina próxima à estação ferroviária Keleti de Budapeste, há uma pequena praça gramada que ganhou o apelido "Parque Afegão". Boa parte dos migrantes que viviam ao ar livre, em torno da estação, receberam finalmente a permissão para deixar a Hungria. No entanto, alguns grupos, na maioria masculinos, ainda estão instalados sobre os colchonetes dolorosamente finos, envoltos em cobertores, alguns em barracas. Uma fileira de toaletes portáteis ao longo de um dos lados da praça é a única instalação sanitária de que dispõem.

Quase todos os sírios se foram, ao saber das promessas de asilo feitas pela chanceler federal alemã, Angela Merkel. Mas muitos afegãos permanecem, na incerteza de se valerá a pena fazer todo o caminho até a Alemanha, somente para serem enviados de volta nos termos do Tratado de Dublin.

"Nós dissemos para eles: 'Por favor, vão, é no interesse de vocês", afirma Zsuszanna Zsohar, que faz parte da Migration Aid, uma organização de voluntários fundada na Hungria há apenas dois meses. "Mas eles não sabem o que fazer. É claro que estão se arriscando a serem mandados de volta."

Alguns migrantes do Afeganistão estão simplesmente cansados e decidiram fazer uma pausa de alguns dias em Budapeste. É o caso de Umar, de 15 anos, que passou dois meses caminhando até a Hungria, através de Irã, Turquia e Bulgária.

"Nas montanhas do Irã não havia casas, não tinha nada, às vezes não tinha comida por quatro ou cinco dias", conta.

Ainda assim, ele resolveu enfrentar a arriscada odisseia. No Afeganistão não havia vida para ele, depois de a escola que o presidente mandara construir para sua comunidade ser detonada pelos talibãs.

Crise inegável

A crise migratória que dominou as manchetes europeias durante uma semana já tomou conta da Hungria dois meses atrás. Durante semanas, os habitantes da capital que passavam por Keleti deparavam com algumas dezenas, às vezes até cem refugiados vagando ou dormindo no chão da estação.

Para Marc Speer, colaborador da ONG Border Monitoring, sediada em Budapeste, há dois motivos para a catástrofe humanitária dos refugiados ter se desencadeado no fim de agosto.

"Por um lado, simplesmente veio muito mais gente. Mais ou menos um mês atrás, umas 1.500 pessoas atravessavam a fronteira diariamente; atualmente esse número chega a 2.500, até 3 mil. E outro fator é que menos pessoas saíram da Hungria", explica.

A flutuação usual, com os migrantes permanecendo por alguns dias, até encontrarem contrabandistas dispostos a transportá-los à nova destinação, foi abruptamente sustada pela tragédia do fim de agostona Áustria, em que os cadáveres de 71 refugiados foram encontrados no interior de um caminhão.

"Depois desse desastre, esse caminho ficou bloqueado para muitos, porque a Áustria acirrou os controles de fronteira, e os traficantes de pessoas suspenderam suas atividades", comenta Speer. "E aí, é claro, foi proibido eles pegarem os trens. Foi isso que gerou esta situação."

Farsa europeia

Do ponto de vista dos grupos húngaros de assistência aos migrantes, o caos que se desenrolou na última semana em Budapeste, Viena e Munique é apenas uma versão em grande escala e concentrada da farsa e autoilusão que durante anos tem marcado a política migratória da União Europeia.

Um voluntário do grupo Migszol, de solidariedade aos migrantes, atuante na estação Keleti, ilustrou bem a esquizofrenia da atual postura de Bruxelas para com os refugiados. Ele acabava de voltar de Röszke, a central de acolhimento húngara na fronteira com a Sérvia, onde tirou fotos das vans pertencentes à agência de gestão de fronteiras da UE, Frontex, portando números de placa holandeses. "Então cercas são contra os valores europeus, mas a Frontex não?", indaga o ativista.

Até agora, a política da Hungria para os recém-chegados a Röszke vinha sendo tirar suas impressões digitais, cadastrá-los e entregar-lhes um passe para os trens, dizendo-lhes para encontrarem sozinhos o campo de refugiados a que tenham sido designados. Como muitos já decidiram que querem ir para a Áustria ou a Alemanha, eles ignoram as instruções, indo direto para Keleti.

No entanto, segundo Zsuszanna Zsohar, isso acabou desde o último fim de semana, pois aparentemente as autoridades húngaras decidiram reter os recém-chegados em Röszke. "Ainda há muita gente vindo para a Hungria, entre 1.800 e 2 mil, a cada dia, mas para onde os estão levando, eu não sei." Na noite de domingo chegaram as notícias de que cerca de mil refugiados tinham partido numa marcha de 250 quilômetros até Budapeste.

Maquinações de Budapeste

Tem havido muita especulação sobre se o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, não teria deliberadamente criado o atual congestionamento migratório, a fim de forçar seu ponto de vista a Bruxelas. Entretanto, diz Marc Speer, isso não é tudo.

"Tenho certeza de que, nos bastidores, a Alemanha e a Áustria fizeram pressão para que não se permitisse às pessoas prosseguir viagem", afirma.

Quando a tragédia na Áustria e a política das autoridades húngaras vieram à tona, ela se viram compelidas a providenciar ônibus especiais para o transporte até a fronteira austríaca. No entanto, como concordaram Merkel e Orban num telefonema na noite do sábado, essa era uma "solução emergencial", uma exceção humanitária à regra de Dublin.

Quaisquer que sejam as maquinações em nível europeu, é um segredo público que nos últimos anos Budapeste tem tacitamente ignorado as regras do Tratado de Dublin, manipulando sua burocracia e sistema de seguridade social a fim de dissuadir os requerentes de asilo de ficar e incentivá-los a seguirem em direção ao norte.

Para os migrantes, a única chance de permanecer na Hungria é assinar um "contrato de integração". Em troca de ter reconhecido seu status de refugiados, eles devem se apresentar a uma autoridade de "assistência familiar" uma vez por semana, durante seis meses, e mensalmente pelos próximos dois anos. Na prática, porém, muito poucos optam por esse caminho.

"O requerimento de asilo é, de fato, um visto de trânsito", explica Speer. "E os gregos e macedônios estão fazendo exatamente o mesmo."

Ben Knight, de Budapeste (av) – Deutsche Welle

Cabo Verde. O governo não tem moral para falar em reestruturação da comunicação social



José Maria Rosário – Expresso das Ilhas, opinião

“Para perpetuar a governamentalização da gestão das empresas pú­blicas de comunicação social, o executivo é capaz de desencantar leis feitas à medida.” Carlos Santos

A reestruturação, feita em 1997, da Comunicação Social do Estado, no segundo Governo do MpD, pelo então Ministro José António dos Reis, foi a mais sólida, eficiente e profunda me­dida organizacional alguma vez concebida para o sector.

Tanto é assim que o governo do PAICV levou mais de uma década a conspirar, permanen­temente, contra o modelo e não conseguiu remover uma pedra à estrutura do edifício.

E se hoje a imprensa escrita floresce com quatro semanários, deve-se, em grande medida, à política de incentivos, igual­mente, adoptada por J.A.R.

Muita gente bem posicionada o reconhece “em voz baixa”, mau augúrio para o fantasma omnipresente de liberdade de expressão.

A Rádio Televisão Cabo-ver­diana, Empresa, SA (RTC) foi fundada em 1997, sob proposta do então Ministro da Comuni­cação Social, José António dos Reis. Esta nova empresa pública tem sob sua orgânica a Rádio de Cabo Verde (RCV) e a Televisão de Cabo Verde (TCV), figurino que perdura até hoje.

Em 2001, com a chegada do PAICV ao poder, em vez de dar continuidade à consolidação da empresa, inicia um processo conspirativo “dividir para rei­nar”, chegando ao cúmulo de chamar de volta parte do pessoal que tinha saído, convertendo as indemnizações em emprés­timos. Caso insólito e hoje não é de se admirar que o corpo de pessoal ascenda a mais de 350.

A TCV-Televisão de Cabo Verde - é o calcanhar de Aqui­les da RTC, onde a qualidade “é algo por aí além”, e mais parece um couto seguro,- daqui não saio e daqui ninguém tira- com veteranos. De tal forma entrin­cheirados, que dias contados tem qualquer dirigente que tente alterar o “ status quo”, mesmo os mais conceituados, de Medina a Carvalho.

Esta unidade padece de uma enfermidade que toda a gen­te diagnostica e avalia, mas ninguém sabe ao certo qual a terapia adequada.

Ausência de políticas & prestação de contas

A ausência deliberada de medidas estruturantes, ao lon­go de quase três mandatos, empurrou a empresa para uma gestão de sobrevivência e agonia financeira

Conforme disse Carlos Santos “é de todo incompreensível que o governo tenha mergulhado numa letargia confrangedora nos últimos quinze anos, em matéria de políticas públicas, visão estratégica e medidas que pudessem levar a uma melhoria do serviço prestado pela rádio, televisão e agência”.

Esta opção de deixar a em­presa “pachorrentamente sen­tada” não é ingénua e insinua interesses obscuros amarrados ao saudosismo do tempo do partido único.

Por outro lado, alguém se lembra se alguma vez a RTC, ao longo dos últimos 15 anos, tenha publicado Balanços e Contas anuais como manda a lei? Qual é a situação patrimo­nial e financeira da empresa? O contribuinte não terá direito de ter estes dados antes das elei­ções que se avizinham? Viva a cidadania fiscal.

Quem garante que, como a TACV, a RTC não se encontra em situação de falência técnica?
Ou será que o INPS, não obstante a síndrome de “Fast Ferry”, virá ainda a tempo de salvar um novo náufrago?

Sector privado à deriva

Da parte do governo não existe qualquer respeito para com o sector privado do audio­visual, não obstante o balúrdio que abocanha pela via da taxa RTC “uma taxa pouco nítida e com ruído”.

Cada cidadão que se dirigir à Electra para pagar os seus consumos, deixa lá cerca de seis mil e duzentos escudos anuais, mais de cinquenta por cento do salário mínimo mensal. O secretismo à volta do montante arrecadado e sua aplicação é um exemplo da boa governação que tanto se publicita por aí.

Desse bolo, o privado não é tido nem achado e tem ainda que enfrentar a desleal concor­rência publicitária.

O desgraçado contribuinte, ainda pela via do Orçamento do Estado, tem que espremer mais sacrifícios para suportar a ineficiência desse órgão.

Onde estão os protagonistas dos direitos de autor, quando a RTC deveria dar o exemplo, e ser a primeira a pagar pelas músicas que emite. Por que não consignar uma fatia da taxa para este efeito?

“Socialização do nada”

A alguns meses do render de guardas, eis que o jovem Ministro Démis Almeida, “num rompante, a escassos meses das eleições, queira dar a ideia de que está a fazer alguma coisa neste sector,” vem com um dossier nebuloso de integração da Inforpress na RTC, uma ba­tata quente que Rui Semedo, político astuto, habilmente con­tornou e que o líder parlamentar Felisberto Vieira, em tempos, desconhecia os meandros.

“Voilá” três erros de palma­tória:

– Tentou-se sociabilizar “o nada” junto de quadros cuja experiência e background de­veriam ser merecedores de maior respeito, com a caricato de “aos participantes é vedado o acesso ao documento objecto de análise”;

– Potencial desestabilização da tripulação do novo figurino: “trabalhadores de primeira e de segunda”, isto é, mesmas fun­ções, salários diferentes;

– Extemporaneidade do pro­cesso.

Das duas, uma:

Ou estamos perante uma di­versão política e dissimulação, com a criação de E.C.C.I.,SA, para depois o governo vir a aparecer como salvador-mor, reabrindo o “tubinho” que a Ministra das Finanças fechara à IFH, para absorver o Passivo oculto da RTC. Cadê oposição.

Ou pretende-se instalar um quadro emocional de vulnera­bilidade no seio do corpo social da RTC :“estar sempre em alerta é esgotante”.

Seja como for não será desta, mesmo após quarenta aniversá­rios da Independência Nacional, que o PAICV se regenerará do seu ADN obsessivo de contro­lar a comunicação social do Estado.

Guiné-Bissau. Supremo analisa constitucionalidade da nomeação do Governo




Em comunicado, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) informou que fará uma comunicação esta terça-feira (08.09) "para apresentar a deliberação do seu plenário no processo de apreciação da conformidade constitucional" do decreto que nomeou Baciro Dja como novo primeiro-ministro da Guiné-Bissau.

Segundo o jurista guineense Carlitos Djedjo, a fiscalidade constitucional requerida pelo Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) tem duas incidências principais: a nomeação do primeiro-ministro sem ouvir os partidos políticos com assento parlamentar e a nomeação do mesmo tendo em conta os resultados eleitorais.

"Se o STJ interpretar o artigo 68, alínea g) da Constituição, tendo em conta os resultados eleitorais, que devia caber ao PAIGC a indicação de um candidato a primeiro-ministro, então isso significará que o Presidente terá de nomear uma pessoa que seja indicada pelo PAIGC para formar Governo", explica.

Em última análise, Carlitos Djedjo considera que, em caso de uma decisão judicial que obrigue à revogação do citado decreto, o chefe de Estado terá de voltar atrás e demitir Baciro Dja. O jurista guineense lembra ainda que a decisão do STJ não tem recurso.

Novo elenco

novo Governo guineense, liderado por Baciro Dja, foi empossado segunda-feira (07.0). O novo elenco tem 15 ministérios e 15 secretarias de Estado.

O novo ministro da Defesa guineense é um jurista formado em Portugal, Eduardo Sanhá, militar com a patente de general e até aqui tinha sido presidente do Tribunal Militar Superior. O também jurista, Octávio Alves, transita do Governo anterior mantendo a pasta da Administração Interna. Para a pasta dos Recursos Naturais foi chamado Epifânio Melo, engenheiro dos petróleos formado na Rússia, que já liderou a Petroguin, agência estatal do petróleo da Guiné-Bissau. O ministério dos Negócios Estrangeiros tem Rui Dia Sousa como titular.

São ministros de Estado Aristides Ocante da Silva, ministro da presidência do Conselho de ministros e dos Assuntos Parlamentares, e Florentino Mendes Pereira, transita do Governo demitido, mas mantendo a pasta da Energia e Indústria.

As ministras do novo Governo são Evarista de Sousa, com a pasta da Mulher, Família e Coesão Social, e Nharebat Ntchasso, com a pasta da Educação Nacional.

As secretarias de Estado ficam nas mãos de Fatumata Djau (Turismo), Maria Inácia Sanha (Gestão Hospitalar) e Anita Djaló Sani (Combatentes da Liberdade da Pátria).

O Conselheiro do Presidente guineense para a área das Infraestruturas, Dionísio Cabi, sai da presidência para chefiar a pasta da Justiça.

A posse dos novos membros do Governo ocorreu na presença do chefe de Estado embaixadores acreditados no país, Procurador-Geral da República e outras personalidades.

O Presidente da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, pediu ao novo Executivo "trabalho de equipa e sã convivência institucional" para que possa apresentar melhores resultados ao país. "Para tal, deve estar próximo do nosso povo, procurar conhecer as suas reais necessidades e, perante os problemas, propor soluções", defendeu.

Quanto aos dois responsáveis pela rádio e televisão públicas, que foram demitidos no último mês, dois advogados entregaram uma providência cautelar no STJ pedindo a anulação da decisão de Baciro Dja em nomear os novos responsáveis.

Apoio da comunidade internacional

Depois de dias de suspense, o novo Governo liderado por Baciro Djá terá o apoio da comunidade internacional para a implementação dos projetos de desenvolvimento preconizados, assegura o representante residente da ONU em Bissau, Miguel Trovoada.

"A comunidade internacional irá continuar a apoiar o povo da Guiné-Bissau através dos seus representantes. Apoiamos as instituições democráticas da República da Guiné-Bissau. Não fazemos juízos de valor acerca das decisões tomadas pelas instituições da República", declarou.

Baciro Dja, o novo primeiro-ministro nomeado pelo Presidente José Mário Vaz, promete encetar novos contactos com os parceiros e amigos da Guiné-Bissau para maior absorção dos fundos prometidos na mesa redonda dos doadores e implementação do programa "Terra Ranka", do anterior Executivo.

Além da "elaboração detalhada dos projetos retidos, no quadro do programa aprovado", o novo chefe do Governo promete proceder, em seguida, à "concepção de estruturas eficazes de diálogo e coordenação das ajudas com os parceiros da cooperação". A operacionalização destas medidas requer "a melhoria imediata da atual governação", sublinha Bciro Djá, "no sentido de torná-la cada vez mais eficaz e fiável, sobretudo em matéria de gestão orçamental".

Na foto: Baciro Dja, o novo primeiro-ministro da Guiné-Bissau

Braima Darame / Bettina Riffel / Lusa – Deutsche Welle

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NOS PALOP ESTÁ AMEAÇADA – especialistas




Reunidos em seminário em Joanesburgo, jornalistas e ativistas criticam julgamento do economista moçambicano Castel-Branco e censura à imprensa angolana.

Jornalistas e ativistas que trabalham em ambientes repressivos em Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP) debateram nesta segunda-feira (07/09) sobre as ameaças à liberdade de expressão na África Austral e o uso do crime de difamação como instrumento para silenciar a imprensa. O seminário ocorreu na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, na África do Sul.

Para Justine Pearce, pesquisador da Universidade de Cambridge, as violações à liberdade de expressão são mais patentes em Angola do que em Moçambique.

“A liberdade de expressão tem um enquadramento legal mais forte em Moçambique. Em Angola, a situação continua muito preocupante, com leis muito fracas”, afirmou.

Os palestrantes também discutiram o julgamento do economista e professor universitário moçambicano Carlos Nuno Castel-Branco, acusado de atentado à segurança do Estado, e do jornalista Fernando Mbanze, editor do jornal Mediafax, suspeito de abuso da liberdade de imprensa.

Em 2013, Castel-Branco publicou em sua conta do Facebook uma crítica ao ex-presidente Armando Guebuza, que foi reproduzida por Mbanze na imprensa. Eles foram julgados no tribunal de Maputo no último dia 31 de agosto. A sentença será proferida no dia 16 de setembro.

Para o jurista e jornalista moçambicano Tomás Vieira Mário, o veredito será um teste para a democracia.

“Castel-Branco estava a exercer o direito fundamental de participação política. Mas, por outro lado, há quem diga que ele cometeu um crime contra o Estado. Ora, são duas leis que se chocam frontalmente”, avalia. “Se prevalecer a acusação de que ele, criticando o presidente cometeu um crime contra o Estado, fica, então, ameaçada a liberdade de participação política.”

Vieira Mário refutou ainda uma ligação entre o assassinato do jornalista Paulo Machava, editor do jornal electrónico Diário de Notícias, e o caso Castel-Branco. “Paulo Machava jamais esteve associado ao movimento em prol de Castel-Branco”, disse.

Cidadãos precisam de informação

Por seu turno, o ativista angolano Rafael Marques de Morais, jornalista e defensor dos direitos humanos, argumentou que a ameaça à liberdade de expressão começa com a limitação de acesso dos cidadãos à informação.

“Por isso, é necessário que falemos sobre esse tema em Angola para além do simples fato de haver jornalistas a serem perseguidos pelo poder político ou não”, ressaltou.
Os especialistas apontaram Cabo Verde como o único país lusófono em África que respeita a liberdade de expressão.

Na foto: Oradores no seminário da Universidade de Witwatersrand em Joanesburgo: Rafael Marques (esq.), Vieira Mário (segundo à esq.) e Justine Pearce (dir.)

Milton Maluleque (Joanesburgo) – Deutsche Welle

Angola. AMNISTIA APELA AO PRESIDENTE




Em nome da Amnistia Internacional, o activista cívico Agostinho Jonas Pensador, escreveu hoje uma carta ao Presidente da República de Angola, José Eduardo dos Santos, com conhecimento ao Procurador-Geral da Republica, Conselho de Ministros, Ministro da Justiça, Embaixadores e Altos-comissários Encarregados de Negócios Estrangeiros, Representantes da ONU em Angola, União Europeia, Governo Provincial de Luanda e Comando Geral e Provincial da Policia Nacional de Angola. Eis, na íntegra, a referida missiva:

“Agostinho Jonas Pensador, Activista Cívico e Membro da Amnistia Internacional. Estou preocupado pela penosa situação em que se encontra o Grupo de 18 Presos Políticos, detido há cerca de 3 Meses. Acusados de tentativa de Golpe de estado, (sem Provas fundamentais), O que viola o art. 9º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que afirma: “Ninguém será arbitrariamente detido, preso ou exilado”.

Apelo, portanto, a que se ocupe deste caso com urgência e ordene a libertação dos Jovens.

Seja humanista, como tal, estou particularmente preocupado com as pessoas que necessitam de cuidados médicos. Mas a minha preocupação por estes 18 membros, vai mais além.

encontram-se entre as dezenas de pessoas que se diz terem sido presas durante o mês de Março – a Junho.

Não me pronuncio sobre os méritos desse acto, nem sobre as suas Motivações, nem ponho em questão as orientações do governo de V. Exa. preocupam-me os Direitos Humanos, perca de Estudos, perca de Emprego, má tratamentos por injustiças sociais.

Ambos foram detidos no exercício do seu direito à liberdade de reunião, expressão e de Manifestação. Tal como é consagrado nos Art. 40, 41 e 47 da Constituição da Republica de Angola.

Peço encarecidamente que, tanto Marcos Mavungos, José Julino Kalupeteka, Afonso Matias “Mbanza Hamza”, Albano Bingobingo, Arante Kivuvu, Benedito Jeremias, Domingos da Cruz, Fernando Tomás “Nicola Radical”, Hitler Jessia Chiconda “Itler Samussuku”, Inocêncio Brito “Drux”, José Hata “Cheik Hata”, Luaty Beirão, Nelson Dibango, Nito Alves, Nuno Álvaro Dala, Osvaldo Caholo e Sedrick de Carvalho e O capitão Zenóbio Zumba, como todos aqueles contra os quais não pode ser formulada qualquer acusação, sejam incondicionalmente libertados. Uma vez que, segundo creio, necessita de cuidados médicos urgentes, deverá ser libertada imediatamente para que possa ser tratada por médicos de sua escolha.

Excelência,

Escrevo para pedir a libertação imediata e incondicional de Todos, a qual creio terem sido preso, pelo exercício não violento do seu direito à liberdade de expressão, em violação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

a) Declaração Universal dos Direitos Humanos, em particular os seguintes artigos:

Art. 3º – Toda a pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Art. 5º – Ninguém será sujeito a castigo ou tratamento cruel , desumano ou degradante ou à tortura.

Art. 6º – Todas as pessoas são iguais perante a Lei.

Art. 9º – Ninguém pode ser arbitrariamente detido, preso ou exilado.

Art. 10º – Toda a pessoa tem direito a um julgamento público e imparcial.

Art. 18º – Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.

Art. 19º – Toda a pessoa tem direito à liberdade de expressão e opinião.

b) Normas de tratamento de presos (conjunto de normas internacionais sobre questões como a imparcialidade na aplicação da lei, registo dos presos no local onde se encontram, separação das diversas categorias de presos, acomodação, higiene pessoal, roupas e cama, alimentação, exercício e desporto, serviços médicos, disciplina e castigos, contacto com o exterior, notificação de morte ou doença, transferência, etc..)

c) Convenções Internacionais (como a Convenção da Tortura, do Princípio , etc.)

Sublinho o facto de que a nossa preocupação com os Direitos Humanos não é motivada por razões de ordem política, derivando apenas dos princípios fundamentais do Direito Internacional.

Muito lhe agradecia se a V. Excelência Senhor Presidente atender o nosso:

Apelo à libertação dos 18 prisioneiro de consciência que se encontram detido há 90 há dias.

Peço-lhe que se interesse pessoalmente por este caso e que se assegure que ele se possa reunir à sua família.

“Angola é um Estado-parte do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, assim como da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. As autoridades têm de respeitar e proteger o direito de liberdade de expressão e de opinião contido nestes dois tratados, assim como na própria Constituição do país”-

“A detenção continuada destes 18 defensores de direitos humanos é contrária às declarações do Governo angolano de que leva a sério os seus compromissos de respeito e garantia dos direitos dos seus cidadãos”.

Como Estado-membro da Comunidade para o Desenvolvimento para a África Austral (SADC) e membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Angola assumiu os princípios de alcançar desenvolvimento, paz e segurança através de uma integração regional construída sobre os princípios democráticos e um desenvolvimento sustentável e equitativo.

“A não ser que [as autoridades angolanas] libertem imediatamente e de forma incondicional estes 18homens, irão minar totalmente qualquer confiança no papel de Angola como uma potência regional importante na África Austral”.

Como membro da Amnistia Internacional entendo que “a continuada detenção de Mavungo, Kalupeteka e dos 16 Jovens constitui uma violação do direito de liberdade de expressão e isso prova da abordagem cada vez mais repressiva do Governo de Angola em relação aos defensores de direitos humanos”.


Folha 8

Angola. “PRIMEIRO PASSO RUMO A UMA POSSÍVEL CONVERGÊNCIA ELEITORAL”




Jornadas parlamentares conjuntas de UNITA, CASA-CE, FNLA e PRS deixam no ar a possibilidade de acordo para 2017.

Miguel Gomes – Rede Angola

Isaías Samakuva, presidente do maior partido da oposição, a UNITA, aproveitou as Jornadas Parlamentares Conjuntas que se iniciaram hoje, em Luanda, para lançar um forte ataque à governação e ao partido no poder. Embora num registo menos acusatório, FNLA, PRS e CASA-CE afinaram pelo mesmo diapasão.

Samakuva usou expressões como “pátria vendida”, “futuro ameaçado” ou “apartheid político e socioeconómico” para caracterizar o momento que se vive em Angola. “O país continua a não encontrar uma matriz política, económica e cultural própria. Por outro lado, é fundamental que possamos transformar o estado numa autêntica pessoa de bem”, disse o presidente da UNITA.

“O país precisa de uma nova liderança, de uma nova cultura de governação e de um novo regime político. O MPLA não aceita conviver na diferença. O diálogo entre as diversas forças políticas deve conduzir a uma acção concertada”, acrescentou Isaías Samakuva.

E será mesmo esta acção concertada que se pretende perspectivar com as Jornadas Parlamentares da Oposição, organizadas pela primeira vez de forma conjunta. Abel Chivukuvuku, líder da coligação CASA-CE (terceira maior força parlamentar), reconheceu, em declarações à imprensa, que o evento “é um primeiro passo rumo a uma possível convergência eleitoral”.

Sobre o formato da participação conjunta nada se sabe. Mas Isaías Samakuva fez questão de lançar para o debate a sua visão e as questões que considera essenciais – o político deixou a audiência com cerca de dez questões que tocam os domínios da economia, dos direitos civis, do papel da sociedade civil, da transparência eleitoral, da corrupção e fenómenos anexos ou da nova Lei Geral do Trabalho.

“Precisamos encontrar um caminho de mudança na estabilidade”, concretizou Samakuva.

No seu discurso, Abel Chivikuvuku considerou que as jornadas conjuntas são uma “iniciativa ímpar”. Utilizando as alegorias presentes nos provérbios tradicionais para ilustrar as suas ideias, ao mesmo tempo que cita (fê-lo várias vezes) o filósofo Montesquieu, Chivukuvuku deixou a proposta de mudança.

“É preciso acelerar a marcha. Porque neste momento estamos a lidar com as expectativas goradas dos jovens e com as desilusões que têm sido vividas de geração em geração. Não precisamos de um modelo de sociedade baseado na fraude e na mentira, como acontece actualmente”, lembra Chivukuvuku.

A abertura das Jornadas Parlamentares Conjuntas aconteceu no Hotel Plaza, Talatona, em Luanda, com a presença dos quatro líderes políticos da oposição: Eduardo Kwangana (PRS) e Lucas Ngonda (FNLA), que também discursaram no mesmo tom crítico, para além dos já citados Isaías Samakuva (UNITA) e Abel Chivukuvuku (CASA-CE).

Para além dos quatro grupos parlamentares, estão presentes no evento diversos convidados da sociedade civil, estudantes e professores universitários. As jornadas parlamentares decorrem hoje e amanhã, em Luanda, e o programa incluem diversos painéis de debate aberto. 

Foto:  Ampe Rogério/RA

Angola. COISAS: MAS É A ANA GOMES!



José Kaliengue* - O País, opinião

Ana Gomes já sabe que a transição de poder em Angola será violenta e teme que isso afecte a segurança regional europeia e Portugal que teria de receber os milhares de portugueses que vivem em Angola e os cidadãos de dupla nacionalidade. E eu que até julgava que ela estivesse preocupada com os angolanos!

A eurodeputada portuguesa Ana Gomes esteve por Luanda durante uns dias. Luanda! digo bem. Ela produziu um relatório sobre Angola e faz recomendações para que as autoridades europeias condenem o Estado angolano. Ela acusa a Europa de silenciar o que se passa em Angola e também de ser cúmplice na delapidação financeira do país.

Estávamos mesmo a precisar de uma salvadora. Cá está. Veio de Portugal. Esta minha ironia tem uma razão. Eu explico: Nada tenho contra a senhora nem contra as suas ideias. Também não posso dizer que ela esteja numa posição conspiratória, que tenha inventado falsidades. Nada disso. Que temos corrupção, não precisamos que ela no-la venha expor. Tal como os europeus não precisam que o façamos nos seus países também. Já a liberdade de expressão e de imprensa é outro assunto, ela ficaria melhor esclarecida se lesse todos os jornais e ouvisse todas as rádios. O que nós temos, julgo, são órgãos de comunicação social que, de parte a parte, fazem propaganda para o seu lado e ‘insultam’ o lado oposto. Pelo menos em Luanda, onde ela esteve.

Depois ela junta no seu relatório questões como as dos monte Sumi e a dos quinze revus detidos, que agora já são mais. São casos que irão a tribunal, veremos como correm. Não haverá melhor palco que os julgamentos que estes casos merecerão, abertos, com a imprensa e o público a seguirem.

Se não posso dizer que ela tenha inventado o que consta no seu relatório, e que até pode ter ou ser verdade, já outras coisas me incomodam um pouco. Não me espanta que o relatório tenha o pendor que tem, porque estas são ideias que ela defendia antes de ter vindo a Luanda. Ana Gomes, pelo que publica a imprensa, ignorou os argumentos do Governo angolano, ela que até foi recebida por alguns governantes. Esta parcialidade é que me incomoda.

“Não é tempo para que a UE permaneça passiva e silenciosa, observando a deterioração da situação, bloqueada politicamente em Angola, considerando também as possíveis implicações para a segurança regional e para membros, como Portugal, que de repente podem enfrentar um fluxo maciço de portugueses e cidadãos de dupla nacionalidade, como resultado da violenta perturbação na inevitável transição de poder”, lê-se no relatório da eurodeputada.

Ana Gomes já sabe que a transição de poder em Angola será violenta e teme que isso afecte a segurança regional europeia e Portugal que teria de receber os milhares de portugueses que vivem em Angola e os cidadãos de dupla nacionalidade. E eu que até julgava que ela estivesse preocupada com os angolanos!

É o que tenho dito, tanto para os da Oposição como para os do MPLA: não são e nunca serão os estrangeiros a resolver os nossos problemas. Eles estão preocupados com tudo, menos connosco.

Na foto: José Kaliengue

Angola. JOVEM DO HUAMBO INVENTA GERADOR SEM COMBUSTÍVEL




Marcolino Kanganjo, estudante na Universidade do Huambo, inventou um gerador que não carece de combustíveis fósseis para funcionar e, com isso, venceu o concurso ’Talentos Tecnológicos’, promovido pela Infrasat.

O gerador ecológico foi criado para ir ao encontro das necessidades de quem vive nas zonas rurais. Debita 400 Watts mas a ideia é aumentar a potência. A sua ignição faz-se por indução, activando o campo electromagnético para alimentação dos acumuladores.

Em segundo e terceiro lugares ficaram jovens de Luanda.

Tiago Albino Muendo criou um processo de comunicação que permite, através da internet, controlar remotamente o consumo energético da habitação.

Sílvio César da Gama e Geraldo Gama  desenvolveram o projecto ‘Remotus’, um sistema remoto de alerta e protecção, que alerta os seus utilizadores quer, por exemplo, para gases libertados, como monóxido de carbono, quer para a presença de intrusos indesejados nas suas residências.

O concurso ’Talentos Tecnológicos’, promovido pela Infrasat, tem como objectivo promover, valorizar e divulgar projectos, criados individualmente ou em grupo, na área das tecnologias da comunicação e de informação.

O País

AS DINÂMICAS DA PAZ (8)



Rui Peralta, Luanda

Angola: a Constituição de 2010 e os Direitos do Homem

É um dos princípios fundamentais da Republica de Angola a promoção e defesa dos “direitos e liberdades fundamentais do Homem, que como individuo quer como membro de grupos sociais organizados”. A Republica de Angola “assegura o respeito e a garantia da sua efectivação” através do Poder legislativo, judicial e executivo e de “todas as pessoas singulares e colectivas”. No âmbito das Relações Internacionais o respeito pelos Direitos do Homem é um dos princípios-base, assim como a “abolição de todas as formas de colonialismo, agressão, opressão e exploração na relação entre os povos”.

São tarefas fundamentais do Estado assegurar “os direitos, liberdades e garantias fundamentais”, assim com “promover a igualdade de direitos e de oportunidades” sem qualquer tipo de descriminação. Os “preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem”.

O Direito á Vida, á integridade pessoal, á identidade, privacidade e intimidade, á inviolabilidade do domicilio, da correspondência e das comunicações, á igualdade do género, os direitos da criança, o direito á liberdade física e á segurança individual, o direito de propriedade e o direito á livre iniciativa económica, o direito ao ambiente, a liberdade de expressão e de informação, a liberdade de consciência, a liberdade de criação cultural e cientifica, a liberdade de imprensa, o direito a replicar, a liberdade de residência, circulação e emigração, a liberdade de reunião e de manifestação (esta com algumas ambiguidades, á margem da lei constitucional, criadas por incompetência institucional e pela “falta de inteligência” administrativa e órgãos da “inteligência”, mais correctamente da “pouca-inteligência”, ou talvez da “contrainteligência” em sentido lato), a liberdade de associação, a liberdade sindical e de associação profissional e empresarial, o direito á greve, o direito de participação na vida pública e o direito de acesso aos cargos públicos em “condições de igualdade e de liberdade”, o direito de sufrágio, são direitos, liberdade e garantias, plasmados no texto constitucional, princípios fundamentais do Estado Angolano e pelo Estado Democrático de Direito garantidos.

A restrição a estes direitos e liberdades, assim como a sua limitação e suspensão apenas pode ocorrer nos termos constitucionais e nos casos previstos pela Constituição, Lei Suprema da Nação, e não pode diminuir a “extensão nem o alcance” dos direitos constitucionais. “Em caso algum” podem ser afectados o Direito á Vida (que não tem nada a ver com legislação sobre o Aborto, conforme alguma igrejas andam por aí a espalhar. O direito á vida prende-se com a proibição da pena de morte, por exemplo), á integridade pessoal e á identidade, a capacidade civil e a cidadania, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência.

“É proibida a pena de morte” (artigo 59º) e a tortura (artigo 60º). Está garantido o Habeas Corpus e o Habeas Data e o direito a um julgamento justo. O Estado é civilmente responsável por actos e omissões praticados pelos seus órgãos, agentes e funcionários, no exercício das suas funções, de que “resulte a violação dos direitos, liberdades e garantias”.

A Constituição consagra os Direitos Humanos e o Estado garante a sua aplicação e efectivação. Toda a sociedade angolana deve contribuir para a protecção dos direitos humanos e zelar pela sua aplicação. Estes direitos representam a Cultura da Paz e a edificação de uma sociedade mais livre e justa, conforme os princípios da luta armada de libertação nacional iniciada a 4 de Fevereiro de 1961. Sem a aplicação dos Direitos do Homem não existe desenvolvimento integrado efectivo e os princípios orientadores que levaram á proclamação da independência nacional não poderão ser cumpridos.

É, pois, a aplicação da Carta Universal dos Direitos do Homem, uma consigna e uma aspiração do Povo angolano, na sua luta persistente por uma vida melhor.

(continua)

VÍTIMAS DAS “GUERRAS HUMANITÁRIAS”




Reportagem em Lesbos revela: por trás da onda refugiados, países destruídos por intervenções ocidentais. A longa jornada de sírios, iraquianos e afegãos no Mediterrâneo. A indiferença da Europa

Jesse Rosenfeld, no The Nation - Tradução: Gabriela Leite e Inês Castilho

No calor escaldante de um meio-dia de agosto na ilha grega de Lesbos, Ziad Mouatash salta fora de um bote inflável superlotado e toca o solo da União Europeia pela primeira vez. O jovem de 22 anos de Yarmouk – campo de refugiados palestino à beira de Damasco que foi sitiado e bombardeado desde 2012 pelas forças de Bashar al-Assad e recentemente foi invadido pelo ISIS e a Frenta Al-Nusra, filiada à Al Qaeda – abraça todos à sua volta, em êxtase por estar vivo.

A partir da costa grega, ativistas e moradores observaram impotentes o motor do barco quebrar a cerca de três quilômetros dali, a água entornando no bote de borracha que mal era capaz de flutuar. Crianças e adultos gritavam desesperadamente por ajuda, até serem rebocados para a Grécia por outro barco de refugiados vindo da Turquia.

Mouatash pagou mais de mil euros (mais de 4 mil reais) a traficantes de pessoas na Turquia por essa experiência de quase-morte, mas, segundo ele, a escolha era muito menos arriscada do que continuar se escondendo numa Damasco em deterioração, que duas semanas antes ele havia trocado pela Turquia. Como palestino que cresceu em campos de refugiados da Síria, Mouatash é apátrida, mas tem um irmão em Paris e espera começar vida nova na França.

Ele anda para cima e para baixo da costa, incerto sobre que direção tomar, enquanto ativistas locais tentam juntar os recém-chegados para dizer-lhes que precisam começar uma caminhada de mais de 60 quilômetros a pé, até um centro de registro do outro lado da ilha.

“Graças a Deus consegui chegar até aqui. Estou livre, estou vivo!”, exclama Mouatash, tomado pela emoção.

Embora tenha escapado dos horrores da massacrante guerra civil da Síria, Mouatash está apenas começando uma difícil jornada pela Europa. Terá de cruzar mais fronteiras ilegalmente; descansar em campos sujos e improvisados; pagar traficantes para ajudá-lo a cruzar essas fronteiras; esquivar-se da polícia de imigração; e dormir em parques e campos, antes que possa reunir-se com seu irmão. Ainda assim, ele é um dos que têm sorte. Quatro dias depois de sua chegada, uma balsa virou ao largo da ilha grega de Kos e seis sírios – incluindo um bebê – afogaram-se.

Segundo a tenente Eleni Kelmani, porta-voz da guarda costeira de Lesbos, mais de dois mil refugiados estão aportando diariamente na ilha. Ela observa que esse ensolarado paraíso turístico viu a chegada de 75 mil dos cerca de 120 mil refugiados que aterrissaram na Grécia neste ano. Fora de seu escritório, centenas deles dormem perto de carros estacionados ou em tendas à beira do porto.

“É óbvio que, se a austeridade não tivesse atingido a Grécia, teríamos melhores condições de lidar com esta crise”, diz Kelmani. Ela fala francamente, enquanto tenta manter a Guarda Costeira fora da briga política doméstica do país.

O partido de esquerda que governa a Grécia, Syriza, é um dos poucos membros da União Europeia a clamar por uma abordagem de “solidariedade” em toda a Europa para reassentar os refugiados que chegam de algumas das piores zonas de conflito do mundo. É uma postura completamente contrária à dos políticos de extrema-direita, anti-imigração e nacionalistas, da UE, que pedem uma Europa fortificada, para tornar o mais difícil possível a viagem dos que buscam asilo, a fim de impedi-los de chegar.

Contudo, com a economia grega fragilizada pelas medidas de austeridade impostas pela UE, o governo do Syriza não pode fazer muito. Ao invés de encontrar solidariedade e uma estratégia de ajuda coordenada em toda a Europa, os refugiados – a grande maioria da Síria, do Afeganistão e, em menor extensão, do Iraque – estão chegando a Lesbos apenas para deparar-se com serviços públicos deteriorados.

Homens jovens, assim como famílias – inclusive mães com crianças nascidas há poucas semanas – fazem fila à beira das rodovias na caminhada de 13 a 20 horas a pé, pela ilha montanhosa. As leis locais impedem que tomem táxis, embarquem em transporte público ou fiquem em hotéis antes de receber os documentos gregos, e há apenas quatro ônibus para transportar pessoas para os dois campos de trânsito e triagem, segundo Kelmani. Um punhado de ativistas voluntários conduz pela ilha as mulheres grávidas, as crianças pequenas e os idosos, mas a maioria não tem escolha se não andar.

Ao lado de uma curva cega, a meio caminho entre a parte norte de Lesbos, onde os refugiados chegam, e o centro de triagem, perto da principal cidade de Mytilini, os carros desviam freneticamente para não passar sobre Abbas Bari e seu amigo Sayed Hassan.

Os dois jovens, vindos da cidade de Basra, no sul do Iraque, escaparam de milícias e arriscaram tudo apenas para ser quase mortos por atropelamento enquanto cochilavam à beira da estrada, depois de caminhar por dez horas. Quando eu os desperto para sugerir que se movam até um campo, eles ficam inicialmente nervosos e com medo, imaginando que eu possa roubá-los. A difícil jornada através do Iraque e da Turquia deixou-os desconfiados de todo mundo, mas depois que expliquei a situação e lhes ofereci um pouco d’água, Bari se abriu.

Ele havia trabalhado como treinador de cães para o governo iraquiano e como tatuador. Entre os poucos pertences que trouxe consigo estão um grande frasco de tinta e uma coleção de desenhos de tattoo, muitos dos quais estão gravados em seu bíceps. Mas disse que foi o treinamento de cães de guarda para o exército que despertou a ira das milícias locais, embora não especifique quais.

“Eles mataram um dos meus cachorros e depois fizeram ligações telefônicas ameaçadoras”, diz, fumando um cigarro iraquiano de um maço que trouxe consigo. Temendo por sua vida, o jovem de 29 anos escapou em pânico da cidade, deixando para trás a esposa e duas crianças. Agora Bari espera chegar à Finlândia, onde planeja recomeçar a vida em segurança, juntando-se à família depois de conseguir se estabelecer. Mas ainda olha para a destruição de sua pátria com amargura. Culpa um ator acima de todos os outros: os Estados Unidos.

“A América matou as pessoas e destruiu o Iraque. Estavam só atrás do petróleo”, diz, citando a invasão de 2003 como a fonte do caos atual que o forçou a imigrar. Apesar do seu papel na criação desse deslocamento em massa, nem os Estados Unidos nem seus aliados europeus naquela guerra estão fazendo muita coisa para receber os refugiados gerados por sua ocupação fracassada.

À medida em que eu viajava com as pessoas em busca de asilo em sua caminhada pela Grécia, ouvi várias histórias semelhantes de afegãos, cujo deslocamento tem raiz nas despojos da invasão de 2001. E dezenas de refugiados sírios falaram que fugiram de seu país por causa da natureza aparentemente interminável da guerra regional por procuração que o está destruindo. Embora culpem Assad por sua brutalidade, culpam igualmente os Estados Unidos, a Europa e seus aliados do Golfo Pérsico e da Turquia por inundar o país com armas e soldados que agravaram o conflito.

Ainda assim, nos campos de trânsito da ilha de Lesbos não há sinal algum de que a Europa assumirá responsabilidade por uma crise política que está levando milhares de pessoas a essas condições insuportáveis de vida. Ao contrário, a tarefa de cuidar dos refugiados tem sido largada para voluntários locais e meia duzia de ONGs subequipadas.

O resultado são dois campos não administrados na ilha pelo qual todos devem passar. O local tem apenas alguns banheiros, que são sobreutilizados e pouco limpos. A comida é providenciada por voluntários locais ou vendida por preços inflacionados por carrinhos de comida e cantinas, que tentam explorar o desespero das pessoas. Os únicos chuveiros são torneiras ligadas a cercas, sem teto ou cobertura, e as pessoas têm que se lavar ao ar livre, onde todos podem vê-las.

Se a pessoa não consegue encontrar lugar em alguma das tendas de exército doadas, ou tem que pagar caro por apetrechos de acampamento ou dormir na sujeira, com pouca sombra e cercada pelo cheiro de milhares de outros cozinhando no calor mediterrâneo. É aqui que eles esperam durante dias, planejando por celulares sua viagem rumo ao Norte e Oeste e assistindo a vídeos do Youtube, com dicas de como driblar a polícia de fronteira.

“Tenho que relembrar meu tempo no Zaire (agora conhecido como República Democrática do Congo) no começo da guerra civil para dizer qual foi a última vez em que estive em um acampamento não gerenciado”, diz Kink Day, líder da equipe responsável por emergências do Comitê Internacional de Resgate (IRC, em inglês), em Lesbos. Ele está chocado com o fato de que mesmo depois de anos trabalhando em zonas de conflito, o IRC seja necessário na Europa. Ele nota que sem dinheiro, vontade ou habilidade do governo para lidar com os refugiados produzidos por esses conflitos, a crise na Grécia era completamente previsível. “Essa é a crise humanitária mais política que já vi. É uma batata quente política”, afirma.

Essas tensões estão tão visíveis nas ruas de Lesbos quanto no Parlamento da União Europeia. Os apoiadores locais do partico fascista grego Golden Dawn se locomovem pela ilha, ameaçando refugiados e ativistas que os ajudam. Muitos gregos sentem simpatia pelos que estão atrás de proteãço, mas muitos outros os acusam de perturbar o turismo e consumir recursos.

Guardas de segurança em praias públicas retiram agressivamente jovens sírios que querem nadar, afirmando que isso incomoda os turistas. Quase ninguém reconhece que estao injetando dinheiro em cafés e restaurantes locais no entorno da cidade de Mytilini. E como um agente de viagem que insistiu em permanecer anônimo me disse, “esses caçadores de asilo são muito bons em vender tíquetes de balsa”.

Quando finalmente recebem seus documentos gregos de registo de refúgio, as pessoas deixam Lesbos tão rápido quanto possível em balsas com destino a Atenas. O convés dos grandes barcos em que viajam parece com uma mistura de um cruzeiro mediterrâneo e uma embarcação de evacuação de zona de guerra, com turistas queimados de sol e pessoas que pedem asilo atropelando-se pelos assentos com a melhor vista e a brisa mais fresca.

“Continuo dizendo aos caras que estamos juntos nesta viagem diz Johnny Mhanna, um ator de 24 anos de idade de Damasco, que voou para Beirute em 2013 para evitar o alistamento pelas forças de Assad. Ele e seus nove outros compnaheiros de viagem estavam passaram a achar que era impossível construir uma vida estável no Líbano, onde a população cresceu um quarto por conta do influxo sírio, enquanto o governo se recusa a reconhecer que aqueles que fogem da guerra são refugiados.

Sem conseguir voltar para a Síria, eles decidiram buscar estabilidade na Áustria ou Alemanha. Ainda assim, se alguém ouvir por alto a conversa deles, será fácil confundir esse grasnar de jovens de bigodes e cabelo bagunçado, vestindo camisetas inglesas irônicas e mexendo em seus iPhones, com uma festa hipster.

Assim que o navio aporta em Atenas, eles se encaminham diretamente à rodoviária. Os que buscam asilo, assim como muitos dos sírios e iraquianos que passam por Atenas, pulam em trens e ônibus que rumam para a cidade costeira de Thessaloniki no mesmo dia e de lá dirigem-se à fronteira grega com a Macedônia o mais rápido possível.

Muitos afegãos, apesar disso, param em Atenas para descansar por muitos dias e planejar seus próximos passos. A maior parte esteve em viagens mais longas e caras, passando pelo Paquistão e Irã antes de entrar na Turquia, e têm menos dinheiro. Histórias de tiros contra eles dados pelos guardas da fronteira e abusos pela polícia iraniana, exército e traficantes são comuns.

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